Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A comunicação como pluralidade

Comunicação e pluralidade nem sempre andam juntas, sobretudo quando compreendemos a comunicação a partir das empresas, das elites e da informação como mercadoria. Neste sentido, o mundo contemporâneo vê o fenômeno da mídia ultrapassar horizontes chegando à exaustão informativa, mas quase nunca aliada à qualidade e à pluralidade comunicacional. Defendemos que uma comunicação só se faz possível e verdadeira quando há pluralidade, onde subsista a relação proporcional dos agentes que efetivamente participam do fenômeno comunicativo.

Em pleno século 21, tempo em que a cubana Yoani Sánchez louva a democracia comunicacional brasileira, identificamos a comunicação empresarial, corporativa ou mercadológica refém de algumas famílias, as quais, “discursivamente”, louvam a liberdade de imprensa. Flagra-se uma contradição: liberdade que nega a pluralidade? As famílias que formam esta teia contraditória, também colocam a comunicação em um labirinto e dificultam o acesso à informação plural e democrática. Globo (família Marinho), SBT (Abravanel), Civita (Editora Abril), Frias (Folha de S.Paulo), Record (IURD) Saad (Bandeirantes) e Sirotsky (RBS) apresentam ao grande público uma comunicação esteticamente perfeita, mas democraticamente deficiente e pouco plural.

Um importante estudo desenvolvido pelo pesquisador e jornalista Daniel Herz e publicado no site “Os Donos da Mídia” revela e atualiza este fenômeno. O estudo de Herz contabiliza a presença de 34 redes de TV no Brasil e um total 1.511 veículos ligados às redes de TV. Portanto, justamente as principais redes ainda detêm o maior número veículos: Globo (340), SBT (195), Band (166), Record (142). O projeto “Donos da Mídia” também descobriu que existem 41 grupos de abrangência nacional e 551 veículos controlados pelos grupos no Brasil.

Mesmo discurso

Os grupos regionais que centralizam a comunicação no país no total são 142 com 668 veículos controlados. Ligados à Rede Globo estão os grupos regionais e seus respectivos veículos, como RBS (57), OJC (24), Sistema Mirante (22), ORM e Amazônica (13). O SBT e a Rede Bandeirantes aglutinam os demais grupos regionais, como CBV (14), Sistema Jornal do Commercio de Comunicação (14), Boa Sorte (13), SCC (12) e a RIC – ligado à Rede Record (14).

O domínio exercido por essas famílias em todo o território nacional deixa marcas profundas na democracia comunicacional. O leitor, ouvinte ou telespectador muitas vezes não sabe se está lendo, vendo ou ouvindo uma informação ou uma opinião, devido ao forte caráter mercadológico das notícias e reportagens. A briga por audiência acentua ainda mais esta posição empresarial, que cresce exponencialmente. O número de concessões de rádio e TV para um mesmo grupo de comunicação agrava a situação tanto em âmbito nacional quanto local.

Assim, a comunicação brasileira se torna instrumento de algumas famílias da alta sociedade cujo império midiático se legitima todos os dias com sua política editorial, merchandising e padrões advindos da mensagem que reporta ao público. Ao passar em uma banca de jornais e revistas, ao ligar o rádio e a TV, o público passa a ver um universo que muitas vezes destoa de jornalismo e pluralismo por ser apenas uma reprodução em diferentes veículos de um mesmo discurso.

Comunicação como pluralidade

Segundo Bakhtin, no seu livro Estética da criação verbal, ao falar sempre levo em conta o fundo aperceptível da percepção de meu discurso pelo destinatário: até que ponto ele (destinatário) está a par da situação, dispõe de conhecimentos especiais de um dado campo cultural da comunicação; levo em conta as suas concepções e convicções, os seus preconceitos (do meu ponto de vista), as suas simpatias e antipatias – tudo isso irá determinar a ativa compreensão responsiva do meu enunciado por ele.

Neste sentido, a comunicação plural precisa ser espaço de interação e de convite para o leitor, para que ele preencha os vazios deixados, propositalmente, pelo egoísmo do enunciador. Segundo Umberto Eco, no seu livro Lector in Fabula: A cooperação interativa nos textos narrativos, a comunicação plural requer a possibilidade de canais efetivos entre emissor e receptor, ou seja, “um texto que não só requer a cooperação do próprio leitor, mas quer também que esse leitor tente uma série de opções interpretativas que, se não infinitas, são ao menos indefinidas, e, em todo o caso, são mais que uma. (…) Como princípio ativo da interpretação, o leitor constitui parte do quadro gerativo do próprio texto”.

Portanto, a comunicação como pluralidade é pré-requisito da comunicação livre e democrática, que, no caso brasileiro, é dificultada pelas empresas familiares, a cada dia mais vigorosas e multimidiáticas.

Máscara de democracia

Um fato que ilustra muito bem a comunicação ideológica e empresarial do nosso país foi a recente visita da blogueira Yoani Sanchez, patrocinada por políticos do DEM e do PSDB. Da sua visita conturbada, evidenciou-se a certeza de que o seu discurso por liberdade de expressão nada mais é do que uma estratégia publicitária da sua pretensa agência de notícias, a um bom tempo financiada pelo capital estrangeiro opositor ao governo de Fidel Castro. Alguém que discursa e defende a democracia comunicacional, mas que se atrela a grupos políticos de direita, contradiz todo o seu discurso em prol de uma comunicação alternativa. Obviamente, não se pode discursar sobre liberdade comunicacional alternativa e estar, ao mesmo tempo, unido a grupos hegemônicos.

Outra pergunta emerge: por que a Rede Globo, via Jornal Nacional, defendeu-a com tanta valentia? Talvez por que se trata de uma estrangeira sustentada pelas manobras financeiras do PSDB e do DEM. Yoani Sánchez aparece dotada de uma força política, capaz de transcender às aparências, sobretudo ao manter um discurso de esquerda, obscurecido e mascarado pelas reais intenções conservadoras da direita.

Cremos, portanto, que a ampla midiatização de Yoani Sánchez faz parte de um plano maior, de abrangência latino americana, que visa enfraquecer o crescimento econômico e político dos governos considerados populares, como o de Dilma, Evo Morales, Chávez (in memorian), Correa, Ortega e Kirchner.

Talvez não passe de uma manobra imperialista financiada unicamente pelos Estados Unidos, benfeitores da blogueira cubana, mas fomentada por seus representantes latinos, como os já referidos políticos do DEM e do PSDB, temerosos com a estabilização no poder dos partidos populares. Enfim, o polêmico caso da blogueira Yoani Sánchez confirma o nosso argumento de que a comunicação plural também é um objeto discursivo dos grupos comunicacionais hegemônicos, os quais detêm a palavra massiva, diariamente expressa por suas tecnologias de abrangência multimidiática.

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Joel Felipe Guindani e Éderson Silva são, respectivamente, radialista e doutorando em Comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e graduando em Comunicação Social-Jornalismo na Unisinos