Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Efeitos colaterais das sentenças

Em meio ao exaustivo noticiário sobre o rescaldo das condenações do grupo político de réus na Ação Penal 470, chama atenção uma reportagem da Folha de S.Paulo sobre um efeito colateral do inédito funcionamento do Supremo Tribunal Federal: banqueiros, advogados e dirigentes de empresas que negociam ações no mercado de capitais estariam preocupados com uma possível mudança na rotina dos julgamentos de crimes financeiros.

A Folha não cita o caso específico, mas deve pesar também nessas avaliações a recente prisão do banqueiro Luis Octavio Índio da Costa, ex-dono do Banco Cruzeiro do Sul, que passou 17 dias no cadeião de Pinheiros, unidade de detenção provisória na zona oeste de São Paulo.

Índio da Costa não esquentou a cela: foi detido no dia 24 de outubro e liberado no dia 9 de novembro, graças a um habeas corpus de um desembargador do Tribunal Regional Federal de São Paulo, e segue respondendo à acusação de fraude num montante superior a R$ 4 bilhões.

Jornalistas do setor sabem que o crime de que o banqueiro e seus sócios estão sendo acusados é extremamente grave, e personagens ouvidos pela imprensa têm consciência de que ele poderá voltar à prisão em breve, por conta de novas acusações. Ainda assim, surpreende alguns entrevistados o fato de um banqueiro ter sido colocado atrás das grades, mesmo que por apenas duas semanas: por não ter diploma de curso superior, Luis Octavio Índio da Costa teve que amargar a cela comum, sem regalias.

Temor generalizado

Mas a reportagem que a Folha de S.Paulo traz na edição de quarta-feira (14/11) não se refere aos processos em fase inicial, porque é do senso comum que o desempenho exibido pelo Supremo Tribunal Federal no caso chamado de “mensalão” está longe de representar a realidade nas demais instâncias da Justiça brasileira.

Nos foros primários e mesmo na segunda instância, a realidade não é a mesma que transformou em celebridade o ministro Joaquim Barbosa. Pelo contrário: a detenção de Índio da Costa, ainda que por curto prazo, é uma exceção à regra e só aconteceu porque se descobriu que ele andou espionando auditores do Banco Central na fase de liquidação do Banco Cruzeiro do Sul.

Mas o que está realmente assustando banqueiros e outros dirigentes de instituições que operam no mercado de capitais é o rigor da pena imposta à dona do Banco Rural, Kátia Rabello, na Ação Penal 470. Ela foi condenada a 16 anos e 8 meses de prisão, sob a acusação de haver autorizado empréstimos e permitido que o dinheiro fosse distribuído em suas agências sem identificação dos verdadeiros destinatários. Esses recursos financeiros são o eixo central do esquema condenado pelo Supremo Tribunal Federal.

Para os personagens ouvidos pela Folha, a pena imposta a Kátia Rabello é excessiva e desproporcional às suas responsabilidades objetivas na administração do banco.

Ninguém, além do advogado José Carlos Dias, defensor de Kátia Rabello, aceitou ter seu nome citado na reportagem da Folha, mas o texto deixa claro que há um temor generalizado de que o rigor das decisões do STF no caso chamado de “mensalão” comece a se espalhar pelas instâncias inferiores do sistema judiciário.

Empregos para advogados

Como um presidente de banco ou o vice-presidente jurídico de uma grande empresa de capital aberto não têm condições de verificar pessoalmente todas as operações financeiras que acontecem aos milhares, todos os anos, em seus negócios, teoricamente qualquer um deles pode vir a ser acusado por uma fraude numa agência remota e acabar condenado à prisão. Se todas as justificativas de votos apresentadas pelo relator da Ação Penal 470 vierem a formar um novo padrão, eles têm motivos de sobra para preocupações.

Há dois aspectos a serem observados na análise dessa reportagem: um deles é o risco de tal assunto cair no lodo do maniqueísmo, reforçando a demonização do setor financeiro e estimulando juízes com vocação para o estrelato a buscar o caminho fácil das sentenças exageradas para se destacar entre seus pares.

Outra consequência – que, segundo a Folha de S.Paulo, já está acontecendo – é o aumento de custo dos departamentos jurídicos das empresas cujas operações financeiras se enquadram nos padrões mais sensíveis.

Não vai faltar trabalho para advogados.

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