Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Eleições, mídia e ficha limpa

As eleições no Brasil ocorrem a cada dois anos, divididas entre municipais e federais-estaduais. Desde a Constituição de 1988, já se passaram mais de 20 anos de uma democracia com inúmeros problemas, como exploração econômica, desigualdade social exacerbada, oligarquias, clientelismo, corrupção, sonegação tributária e resquícios de coronelismo. Num princípio em que o voto é sinônimo de liberdade individual, o sistema está montado sobre uma lógica pouco pública, onde os partidos são muito mais expressões de projetos pessoais. Na verdade, grande parte dos problemas da democracia brasileira não é exclusiva deste país.

Evidentemente, os problemas do Brasil – no plano político, no caso, mas em outros tantos também – não podem ser resumidos à atuação do sistema midiático, mas é claro que têm a sua participação incisiva para atingir o nível atual. Além de se comportarem, não raro, como partido político, as indústrias culturais contribuíram, na passada eleição e em outras, para desviar o debate para temas menores ou abordagens pouco públicas. A própria temática do aborto, mal abordada pelos partidos, não foi subvertida pela mídia, que poderia ter pautado, em seus próprios espaços, uma discussão séria de um item tão relevante.

Em 2010, foi instituída uma medida inovadora, em se tratando de fiscalização do poder público no Brasil, a Lei da Ficha Limpa (lei complementar nº 135, de 4 de junho de 2010), a qual estipula a inelegibilidade de pessoas que tenham contra si processos judiciais, em especial de ordem pública. Criada através de um inédito projeto de lei de iniciativa popular, recebeu o apoio de 1,3 milhão de assinaturas, o que corresponde a cerca de 1% da população nacional. Visando especialmente à moralidade pública, este diploma legal é um importante instrumento da sociedade para proteger a probidade administrativa.

Processo democrático é restrito a participações pontuais

A lei está muito bem construída, não permitindo abertura para interpretações liberalizantes, apesar da polêmica sobre se sua aplicação atinge o (passado) pleito de 2010, por não ter sido aprovada um antes de sua realização. Um tópico de tão difícil resolução que acabou dividindo o próprio Supremo Tribunal Federal (STF). Como a questão não se esgota com uma lei, a fiscalização da seriedade com a coisa pública depende muito é de vigília por parte da população, o que passa pela superação da pulverização de interesses. Apesar de propor-se a isso, na maioria das vezes, a mídia não tem o papel de substituir a vigília popular.

Destaca-se como fato positivo Joaquim Roriz (PSC) ter tido sua candidatura ao governo do Distrito Federal (GDF) impugnada, em 2010, tendo que abandonar a postulação. Três anos antes, ele havia renunciado ao cargo de senador, para não ser cassado, por quebra de decoro parlamentar, o que o tornaria inelegível por oito anos. Ou seja, a renúncia foi uma manobra para poder seguir concorrendo em eleições próximas, como já fizeram outros políticos, a exemplo dos ex-senadores Antonio Carlos Magalhães, da Bahia, já falecido, e José Roberto Arruda, que virou sinônimo de corrupção, quando de sua passagem pelo GDF.

Políticos (não só eles) têm se utilizado dos mais diversos recursos judiciais para postergar e obstaculizar processos. Roriz, para não ter confirmada judicialmente a ilegalidade de sua candidatura, desistiu de concorrer e, em seu lugar, lançou sua esposa, Weslian Roriz, que lamentavelmente prestou-se a tal papel, num episódio que não dignifica a condição da mulher e a luta histórica pelo avanço de seu espaço na política. São provas de quão limitado é o processo democrático brasileiro, restrito a participações pontuais. No entanto, o povo fez o julgamento e, no segundo turno, não concedeu à mulher de Roriz o posto de governadora.

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Respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e graduando do Curso de Comunicação Social – Jornalismo pela mesma instituição