Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Eleições nos EUA, euforia na mídia

O Observatório da Imprensa exibido terça-feira (11/11) pela TV Brasil e pela TV Cultura discutiu a atuação dos meios de comunicação na eleição americana e como os candidatos, principalmente o democrata Barack Obama, exploraram o poder da mídia para angariar votos. Com um sistema eleitoral diferente do brasileiro, em que o comparecimento às urnas não é obrigatório e não há horário eleitoral gratuito, os candidatos enfrentaram desde o início do ano uma intensa maratona de exposição na imprensa. Para arrecadar fundos e divulgar suas plataformas, revolucionaram o uso das tecnologias da informação em campanhas eleitorais. Ferramentas como mensagens por telefones celulares, internet, blogs e o Twitter foram fortes aliadas dos políticos.


O debate ao vivo contou com a participação de convidados que viajaram aos Estados Unidos para acompanhar o processo eleitoral. O repórter especial de O Estado de S.Paulo Lourival Sant´Anna, que cobriu as eleições para o diário paulista, participou pelo estúdio da TV Cultura. No Rio de Janeiro, esteve presente o cientista político Marcus Figueiredo, especialista em comunicação política e opinião pública, que também retornava dos Estados Unidos. Eliane Cantanhêde, colunista da Folha de S.Paulo, participou pelo estúdio de Brasília. Neste ano, a jornalista esteve no país em três ocasiões para observar o cenário político.




Lourival Sant’Anna é repórter especial de O Estado de S.Paulo, onde também foi editor-chefe, editorialista e corresponde em Londres. Trabalhou no Serviço Brasileiro da BBC e na CNN. Participou de coberturas em mais de 40 países.


Marcus Figueiredo é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, diretor de pesquisas do IUPERJ – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, onde coordena o Laboratório de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (DOXA).


Eliane Cantanhêde é colunista da Folha de S. Paulo desde 1997. É formada em jornalismo pela UnB, começou a carreira como repórter do Jornal do Brasil e depois da revista Veja. Dirigiu as sucursais de Brasília de O Globo e Gazeta Mercantil, foi chefe de redação do Jornal do Brasil e colunista de O Estado de S.Paulo.


Antes do debate ao vivo, o jornalista Alberto Dines comentou fatos de destaque dos últimos dias. O primeiro foco da coluna ‘A Mídia na Semana’ foi a crise nos órgãos de segurança gerada por desentendimentos entre a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Para Dines, o vazamento indiscriminado de documentos sigilosos da Operação Satiagraha para a imprensa está na origem da crise. Em seguida, o jornalista destacou o fato de o jornal americano Christian Science Monitor, que completará 100 anos este mês, ter anunciado que deixará de circular em papel no próximo ano. O último tema da seção foi o lançamento ‘de uma onda de livros [sobre imprensa] marcados pela nostalgia’. Dois deles têm como tema a extinta revista Manchete [ver abaixo a íntegra da seção].


No editorial sobre as eleições americanas, Dines afirmou que a vitória do candidato democrata pode ser considerada ‘uma das horas estelares da humanidade’. O jornalista questionou se a mídia manterá a mesma expectativa e vibração mostradas na campanha eleitoral. ‘Na verdade, a pergunta do momento não diz respeito apenas a Barack Obama. No mundo acelerado por mudanças cruciais, será que a mídia não deveria ser a primeira a mudar?’. Dines considerou que as primárias, as convenções dos partidos, a intensa campanha e os inúmeros debates mostraram que a democracia ‘não é um passe de mágica, é um exercício de vontade, paciência e determinação’.


Cabos eleitorais


Ainda antes do debate ao vivo, foi exibida uma reportagem com as opiniões do cientista político Clóvis Brigagão, do editor de ‘Mundo’ do Globo na internet, Fernando Moreira, e do correspondente da revista Newsweek no Brasil, Mac Margolis. Brigagão afirmou que, surpreendentemente, a imprensa escrita brasileira dedicou uma ‘cobertura importante’ às eleições americanas. O cientista político acredita que o final da era Bush e a crise financeira contribuíram para o destaque do pleito no Brasil.


Mac Margolis ponderou que a mídia, inclusive a brasileira, refletiu o entusiasmo mundial com a vitória de Obama. O correspondente se sentiu incomodado com o comportamento ‘tipo manada’ da imprensa americana, onde era difícil encontrar uma ‘voz imparcial’. Barack Obama monopolizou a atenção da imprensa por ser ‘novidade’, na opinião de Fernando Moreira. O jornalista considera que apesar de a imprensa brasileira tradicionalmente não expressar de forma clara seu apoio a determinado candidato, como ocorre nos Estados Unidos, foi ‘notório’ o envolvimento da mídia brasileira na campanha de Obama. Brigagão esclareceu que a imprensa americana é ‘tão independente como empresa’ que pode apoiar candidatos. Já no Brasil, por haver um grau maior de dependência dos cofres públicos, a mídia prefere não abrir o seu voto.


Os candidatos à Casa Branca souberam manipular, de forma positiva, as novas ferramentas de comunicação na visão de Mac Margolis. Durante os comícios democratas a população era estimulada a enviar torpedos a cinco amigos com propaganda de Barack Obama. Fernando Moreira comentou que em 2004, quando George Bush concorreu com John Kerry, houve um boom da internet e, pela primeira vez o mailing list foi utilizado maciçamente. Hoje, a utilização e a eficácia dos meios de comunicação foram multiplicadas.


Os correspondentes Sílio Boccanera, sediado em Londres, e Caio Blinder, que mora em Nova York, gravaram comentários para o programa. O que mais marcou Boccanera foi ‘a forma obsessiva dessa cobertura presidencial’, sobretudo nos canais de notícias 24 horas, como a americana CNN. ‘Dava a impressão de que não existia mais nada no mundo’, avaliou. Caio Blinder considera correta a tradição da mídia americana de declarar o voto em editorial, mas ressalta que em tempos de ‘mídia fragmentada’ a influência desta atitude nas urnas é cada vez menor. O marketing eleitoral e os comerciais negativos pesam mais na decisão do eleitor. O jornalista comentou que a campanha de John McCain atribuiu a derrota, em parte, à parcialidade da mídia, mas que Obama teve à disposição ‘cabos eleitorais muito mais influentes, como o governo Bush e a calamidade econômica, que contaram mais do que mil editoriais’.


O fim da guerra


No debate ao vivo, Dines perguntou a Eliane Cantanhêde como a classe política brasileira observou a campanha americana, se sentiu-se diminuída pelo simbolismo que envolveu as eleições nos Estados Unidos. A jornalista comentou que a mídia do Brasil acompanhou o crescimento da ‘onda Barack Obama’ e dedicou ampla cobertura ao tema. Mas a maioria dos políticos pouco discutiu a disputa americana porque estava envolvida com as eleições municipais. Quando abordavam o tema, ressaltavam que nos Estados Unidos também há ofensas pessoais e pouca discussão das idéias propostas.


Institucionalmente, a ‘onda Obama’ atingiu o Palácio do Planalto e no Itamaraty. Houve uma ‘torcida ideológica’ pelas propostas de mudança pregadas por Obama. Eliane contou que nas viagens que fez este ano aos Estados Unidos assistiu ao crescimento da onda pró-Obama. Segundo a ela, o crescimento foi mais rápido no âmbito internacional e atuou ‘de fora para dentro’ dos Estados Unidos. Enquanto desde fevereiro os brasileiros já eram favoráveis ao candidato democrata, tendo percebido o sentido das mudanças propostas, os americanos ainda tentavam entender o fenômeno.


A questão econômica, para Lourival Sant´Anna, foi o fator decisivo para a escolha dos americanos por Barack Obama. O agravamento da crise financeira ocorrido na reta final da campanha foi o ‘empurrão’ que candidato democrata precisava para se eleger. As pesquisas apontavam que Obama estava na frente, mas a diferença era pequena. O jornalista avaliou que o republicano John McCain perdeu a disputa quando decidiu interromper a campanha para discutir saídas para a crise financeira com o governo. Sant´Anna avalia que neste momento ficou clara a fragilidade da visão econômica de McCain.


Apesar de ser desconhecido e inexperiente, Obama cercou-se de profissionais qualificados que deram credibilidade às suas propostas. Outros fatores que contribuíram para o resultado das urnas foram as guerras do Iraque e do Afeganistão e a ‘incompetência do governo Bush’ em lidar com a tragédia provocada pelo furacão Katrina, que atingiu o país em 2006. ‘Essa eleição foi mais um `não´ aos republicanos e à crise econômica do que propriamente um `sim´ a Barack Obama e aos democratas, apesar de todas as qualidades do Obama’, afirmou.


Marcus Figueiredo destacou que além de simbólica, a eleição de um ‘mulato’ para a Casa Branca é representativa de um momento histórico iniciado com a Guerra de Secessão (1860-1865). O cientista político disse que nesse período os Estados Unidos começaram a se constituir como Estado e se definiram do ponto de vista político. Duas questões fundamentais que estão na base do sistema político americano foram ali estabelecidas: a total e irrestrita liberdade de imprensa, garantida pela primeira emenda constitucional, e o federalismo. A posse de Obama marcará o fim dessa guerra civil travada entre estados do Sul e do Norte dos Estados Unidos tendo a escravidão como pano de fundo.


Unilateralismo em questão


Para os participantes do debate, a questão demográfica teve um papel fundamental no resultado das eleições americanas. Eliane Cantanhêde relembrou que há 50 anos os Estados Unidos eram um país de maioria branca com bolsões de negros. Hoje, pessoas de origem hispânica, asiática e negra espalham-se pelo país de modo mais uniforme. ‘Como no Brasil, os Estados Unidos são um país multiracial e o Obama é efeito disso’, afirmou. Marcus Figueiredo comentou o resultado de uma pesquisa recente que aponta que o único segmento social onde McCain venceu foi entre os homens brancos com boa situação financeira (mas não de classe alta).


Lourival Sant´Anna disse a equação do colégio eleitoral americano mudou. Os liberais, que anteriormente povoavam as costas Leste e Oeste dos Estados Unidos, começaram a migrar para a região central, que antes era de perfil conservador. Apesar de ainda serem levadas em conta questões como aborto, ‘os Estados Unidos deixou de ser tão religioso e conservador’. A Flórida também passou por mudanças. Grupos de descendentes de cubanos que antes desejavam a adoção de políticas duras em relação ao governo de Fidel Castro, hoje já tendem à negociação.


Dines perguntou aos participantes do programa se as mudanças propostas por Obama poderão ocorrer rapidamente, ‘com grandes novidades que vão dar manchetes de oito colunas todos os dias’, ou se o ritmo das transformações será mais lento. Para Marcus Figueiredo, os democratas e os americanos em geral já perceberam que o presidente eleito Barack Obama não representa uma revolução, e sim uma transformação. Há uma grande expectativa nos Estados Unidos, na opinião do cientista político, em torno de mudanças no processo eleitoral americano para possibilitar maior liberdade aos eleitores.


Lourival Sant´Anna disse que a principal mudança já aconteceu: a aceitação de um presidente negro nos Estados Unidos, um país com profundas questões étnicas. O jornalista acredita que Obama terá condições de cumprir as promessas de campanha porque tem uma posição confortável na Câmara e no Senado. Eliane Cantanhêde acrescentou que Obama detém grande força política, apoio popular e da comunidade internacional. Mas tem um enorme desafio pela frente: dividir o poder com outros países. Após exportar a crise financeira, os Estados Unidos não podem mais tomar decisões ‘unilateralmente’: precisam aceitar que são uma potência, mas que não estão mais sozinhos no mundo.


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Tempo de mudanças


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 486, no ar em 11/11/2008


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


A revolução americana completou-se na semana passada, 232 anos depois. Mas a vitória de Barack Hussein Obama pode ser considerada uma das horas estelares da humanidade.


Depois de falharem tantas revoluções sangrentas e utopias frustradas, a idéia de que através do voto é possível conquistar o impossível completa um capítulo importante da história política ocidental.


As demoradas primárias, as convenções, a exaustiva campanha e os sucessivos debates mostraram que a democracia não é um passe de mágica, é um exercício de vontade, paciência e determinação.


O grande desafio nas próximas dez semanas até a posse e, depois dela, após os primeiros cem ou mil dias, será manter a mesma noção de que o mundo mudou e ainda vai mudar mais.


A grande incógnita diz respeito à mídia: será que ela saberá manter a mesma expectativa e vibração ou vai cansar?


Na verdade, a pergunta do momento não diz respeito apenas a Barack Obama. No mundo acelerado por mudanças cruciais, será que a mídia não deveria ser a primeira a mudar?


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A mídia na semana


** A Polícia Federal briga com a Polícia Federal que briga com a Abin. A crise nos órgãos de segurança é inédita, pode criar rupturas institucionais perigosas. E a culpa é da imprensa. Isso não é piada, é a pura verdade. O vazamento indiscriminado para a imprensa de documentos sigilosos da Operação Satiagraha está na origem da crise. Jornais e revistas têm liberdade de publicar o que desejarem, mas antes devem investigar o material que recebem. E telejornais não devem ficar a reboque das dicas policiais porque acabam produzindo reality-shows.


** O Christian Science Monitor completará 100 anos no próximo dia 25 de novembro. E no próximo ano deixará de circular como jornal impresso. Foi criado por Mary Baker-Eddy, a controversa fundadora de uma religião, a Ciência Cristã, empenhada em combater o sensacionalismo, a incultura e vulgaridade do resto da imprensa americana. Dizem que Baker Eddy produziu vários milagres mas o único comprovado foi este jornal modelar.


** Conformado com o anúncio da sua morte, o jornalismo impresso contenta-se em ser lembrado através de uma onda de livros marcados pelo saudosismo. Dois deles sobre a falecida revista Manchete, rival de O Cruzeiro. No lugar da nostalgia, melhor seria discutir porque acabaram sem deixar vestígios.