Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Em busca de explicar o inexplicável

O Yom Hashoá é celebrado no dia 27 do mês de Nissan. Traduzindo: o dia da recordação do Holocausto, neste ano, foi celebrado na segunda-feira (16/4), segundo os parâmetros temporais do calendário gregoriano. Neste dia, entre as comunidades judaicas, recorda-se os 6 milhões de judeus que foram mortos pelo aparato industrial de assassinatos em massa nazista. Um feito de proporções gigantescas e cujas razões, até hoje, são apenas parcialmente explicadas.

Uma pergunta que sempre incomoda – ou deveria incomodar – é aquela que busca a resposta de como populações inteiras foram coniventes com os desmandos e as atrocidades de um regime totalitário. O medo da repressão, sozinho, não é uma explicação plausível. Ele explica a omissão, mas não a delação sistemática de vizinhos, amigos e companheiros de trabalho. Uma, entre outras tantas explicações, diz respeito ao objeto comum de todos os artigos neste sítio digital: a mídia.

Logo após a Primeira Guerra, surgiram os primeiros estudos e, conseqüentemente, as primeiras teorias da comunicação. Estas procuravam compreender o alcance e o efeito dos meios de comunicação de massa na organização social e na psicologia dos indivíduos. É o período que ficou marcado pela metáfora de uma agulha hipodérmica ou de uma bala mágica que inoculava conteúdos que não eram questionados por uma massa indistinta e passiva.

É deste momento histórico, também, o famoso paradigma informacional da teoria matemática de comunicação formulada pelos engenheiros norte-americanos Claude Shannon e Warren Weaver. A informação percorria, segundo o modelo, um trajeto unidirecional e linear até seus receptores inativos. O conceito de massa era o mesmo descrito pelo francês Gustave Le Bon no século 19, ou seja, um degrau abaixo da racionalidade mediana, um amontoado de gente histérica, manipulável, selvagem e com características emocionais femininas.

A não-revisão da história

Tanto a Primeira quanto a Segunda Guerra Mundial foram palcos de experimentos e de esforços de propaganda. Adolf Hitler fez de seu ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, o homem mais forte do regime. Uma figura essencial e estratégica para transformar indivíduos em estereótipos e mentiras em verdades. Seu departamento usou de todos os meios para tornar seus cinejornais um instrumento efetivo na produção e disseminação da propaganda de guerra.

O sociólogo alemão Sigmund Krakauer, em seu livro De Caligari a Hitler, lista os três princípios que nortearam a confecção desses cinejornais de guerra: eles tinham que representar e dar a impressão de uma realidade, ou seja, as imagens eram captadas diretamente no front; tinham uma duração específica de cerca de 40 minutos; a velocidade de produção e transmissão era imprescindível.

Cinemas ambulantes foram enviados a todo o país. Os jornais eram lançados simultaneamente por toda a grande nação alemã. Aviões militares eram deslocados especificamente para o transporte de jornalistas às frentes de batalha e para o retorno desse material filmado que transformava soldados em heróis.

Entretanto, isso ainda é insuficiente para justificar a adesão da quase totalidade dos indivíduos alemães, e de cidadãos respeitáveis de muitos países ocupados, que insistem em não rever sua própria história.

O ‘pensar diferente’

Com o desenvolvimento dos estudos do campo da comunicação, a massa passiva e indistinta se transformou em audiência, em público, em formadores de opinião, em indivíduos pensantes e inseridos dentro de seus contextos sócio-culturais específicos. Ao indivíduo, desde então, é dada a faculdade de negociar com o conteúdo informativo que recebe ou mesmo refutá-lo completamente. A massa há muito deixou de ser aquela descrita por Le Bon, embora alguns ainda insistam em tratá-la dessa forma.

Os bens simbólicos que circulam entre os seres humanos deixaram de ser culturalmente ordenados e pré-instituídos para serem frutos de uma prática comunicativa dinâmica de mão dupla, onde não há como negar o relevante papel dessa audiência no processo de construção do sentido.

E então? Frente a uma massa que não é passiva, que colabora ativamente no processo de legitimação da realidade, como é que ficamos para explicar a adesão e a conivência de milhares de pessoas para com o assassinato frio e covarde de outros tantos milhares? Talvez não haja explicação que baste nos estudos da política, da economia, da psicologia, da sociologia e da comunicação. Talvez explicar seja uma maneira torta de justificar. Prefiro Guimarães Rosa e o bordão de um de seus personagens mais marcantes: viver é muito perigoso.

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PS: Cláudio Fonteles botou mais lenha na fogueira da discussão sobre as pesquisas com células-tronco. Defendendo seus princípios religiosos cristãos, afirmou que a posição da geneticista e pesquisadora Mayana Katz, uma das principais ativistas do movimento pró-pesquisa, é fruto de sua condição religiosa: judaica. Segundo Fonteles, que foi procurador-geral da República, por isso ela ‘pensa diferentemente da gente’. Será que isso acrescenta algum outro dado para se tentar entender o que aconteceu no século passado?

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Estudante de jornalismo da Universidade Fumec, Belo Horizonte, MG