Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Em resposta à carta da TV Globo

Em carta publicada no blog de José Dirceu no dia 17, a Central Globo de Jornalismo volta a negar o que até os Hommers já se deram conta: às vésperas do primeiro turno, o Jornal Nacional manipulou informações para favorecer o candidato de sua predileção.

Tentar reduzir os questionamentos do repórter Raimundo Rodrigues Pereira sobre a cobertura eleitoral a um bate-boca em torno da suposta precisão da Globo na divulgação do acidente da Gol é subestimar – e muito – a capacidade de interpretação dos leitores. Assim como chega às raias do desrespeito a tentativa de desmerecer a revista Carta Capital por ter destacado a exigência do delegado Bruno de que as fotos fossem veiculadas pelo Jornal Nacional. ‘Band e SBT também foram mencionados’, chia a carta num misto de pirraça e alcagüetagem.

Pouco importa se o delegado mencionou uma, duas ou três emissoras. A questão é outra. O que está em jogo é o atual modelo de comunicação brasileiro, atualmente controlado por um oligopólio, o que contraria a Constituição Federal. Esse tema não foi contemplado por nenhuma das três manifestações da TV Globo com relação às reportagens de Carta Capital e sua repercussão.

Primeiro foi o diretor-executivo da TV Globo, Ali Kamel, quem veio a público tentar justificar a manipulação do Jornal Nacional. Recebeu 511 comentários neste Observatório, sendo a esmagadora maioria desfavorável a ele. Em seguida, veio o abaixo-assinado da Redação do JN. Como publicamos aqui no dia 31/10:

Até as 23h30 do dia 29/10/2006, este Observatório da Imprensa havia recebido 241 comentários sobre o documento. Apenas três defendiam a posição dos jornalistas da TV Globo. Repetindo: apenas três entre 241 comentários defendiam a posição dos jornalistas da TV Globo. Os outros 238 atacavam – alguns muito duramente – a iniciativa.

Agora é a vez da manifestação assinada pela Central Globo de Jornalismo, dirigida por Carlos Henrique Schroeder. Alguns pontos merecem destaque:

1) Em tom arrogante – aliás, comum às três manifestações – a Globo usa os sete primeiros tópicos da carta para desqualificar o jornalismo da Bandeirantes e se auto-elogiar:

‘Dizer simplesmente que um avião estava desaparecido, sem dar detalhes da rota e horários, seria levar pânico a todos os telespectadores que tivessem amigos ou parentes em aviões da Gol naquele horário. Jamais faríamos isso. (…) A função de um telejornal é informar, não alarmar.’

Bom saber que a Globo é uma guardiã inveterada da tranqüilidade dos telespectadores. A história confirma: o mesmo expediente fora utilizado para poupar os telespectadores dos distúrbios na Praça da Sé, em São Paulo, durante manifestação pelas Diretas. Naturalmente imbuída de intenções nobres – talvez para prevenir algum infarto – a Globo optou pela criatividade: noticiou que se trata da festa da cidade!

Ainda no ataque à Bandeirantes, diz a carta:

‘Depois de tantos erros, nada mais constrangedor do que dizer que a emissora só passa informações oficiais’. Errado. Há algo ainda mais constrangedor do que passar apenas informações oficiais. Passar apenas informações oficiais em tempos de ditadura política.’

2) No oitavo tópico, a Globo volta suas baterias contra Raimundo:

‘Em outro trecho da entrevista, Raimundo Pereira volta a mentir: ‘Ás vésperas do primeiro turno, a foto do dinheiro, feita de forma ilegal pelo delegado Bruno, é vazada para os jornais Folha e Estadão, para rádio Jovem Pan e para a TV Globo. O delegado pede aos repórteres para divulgar que as fotos foram roubadas. Isso está gravado em áudio. E os jornalistas aceitam’.’

Isso é falso. Como está largamente provado, não havia entre os repórteres que conversaram com o delegado Bruno nenhum repórter da TV Globo.

Sutil, mas perceptível. Não é como na televisão, Kamel. Aqui podemos voltar, ler novamente e buscar a compreensão com calma. Raimundo não diz que o delegado Bruno havia conversado com um repórter da TV Globo. Como a própria carta da Globo destaca, Raimundo diz que a foto do dinheiro ‘é vazada para a TV Globo’. Esse vazamento pode acontecer de várias formas, direta ou indiretamente. No caso, foi indireto, como mostra esse trecho também destacado na carta da Globo:

‘Delegado Bruno:
– Tem alguém da TV Globo aí?
Voz masculina de repórter:
– tem o Bocardi, o Bocardi!
Voz feminina de repórter:
– Eu tenho, eu posso passar lá pela minha chefia, pelo Globo
Voz masculina de repórter:
– Ah, é! ela é do Globo’

3) O último tópico da carta, o de número dezesseis (ufa!), superou em termos de autoritarismo as outras duas manifestações e se manteve no mesmo patamar no quesito arrogância:

‘Essa é a verdade dos fatos. Que Raimundo Pereira continue mentindo já não surpreende. Que seus interlocutores acolham as mentiras, mesmo depois de todos os esclarecimentos prestados aqui, não se entende. É fácil pedir que a imprensa seja neutra, ouvindo antes todos os lados. Difícil é que blogs, que usam uma linguagem jornalística, pratiquem o ofício seguindo todas as regras de ouro da profissão.’

O autoritário é assim. Pouco afeito ao debate, acredita na existência de uma única verdade – preferencialmente a dele. Os que não concordam com seus motivos estão com o inimigo, diria Bush. E o inimigo, nesse caso, está bem identificado: são os blogs e sites independentes, que usam uma linguagem jornalística, mas não praticam o ofício seguindo todas as regras de ouro da profissão.

Naturalmente, quem domina ‘todas as regras de ouro da profissão’ são os veículos da mídia corporativa. Essa, sim, pratica um jornalismo de fazer inveja. Jamais abre mão de sua nobre missão de informar em nome de objetivos políticos subalternos. Escândalo Proconsult, Escola Base, edição do debate entre Collor e Lula, manipulação do comício das Diretas e, mais recentemente, distorções sobre o porto de Paranaguá e sobre a TV Digital, além da manipulação às vésperas do primeiro turno das eleições presidenciais.

Bela regra de ouro.

PS: Além das regras de ouro do jornalismo, existem outras regras. As gramaticais, por exemplo, No item 3 da carta está escrito: ‘Mas esta nota jamais seria divulgada por nós por que deixaria uma perguntas cruciais sem resposta’. Dois erros aqui. Um deve ter sido distração, talvez o cuidado excessivo com as regras de ouro tenha roubado a atenção do redator: ‘uma perguntas’ não existe. Ou é ‘uma pergunta’ ou ‘umas perguntas’. O segundo erro deve exigir um pouco mais de cautela: no texto afirmativo, ‘porque’ se escreve junto. Separado, como no texto, vale apenas quando a frase é interrogativa.

No item 5 está escrito: ‘No boletim seguinte da Band, coube ao repórter Eduardo Castro, explicar aos seus telespectadores tantas informações desencontradas’. Como até o manual de redação das regras de ouro deve explicar, não se separa sujeito de predicado com vírgula.