Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Erros factuais e de interpretação

Tendo em vista o artigo ‘A mídia e o CO2: Toda unanimidade é burra‘ publicado neste Observatório da Imprensa, gostaria de informar que há nela um grande número de erros factuais e de interpretação.

Seria trabalhoso listar todos. Abaixo relaciono alguns:

1) Não existe a tal ‘camada de gases de efeito estufa’. Os gases de efeito estufa distribuem-se, por efeito da dinâmica da atmosfera, mais ou menos uniformemente por toda a troposfera. Exceção é o ozônio – que se forma pela ação dos raios UV sobre moléculas de O2 – e se concentra na chamada camada de ozônio.

2) De fato, o elemento carbono é essencial à vida como a conhecemos. O que isso tem a ver com o caso não consigo pensar. Se é uma sugestão de que, por ser essencial à vida, então qualquer composto que o contenha pode estar presente em qualquer quantidade que será boa à vida, então é algo totalmente errado: basta pensar que o CO2 em excesso acidifica o sangue – situação conhecida como hipercania – sendo bastante danoso à saúde.

3) De fato, se não houvesse efeito estufa algum, a vida na Terra não seria possível. Novamente, não sei a que lugar se quer chegar. Se for uma sugestão de que qualquer nível de efeito estufa será benéfico, basta pensar no forno que é o planeta Vênus com seus mais de 460º C de temperatura superficial média.

5% de CO2 é considerado tóxico

4) De fato, o CO2 perfaz apenas cerca de 0,3% da troposfera em massa. Ocorre que nem o N2, nem o O2 – principais componentes – apresentam efeito significativo ao aquecimento global, além de suas concentrações permanecerem essencialmente inalteradas. O fato da concentração de CO2 ser pequena, não quer dizer que seu efeito seja insignificante. Ao contrário, não fossem esses 0,3% de CO2, a temperatura superficial média da Terra seria muito abaixa: sem os chamados gases estufa, a temperatura média do planeta seria de 18º C, e não de +14º C (ver aqui).

5) Fazendo uma conta simples: se 60% do carbono é capturado pelas algas e 40% pelas florestas, teremos 100% de captura de CO2 e não deveríamos detectar aumento de sua concentração na troposfera. Mas detectamos um aumento acentuado em sua concentração: desde 1960, subiu de cerca de 315 partes por milhão (ppm) para cerca de 380 ppm – os tais 20%, não em 200 anos, mas em pouco mais de 40 anos (ver aqui).

6) De fato, se não houvesse CO2 não haveria fotossíntese. Mas, mais uma vez, não sei aonde se quer chegar isso. Se se sugere que então qualquer nível de CO2 é bom, novamente lembro a questão da hipercania, por exemplo.

7) Se 50% do C está fixado na biomassa e 50% no solo, novamente temos 100% de C. Então não haveria nem CO2 na atmosfera, nem haveria hidrocarbonetos, nem seres vivos que não fossem árvores. Mas, de todo modo, uma das preocupações principais é exatamente com o desmatamento, que mobilizaria o C fixado na biomassa das plantas.

8) É factualmente errado dizer que o CO2 na atmosfera está concentrado sobre as cidades e regiões de queimadas. O que ocorre é que ali, a concentração de CO2 é maior, mas não significa que a maior parte do CO2 da troposfera está ali – do contrário, teríamos um ar realmente irrespirável nas cidades. Basta pensar que as cidades ocupam uma área de cerca de 1,2% do total da superfície da Terra (ver aqui), o que significaria (considerando-se uma espessura mais ou menos uniforme da troposfera) que os 0,3% do CO2 estariam em 1,2% da troposfera. Se assim fosse, a concentração de CO2 no ar das cidades seria de 25%! Uma mistura gasosa com 5% de CO2 é considerada tóxica.

Aquecimento antropogênico

9) ‘O CO2 não esquenta nada’. Se não fossem os gases estufa, como dito, a temperatura média da superfície do globo não seria de 14º C positivos como hoje, mas de 18º C negativos (ver aqui).

10) Ninguém afirmou que o CO2 é a causa única do aquecimento global. E sim, que o aumento de sua concentração é um dos componentes principais.

Mas o artigo não é todo demeritório. A necessidade de uso racional de solos e recuperação de áreas degradadas é importante, não apenas na questão das mudanças climáticas. Na verdade, em relação ao aquecimento global, estudos têm indicado que a conversão de áreas tem um efeito de resfriamento – basicamente pelo aumento no albedo (ver aqui e aqui.

A respeito do aquecimento global antropogênico, escrevi em meu blogue um texto em três partes, mostrando os indícios que suportam essa hipótese (ver aqui, aqui e aqui).

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Biólogo