Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Esclarecer ou confundir? Eis a questão!

A regra é clara, como diz o Arnaldo César Coelho. Está no lide, não tem outra. Deve ser importante, interessante ou relevante. E quando permeia quase todo o corpo do texto então, nem se fala: é sopa no mel. Portanto, academia do meu Brasil varonil: tremei! O bambambã aqui está em alta. Mas, espera lá! Prefiro não virar arroz-de-festa. Glauber baixou numa dessas madrugas cá no Vale do Ipê e alertou: ‘Como o mundo é imbecil! Como as pessoas precisam da fama para ir agüentando a barra’.

Pois bem, o acadêmico que vos escreve (ou será o cozinheiro? Diga lá, Rubem: ‘Antes de dar a faca ou o queijo ao aluno, o importante é provocar a fome…’) segue a simplicidade dos gregos e se inspira em Barthes ao educar: não almeja nenhum poder, renova sempre seu pouco saber e busca o máximo de sabor nas relações. Quer coisa mais gostosa do que não ensinar, mas sim proporcionar alegria? Lição da mestra Duncan. As nuvens também trazem dos pampas como inspiração para este eterno aprendiz, apenas haicais que vêm nas coisas leves, as únicas que o vento não consegue levar.

Nada contra que aproveitem informações de meus textos e tentem utilizá-las como trampolim. Lamentável, entretanto, que ao criticar o trabalho alheio, alguém promova interpretações segundo interesses e visões nos quais o que menos importa é o que efetivamente acontece, mas o que se reproduz em proveito de quem quer a todo custo que algo aconteça. Recorta daqui, fragmenta de lá. E aí? Errar es humano, perdonar es divino. Mas, paciência também tem limite. Equívocos num mesmo texto deixam qualquer um, ao responder, entre a cruz e a caldeirinha. Parece bisonho. Ou será caviloso? Eça de Queiroz disse uma vez que para aparecerem no jornal há assassinos que assassinam. Meu compadre, mineiro e jornalista de boa cepa, velho contador de causos e consultor para todas as horas, recomenda como antídoto, a história do jovem aspirante a poeta que entregou um soneto de sua autoria ao grande poeta português Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805), pedindo-lhe que marcasse com uma cruz cada erro encontrado. Bocage leu o poema e devolveu sem nada assinalar, dizendo que as cruzes seriam tantas que a emenda sairia pior do que o soneto. A expressão daí gerada está na boca do povo.

Disparates e certezas

Pertence ao povo, também, o número doze. As constelações do Zodíaco são doze, bem como os discípulos de Jesus e os trabalhos de Hércules. Segundo o escritor Malba Tahan, o doze é produto de dois fatores (três e quatro), Divindade e Terra. Por conta disso tem um papel notável nas relações humanas e divinas. Diante de um número tão significativo e, em respeito à verdade, lamento contrariar Bocage e meu compadre, mas doze foram os equívocos assinalados em texto publicado na edição do OI de 25/10/2005 [ver remissão abaixo]. Na seqüência, as citações entre aspas e, as observações grifadas e corretas, e trechos dos meus textos publicados na edição do OI de 18.10.2005.

1) ‘O que estranho é que, como a Fenaj registra o fechamento de pelo menos 10 mil vagas na grande imprensa desde o início dos anos 90 (…)’.

Em nenhum momento citei a Fenaj como fonte destes dados. Fica por conta do autor do texto a dedução. O que está escrito no original: ‘Numa realidade onde as grandes empresas do ramo jornalístico fecharam algo em torno de 10 mil vagas desde o começo dos anos 90, o segmento de assessoria torna-se, naturalmente, porta de entrada de recém-formados e espaço de oportunidades para os que pressentem a partir das redações, o amadurecimento de posturas por parte de dirigentes e autoridades e a possibilidade de avanço de projetos e políticas de Comunicação em organizações não jornalísticas’.

2) ‘Foi com esse intuito, com certeza, que o presidente Lula da Silva preferiu se aliar à Fenaj para propor um Conselho Federal de Jornalismo que acrescentasse assessoria de imprensa como função jornalística’.

O projeto do CFJ é bem anterior ao mandato do atual presidente. Foi entregue a FHC. Apesar da lengalenga ter se arrastado por meses, não dá para misturar alhos com bugalhos. Um é o texto do CFJ, arquivado. Outros, em tramitação, tratam da regulamentação profissional, atualizando-a.

3) ‘Os grandes teóricos defensores de que jornalistas são os profissionais mais capacitados para fazer assessoria de imprensa, conceito amplamente difundido pela categoria, não são muitos’.

Também não são poucos. Cito apenas duas obras e seus respectivos organizadores e também autores: Assessoria de imprensa e relacionamento com a mídia: teoria e técnica, editora Atlas, organizada pelo jornalista e relações-públicas Jorge Duarte (participaram 23 profissionais e professores) e Jornalismo e relações públicas: ação e reação, uma perspectiva conciliatória possível, Editora Mauad, organizada por mim e pelo relações-públicas Roberto Vieira (participaram 26 professores e profissionais). Tenho mais de 100 obras em minha biblioteca particular, assinadas por profissionais brasileiros, portugueses, norte-americanos, franceses etc., que expõem claramente suas idéias, apontando para o exercício compartilhado em ACS.

4) ‘Sem qualquer consideração pela ordem, começaria por Chico Sant’Anna, ex-presidente da Fenaj’.

Pelo que consta nos arquivos da Fenaj, em consulta feita em 26/10/2005, ela não foi presidida pelo jornalista Chico Sant’Anna. Segundo a entidade, ele foi diretor do Departamento de Relações Internacionais na gestão 1995/98. O presidente na época era Américo Antunes.

5) ‘Boanerges Lopes é presença constante nessa troca de farpas em artigos acolhidos por portais voltados para a área de comunicação nesse debate virtual em torno do conflito entre jornalismo e assessoria de imprensa’.

Não tenho e nunca tive intenções de trocar farpas com qualquer profissional, professor ou estudante de qualquer área. Seria muita pretensão da minha parte. Abordo o assunto em livros e artigos publicados desde 1994, ajudando a ampliar conhecimentos dentro de uma área de estudos a qual me dedico desde 1985. Sou diletante do tema.

6) ‘Ele usa o velho argumento de que se não existe liberdade de imprensa nas redações, que diferença faz que o jornalista, no papel de AI, se submeta à pressão do seu cliente e publique apenas o que o patrão exige’.

a) Tão velho é o argumento que profissionais (não apenas professores) continuam se dedicando a ele na atualidade. Por exemplo: a jornalista Sylvia Moretzsohn diz no texto ‘A informação pelas frestas’, edição de janeiro de 2004, na revista Caros Amigos, o seguinte: ‘Duvidar das aparências deveria ser atitude própria a qualquer jornalista, mas a rotina das grandes corporações que conformam o exercício profissional transformam o que deveria ser regra em exceção’;

b) Excerto da jornalista Marilene Felinto em texto de outubro de 2004 da mesma revista também é ilustrativo: ‘Liberdade? As redações dos jornalões, televisões e revistonas brasileiras são hoje o reino dos censores (…) Censura, cerceamento à liberdade de imprensa hoje no Brasil têm outro nome: chamam-se redação de jornal, de telejornal, de revista e outros impressos da enganação’.

c) O ‘velho lobo’ Fausto Wolff, produziu um texto delicioso tocando no tema, ‘Minha bela profissão’, que ilustra a apresentação de seu livro A imprensa livre de F.W, editora L&PM. Diz ele: ‘E depois – como aquele personagem desempenhado por Peter Finch no filme Network – começar a escrever: ‘Chega’, ‘Não agüentamos mais’, ‘Basta’, ‘Queremos escrever a verdade’. Não é difícil como parece. Basta que jornalistas deixem de ser ‘imparciais’ e passem a tratar os leitores como adultos e não como moleques sem opinião’.

d) O Brasil caiu este ano (www.ojornalista.com.br) três posições na classificação mundial da liberdade de imprensa elaborada pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF). Segundo a entidade, ‘a imprensa brasileira continua exposta a violentas represálias’. O Brasil caiu para o 63ª lugar no ranking, onde divide a vergonhosa colocação com Tonga. O país conseguiu ficar abaixo de Botsuana (60º), Argentina (59º), Timor Leste (58º), Uruguai (46º) e Bolívia (45º).

e) A Fenaj iniciou em junho passado a Campanha Nacional em Defesa da Liberdade de Imprensa com um amplo diagnóstico nos estados sobre os casos de violência contra jornalistas e de cerceamento não só dentro das redações, mas em casos rotineiros do exercício profissional. O resultado deve ser divulgado até o fim deste ano.

f) Achismo e opinionismo são lamentáveis. Apenas questionei no sentido socrático: eiróneia-doxa-maieutikós. Utilizei opiniões de outros profissionais no sentido do senso comum, dentro das regras básicas. As informações foram reaproveitadas de forma truncada, em lamentável edição. Provavelmente mal inspiradas no que atribuem a uma brincadeira do velho Guerreiro: ‘eu não vim aqui para esclarecer, mas sim para confundir’.

7) ‘Ou seja, enquanto no mundo democrático se luta para impedir o crescimento dos conglomerados e garantir a livre expressão, em vez de reivindicar que no Brasil se adote a mesma legislação que existe, por exemplo, nos Estados Unidos, para conter abusos nessa área, Boanerges pretende que se mude a lei brasileira para permitir que jornalistas trabalhem como assessores de imprensa’.

Em abril de 99, em entrevista ao jornal Pauta, disse o que faltava ao exercício profissional, baseado nas idéias do professor Chaparro. É o que continuo defendendo: uma razão mais forte de natureza ética que identifique um dos mais preciosos valores universais, o direito à informação, o direito de informar e ser informado, de opinar e receber opiniões – que não pertence aos jornalistas, nem à imprensa, nem às fontes, mas à sociedade e a cada cidadão. Pretendo, aí sim, é verdade, o mesmo que o poeta: ‘Por que prender a vida em conceitos e normas? O Belo e o Feio….o Bom e o Mau…Dor e Prazer…Tudo, afinal, são formas. E não degraus do ser’.

8) ‘Defende que não há diferença entre as pessoas formadas em Jornalismo ou Relações Públicas’.

Independente do que pense ou não pessoalmente a respeito da pesquisadora, atribuir a Margarida Kunsh a afirmativa, fruto de constatação das inúmeras respostas em dois anos de ampla pesquisa junto aos profissionais e suas representações, não é justo. Está lá no original. Um dos destaques da pesquisa é justamente a pergunta: que profissionais atuam em relações públicas e em assessoria de imprensa? A maioria não titubeou: ‘No dia-a-dia, não se estabelece diferença entre as pessoas formadas em relações públicas e jornalismo’ e ‘elas devem trabalhar de forma integrada, o que parece ser o melhor caminho’.

9) ‘No meu Rio Grande do Sul, apenas a Unisinos mantém essa disciplina esdrúxula em sua grade’.

Segundo o relatório do GT, no Rio Grande do Sul, mesmo com toda a tradição de estudos nesta área, a situação não é muito diferente: apenas a Unisinos mantém, há mais de 10 anos, a disciplina em sua grade. Isto não quer dizer que outras também não tenham a disciplina em suas grades de 10 anos para cá.

10) ‘A Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais, é uma das poucas e tristes exceções’.

A Universidade Federal de Juiz de Fora, instituição séria e tradicional, não possui disciplina com as denominações de Assessoria de Imprensa ou de Comunicação. O texto é claro: sobre Minas Gerais, o relatório destaca que apesar de a UFMG não prever a disciplina em sua grade curricular, a Universidade Federal de Juiz de Fora tem procurado atender à demanda, por sinal crescente na região, com três disciplinas: uma obrigatória, Gestão em Comunicação, e duas eletivas: Empreendimentos em Comunicação e Técnicas de Comunicação Institucional. Esta mesma instituição prevê para o início do ano que vem a primeira turma de um curso de especialização em Comunicação Empresarial.

11) ‘Ainda vá lá que a Universidade Federal de Alagoas, com três disciplinas, uma delas obrigatória, Gestão em Comunicação, e duas eletivas, Empreendimentos em comunicação e técnicas de comunicação institucional, tenha caído nessa esparrela’.

A confusão é acentuada neste trecho, fruto de uma leitura desatenta do original. O texto ‘O ensino de assessoria em xeque’, também publicado na edição do OI de 18/10/2005 [ver remissão abaixo], revela claramente o seguinte: Integrantes da delegação de Alagoas afirmaram que são quatro os cursos de Comunicação existentes naquele estado e que apenas dois oferecem a disciplina. Na Universidade Federal, a disciplina é eletiva. Eles se mostraram preocupados com o fato de, segundo estudos locais, 60% dos jornalistas no mercado de trabalho atuarem em assessorias sem que as faculdades tenham preocupação em prover formação mais específica.

12) ‘Mas o governo continua promovendo a maciça contratação de jornalistas para cargos de assessoria de imprensa que deveriam ser ocupados por RPs, numa evidente intervenção estatal no mercado jornalístico que compromete a liberdade de expressão e conspurca o exercício da democracia plena’.

O que acontece na atualidade, em termos de contratações, se dá não só pelo governo, mas principalmente na iniciativa privada. Então, se existe a suposta ‘intervenção’, do que particularmente discordo, a responsabilidade é pelo menos conjunta. Não é difícil constatar isto. Em pesquisa recente realizada pelo Databerje, coordenada pelo diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial e professor da ECA-USP, Paulo Nassar, e pela diretora do instituto e professora da FAAP, Suzel Figueiredo, a realidade é evidente. A amostra envolveu 117 organizações, classificadas entre as 500 maiores empresas do Brasil, de acordo com levantamento deste ano da revista Exame, e mostrou que os jornalistas lideram o ranking de atuação nas empresas com 47,9% das citações. Chama atenção a queda acentuada de relações-públicas, que reduziu sua participação pela metade, de 32% em 2002 para 15,4% em 2005.

A obviedade do óbvio

Acredito em utopias, inclusive na liberdade de opinião. Penso como o poeta: ‘Se as coisas são inatingíveis… Ora! Não é motivo para não querê-las… Que tristes os caminhos, se não fora a mágica presença das estrelas!’. A divertida passagem contada pelo fanfarrão Sancho Pança, em Dom Quixote, de Cervantes, também ilustra muito bem como entendo esta pendenga entre jornalistas e relações-públicas. Segundo Sancho, em sua família existiam grandes degustadores, tanto que numa ocasião dois deles, ao saborear o vinho de um determinado tonel, concordaram em tudo, menos em um sutil aroma que um dizia ser couro e outro dizia ser ferro. E continuaram bebendo e discutindo até esvaziarem o tonel e acharem lá no fundo um chaveirinho (puro ferro) de couro.

Moral da história (se é realmente necessário existir uma): uma perspectiva conciliatória é possível para o exercício de atividades de jornalismo e relações públicas em assessorias de comunicação. Reitero que Audálio Dantas e Vera Giagrande perceberam isso lá nos anos 1980. Foi um belo exemplo de harmonia e respeito profissional, além de compromisso político com suas categorias. Para retomar esse compromisso, basta apenas o diálogo. A ex-presidente da Fenaj Beth Costa, em sua colaboração para a coletânea Jornalismo e Relações Públicas: ação e reação, já havia se manifestado:

É preciso uma unidade de ação entre as várias categorias da comunicação, reafirmando cada especificidade e, sem prevalência de uma sobre a outra, harmonizar tarefas e otimizar esforços e energias.

O Presidente do Conferp, João Alberto Ianhez, em artigo no sítio da entidade, também demonstra suas intenções:

Por isso tudo, esta é uma disputa infeliz, quando deveria ser uma união feliz, para atuação conjunta de profissionais de relações públicas e jornalistas profissionais, para o bem e o desenvolvimento do país.

Então, o que falta? Com a palavra, as entidades. De resto, é como dizia o mestre Darcy: um jogo sem fim de tentar revelar a obviedade do óbvio.

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Jornalista e escritor, professor da UFJF, mestre em Comunicação pela Umesp, doutor em Comunicação pela UFRJ e conselheiro do FNPJ