Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Especulação e achismo sobre a terra do boi

Desde a confirmação do foco de febre-aftosa em Eldorado, Mato Grosso do Sul, no dia 7 de outubro, a população brasileira tem acompanhado uma série de reportagens sobre o assunto, com muitas especulações, com grandes ‘achismos’, pouco conhecimento técnico sobre o assunto e alguma falta de cuidado na apuração na imprensa não-especializada. Não tenho receio em afirmar que há um grande desserviço público, uma busca pelo sensacionalismo, que em nada contribui para o esclarecimento do consumidor e do produtor rural.

Para exemplificar, matéria publicada no Globo Online (13/10) tratava da hipótese de a aftosa ter surgido em três assentamentos de Japorã (cidade regionalizada no foco atual). A informação partiu de um técnico da Iagro, que informou que havia suspeita de doença vesicular nos rebanhos. Para os jornalistas especializados, é comum a informação de que há pelo menos 100 enfermidades como essa, de sintomas parecidos, entre elas a própria aftosa, por isso a necessidade de exames. Mas daí à informação de suspeita de foco de aftosa em assentamento do MST, e, pior que isso, a insinuação de que teria sido disseminado de forma criminosa pelo movimento… Essa matéria foi ‘requentada’ por alguns portais de Campo Grande.

Risco de desabastecimento

Também foram numerosas as especulações sobre o mercado do boi. Diversos órgãos de imprensa deram conta da baixa do valor da arroba desde a segunda-feira, com quedas bruscas das cotações no mercado futuro. Entretanto, a abordagem, quase que invariavelmente, falava da queda como se fosse do mercado físico – fato que até o momento não aconteceu. Há que lembrar: com a proibição de entrada de gado e derivados do no estado de São Paulo (principal consumidor da carne de Mato Grosso do Sul), os frigoríficos locais ficaram sem mercado para venda: não há escala de abate nas indústrias. Mato Grosso do Sul tem 25 milhões de cabeças, abate 5 milhões/ano e só tem 2,5 milhões de habitantes.

Quanto ao veto parcial ou total de países compradores de carne bovina (32 até 14/10), principalmente da União Européia, fica visível a gravidade comercial da situação, mas, por outro lado, o Brasil exporta carne bovina para 150 países, e apenas 32 vetaram a carne brasileira. Além disso, muitos dos que vetaram devem rever sua posição em curto espaço de tempo. É claro que o veto da UE causa impacto negativo no valor da arroba, dos animais, dos centros de genética animal do estado e por ai vai. Mesmo assim, é importante ressaltar que o mercado interno é forte e tem condições de absorver a produção sul-mato-grossense.

Outro fato que deveria ser lembrado pelos profissionais da grande imprensa ao abordarem os vetos de entrada de gado de Mato Grosso do Sul é que, em curto e médio prazo, haverá desabastecimento nas praças compradoras. Santa Catarina, por exemplo, produz cerca de 125 mil toneladas de carne bovina por ano. O consumo interno é de 185 mil toneladas. Mesmo assim, a imprensa não-especializada insiste em falar em falta de mercado, causando pânico até mesmo na população do Centro-Oeste, acostumada a lidar com crises na agropecuária e a não contar com muito apoio do governo federal.

Os pais da crise

A grande questão é a vulnerabilidade sanitária do Brasil na fronteira no que diz respeito à fiscalização. A imprensa especializada (Canal do Boi, Canal Rural, Portal DBO, entre outros) tem se preocupado em perguntar quantos são os fiscais na região (200 para 24 milhões de cabeça), como tem sido a defesa nas condições técnicas e orçamentárias atuais, se a política de defesa é adequada, quais o impacto real na economia do Mato Grosso do Sul e do país ou, mesmo com a baixa oferta de boi no mercado, causado por anos seguidos de abate de matrizes, por quanto tempo o preço do boi deve se manter em baixa, já que até o dia 7 de outubro as cotações registravam seguidamente altas na arroba e no boi.

É necessário informar que as restrições dos 32 países têm até o momento cunho comercial, e não sanitário. Levar ao público que o agronegócio foi o grande destaque da economia brasileira nos últimos anos, resultado direto não só da competência da produção rural (e não do governo federal), mas também da seca na Austrália e da crise da vaca louca nos Estados Unidos, no caso da carne bovina, por exemplo. Mostrar o que os responsáveis pelas políticas agrícolas e econômicas do país planejaram para o desenvolvimento do país nos próximos cinco ou 10 anos seria interessante para o conhecimento da população.

E também buscar, após a crise, em quais instâncias o foco de febre-aftosa nasceu, pois mesmo que o proprietário da Fazenda Vezozzo, em Eldorado, não tenha vacinado seu gado e tantos outros também não o tenham feito, a aftosa pode ter nascido perfeitamente em gabinetes de Brasília e Campo Grande. Afinal, dizer que não houve falta de recursos contra a enfermidade, pois o Ministério da Fazenda liberou R$ 37 milhões dos R$ 167 milhões para a defesa em todo país, ou 22% do total, como afirmou o presidente Lula é, certamente, o inicio da identificação dos pais da crise.

******

Jornalista do Canal do Boi e do Portal Agronotícias; mestrando em Produção Agroindustrial