Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Esperando Zavascki. E o PMDB

O suspense desta vez já não poderia ser atribuído ao prudente procurador-geral da República, Rodrigo Janot, mas ao rigoroso ministro do Supremo Tribunal Federal, relator da Operação Lava Jato que recebeu na terça-feira (3/3) as cinco caixas com os 28 pedidos de abertura de inquérito. Aceitos, perdem o lacre de sigilo e os nomes neles implicados passam ao domínio público.

Enquanto o ministro Teori Zavascki não tocava a sineta foi possível recordar algo tão importante quanto o anúncio formal dos implicados nos escândalos. Em algum momento da semana a cuidadosa tramitação processual sofreu inesperado sacolejo e os nomes dos presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, expoentes do agora endiabrado PMDB, apareceram claramente no noticiário. Como possíveis denunciados nos inquéritos e como conhecedores prévios do teor destes, ficaram explicadas as furiosas represálias do principal aliado contra um governo combalido e pego com a boca na botija.

O duplo vazamento põe em dúvida não apenas a qualidade da blindagem que deveria proteger a documentação, mas também revela a disposição dos operadores políticos do governo em enquadrar o parceiro mesmo que escancarando uma acintosa intervenção em outro poder. Em outras palavras: o governo queria enquadrar o PMDB antes que chutasse o balde e acabou enquadrado por um partido que nunca escondeu seu principal projeto: assenhorar-se do poder, de preferência “numa boa”, sem estresse.

Foi o governo – através daquela parte da mídia que ainda consegue influenciar – o responsável pelo vazamento. A manobra, embora deplorável, tem o seu lado positivo: mostrou que a imprensa é capaz de diferenciar-se, basta querer.

Ao acusar o procurador Rodrigo Janot de lhe negar o direito de defender-se, o senador alagoano Renan Calheiros (ex-ministro da Justiça do presidente FHC) abriu o jogo, confirmou o vazamento, reivindicou tratamento especial da parte do Ministério Público e revelou, principalmente, o grau do seu envolvimento nas malfeitorias reveladas pela Operação Lava Jato.

Hipóteses esquecidas

Como a presidente Dilma Rousseff substituiu as metáforas futebolísticas do antecessor pela sabedoria dos ditados populares, conviria lembrar um deles: bom cabrito não berra. O carioca Eduardo Cunha, seu colega no comando do Legislativo, ofereceu uma variante – o bom malandro sabe a hora do pinote: de surpresa, visitou a recém-instalada CPI da Petrobras e elegantemente ofereceu-se a prestar aos colegas os necessários esclarecimentos.

Com estresse ou sem estresse, com salamaleques ou punhais florentinos, começou a ruptura da frente PT-PMDB. Funcionou plenamente ao longo dos dois mandatos de Lula e mais ainda no primeiro de Dilma, quando o presidente efetivo do PMDB, Michel Temer, foi seu vice. A reeleição, longe de consolidar a relação, só a enfraqueceu. Isso acontece com as mais sólidas coalizões.

O PT vive inédita solidão, atingido duramente nos seus brios éticos pelos escândalos do Mensalão e do Petrolão e, além do mais, rigorosamente impotente. Menos vulnerável aos constrangimentos morais e agora dono inconteste do Poder Legislativo, o PMDB toma todas as iniciativas e está empurrando o ex-parceiro a aproximar-se do antigo rival, o odiado PSDB.

Com fama de desorganizado e oportunista, interessado apenas em vantagens materiais e imediatas, começa a ficar claro que o flácido PMDB, filho do aguerrido MDB oposicionista durante a ditadura, está exercitando a musculação e segue um roteiro rigoroso sem preocupar-se com a possibilidade de pequenos, médios ou grandes confrontos com o parceiro,

Raposas aparentemente desdentadas e amuadas de repente aparecem com novas dentaduras e inesperado ânimo de lobos. Começam a fazer sentido algumas iniciativas do passado recente, entre elas a carta-testamento de José Sarney que entregava à presidente Dilma Rousseff a gloriosa tarefa de conduzir o país a uma nova experiência parlamentarista. Agora, 53 anos depois, com um partido revigorado e um projeto de poder, o PMDB oferece ao PT e ao governo Dilma a possibilidade de uma profunda reforma política e a conclusão do mandato sem sobressaltos.

As longas esperas podem ter alguma serventia ao permitir como passatempo a lembrança de hipóteses que no corre-corre ficaram esquecidas.