Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Extra ensina a usar redes em crises


Na tensa madrugada de sábado (27/11) para domingo, quando as forças de segurança se preparavam para ocupar o conjunto de favelas do Alemão, no Rio, os ‘seguidores’ do perfil @casodepolicia no Twitter testemunharam uma espécie de clímax do jornalismo que vem surgindo em nossos dias: o comandante do Batalhão de Choque da PMRJ, ao lado de um repórter do diário carioca Extra, respondia a perguntas feitas por tuiteiros [ver glossário abaixo]. A editoria de Geral do Extra estava 24 horas ‘no ar’ desde o dia 26 em sua twitcam para informar o que era fato ou mentira (hashtags #everdade e #eboato) na criminosa onda de rumores que tomou conta da cidade, um serviço público de primeira – também disponível no blog da editoria, alternativa real à espetacularizada cobertura televisiva.


Claro que há tempos rádios e TVs repassam perguntas de internautas a autoridades. Mas naquela noite, em plena crise, na entrada do Alemão, a intermediação da imprensa parecia reduzida a porta-microfone: o repórter que estava na webcam da redação transmitia ao colega no Alemão as perguntas que ia lendo em tempo real no chat da twitcam, que reunia 3 mil espectadores. O comandante não só respondia na medida do possível, como agradeceu aos tuiteiros a atenção – demonstração inédita de respeito a essa nova casta de humanos, os que têm Twitter, muitos em vigília e preocupados com os desdobramentos da iminente invasão. Era uma noite de espera, sem notícia, e o Extra foi sóbrio: nas várias entradas pelo celular na twitcam, o repórter contava estar caminhando – ouvíamos a respiração dele – em busca de alguma novidade para relatar. Até o início da invasão, às 8h, o máximo foi a chegada de um ônibus com paraquedistas.


O plantão da twitcam terminou na noite de terça-feira (30/11), substituído por boletins. O subsecretário de Segurança do Rio, Edval Novaes, usou diariamente a twitcam para conversar com os seguidores do perfil @SegurancaRJ. Na tarde de terça, o próprio secretário, José Mariano Beltrame, rendeu-se.


Que fenômeno, essa tal twitcam – pode-se afirmar que seja consequência natural do sucesso de blogueiros independentes dos grandes portais, que culminou em histórica entrevista do presidente Lula, transmitida também por twitcam, a 10 deles… Um de seus pioneiros foi o jornalista e blogueiro Luis Nassif (@luisnassif), que desde setembro conversa com seus ‘seguidores’ via webcam. Até planilha interativa sobre a crise do câmbio ele já dividiu com a audiência.


Território a ocupar


Arma valiosa na campanha eleitoral, a webcam via Twitter é agora ferramenta regular de ativistas, atores – o petista José de Abreu atraiu mais de 10 mil em sua primeira twitcam, logo depois do primeiro turno, no perfil hoje desativado @zebigorna –, pesquisadores, professores como Emir Sader (@emirsader), do Blog do Emir, ou Idelber Avelar (@iavelar), de O biscoito fino e a massa. Entre terça e quarta, Nassif, Sader e Avelar analisaram por twitcam o #cablegate, vazamento no Wikileaks de telegramas das embaixadas dos EUA na América Latina. Na twitcam de Idelber foi criado um grupo para tradução dos mais de 2.500 documentos sobre o Brasil.


Apesar da interatividade permanente em tempo real, o Extra impresso publicou extensas matérias com as informações consolidadas. Há vários nomes para este novo jornalismo, coletivo, comunitário, colaborativo. Mas, na tarde da segunda-feira (29), o editor-chefe do Extra, Octavio Guedes [ver entrevista abaixo], aproveitou para um desabafo a entrevista pela twitcam do polêmico Eduardo Trevisan, do perfil @LeiSecaRJ, com mais de 130 mil seguidores, que avisa pelo Twitter os locais de blitz contra motoristas bêbados. ‘Na semana das enchentes no Rio, em abril, disseram que as redes sociais decretaram o fim do jornalismo’, disse Guedes. ‘Não competimos com as redes sociais, não fazemos jornalismo de ejaculação precoce.’


‘Ele tem toda a razão’, concordou Luis Nassif, que com seus os mais de 10 mil colaboradores cadastrados no portal da internet, alguns deles especialistas em diferentes áreas, já desmontou factoides da grande imprensa. Ainda assim, no blog aberto destaca em vermelho as palavras ‘em observação’ quando a novidade informada exige mais dados. ‘Ao pretender a rapidez das notinhas, a imprensa abriu mão da reportagem investigativa, território onde poderia se impor’, disse no dia 30, por e-mail. ‘É a única área em que a imprensa tem preponderância sobre a mídia, porque na análise sai inferiorizada’.


Com ‘preliminares’


Nassif citou como exemplo episódio envolvendo a colunista Dora Kramer, do Estado de S.Paulo, que não usou ao menos o Google para pesquisa e subestimou na entrevista de Lula aos blogueiros a pergunta de Túlio Vianna sobre as indicações do presidente ao Supremo Tribunal Federal. ‘Caiu do cavalo quando se soube que o rapaz é doutor em Direito pela UFPR, professor da UFMG, com obras publicadas em duas línguas, como Transparência pública, opacidade privada’ (veja aqui a pergunta de Túlio Vianna, a réplica que daria ao presidente se lhe tivesse sido dada a chance e a resposta a Dora Kramer). Para Nassif, ‘o jornalismo do futuro será muito mais do que essa competição entre mídia e rede: será um trabalho colaborativo no qual o jornalista terá o papel de mediador ou coordenador’. Com uma diferença: ‘Terá que abrir mão do controle sobre a notícia, que está no DNA da velha mídia’.


Justamente o que provara a entrevista no dia 29 do Extra com Trevisan – tido como fiel ao grupo político do ex-governador Anthony Garotinho, o que ele negou, diga-se. A conversa deveria tratar do serviço prestado pelo @LeiSecaRJ na onda de ataques do tráfico. Pela pressão dos tuiteiros no chat, a pauta mudou: muitos queriam saber dessas ligações políticas do entrevistado. Guedes voltou à webcam: ‘Estamos aprendendo com as redes sociais: se as perguntas mudam de rumo nós mudamos a pauta’. Para ele, o jornalismo ‘investiga o boato, checa os dois lados, é isento, imparcial e apartidário’, disse, enquanto as redes sociais não têm essa obrigação. ‘O jornalismo vai continuar fazendo jornalismo: não queremos repórteres rápidos no gatilho, como o @LeiSecaRJ.’


Pela twitcam e pelo blog, telefonando centenas de vezes para quartéis da PM e dos bombeiros ou enviando equipe ao local, a redação do Extra fez jornalismo com as devidas ‘preliminares’: desmentiu, entre outros, boatos de atentado à Ponte Rio-Niterói, ao Cristo Redentor, ao Supermercado Zona Sul do Leblon, a cabines da PM – na tensa madrugada de domingo (28) informou que o fogo numa delas foi acidental e confirmou o incêndio num carro na estação de Tomás Coelho, após 21 horas sem ataques. Trabalho tão bom que, OK, esquecemos algumas capas do jornal bem partidárias e nada isentas na campanha eleitoral. Afinal, durante a crise deu aula magna desse jornalismo moderno.


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ENTREVISTA / OCTAVIO GUEDES
‘Cada um no seu quadrado’


Aos 44 anos, Octavio Guedes, editor-chefe do Extra, é jovem o bastante para brincar em seu blog com a Abraji, a associação dos jornalistas investigativos que nunca o convidou para se filiar, criando ‘em represália’ a Abobaji, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo Mas Só de Reportagens que Realmente Interessam Ao Leitor, inaugurada, na série ‘Mistérios que intrigam o Rio’, com o segredo dos buraquinhos diferentes um do outro, como o umbigo, dos biscoitos Globo. Mas é experiente: formado em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense, ex-Jornal do Brasil, ex-Globo, ex-Dia, 12 anos de Extra, dois prêmios Esso e um prêmio internacional pela melhor capa mundial na morte de Michael Jackson, define, em entrevista por e-mail, o lugar certo da rede social e do jornalismo: ‘Para usar uma imagem da internet, cada um no seu quadrado’.


Você pareceu bem magoado, bem afetado com essa dita morte do jornalismo decretada pelas redes sociais. Poderia desenvolver o conceito de ‘jornalismo com ejaculação precoce’?


Octavio Guedes – Nem magoado, nem afetado. Acho que, neste mundo, ninguém deve decretar a morte de ninguém, mesmo porque ninguém vai morrer. O erro é achar que rede social, no estilo do Lei Seca, deve fazer jornalismo ou achar que jornalismo deve fazer rede social. Para usar uma imagem da internet, cada um no seu quadrado. Quando o jornalismo disputa o furo, disputa ‘a notícia em primeira mão’ com a rede social, ele abre mão de seu maior patrimônio: a credibilidade, porque a pressa é inimiga da apuração.


E esse foi um dos poucos efeitos negativos que a internet trouxe para as redações de jornal. Imagino que TV e rádio não tenham tanto esse conflito, porque sempre trabalham com a instantaneidade da notícia. Mas, quando uma redação de jornal passa a informar também em tempo real, deve ter cuidado. O online não pode ser a ejaculação precoce do jornalismo. Vamos checar, rechecar e só divulgar quando tivermos certeza. A gente adora notícia em primeira mão, mas vive mesmo é de credibilidade.


E como ficam os jornais?


O.G. – É impossível ter a agilidade das redes sociais. O furo do ‘está acontecendo agora’ sempre vai ser delas. Mas, também será delas o que em jornalismo chamamos de ‘barriga’, pois as redes sociais não têm a obrigação da checagem, de publicar informação jornalística. Aliás, não se pode dizer que as redes sociais espalhem boatos ou deem barriga. Elas, simplesmente, espelham a angústia das pessoas que ali estão. Esse é o pacto. Não podemos embarcar nessa.


Com toda essa cobertura em tempo real, vocês a) aumentaram as edições? b) aumentaram a tiragem? c) venderam bem?


O.G. – Não tive tempo de ver as pesquisas de venda, mas posso dizer o seguinte: além da edição normal, criamos dois cadernos especiais, sendo um tablóide de 12 páginas só de fotografias, e aumentamos a tiragem. A cobertura intensiva na internet, com o @CasodePolicia, sempre aumenta a venda no dia seguinte.


Você conhece outro exemplo de uso extremo das redes, como vocês fizeram, por jornal impresso?


O.G. – Não, não conheço. A gente ainda não tem dimensão do que estamos fazendo neste momento. Mas apenas uma certeza: nosso jeito de fazer jornalismo, aqui no Extra, nunca mais será o mesmo.


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Miniglossário


** Twitter: programa americano em rede para mensagens de até 140 caracteres.


** Twitcam: programa para transmissão com webcâmera pelo Twitter. O equivalente nacional é o Twitcast.


** Hashtag: assunto em destaque no Twitter.


** Tuiteiro: neologismo para quem envia mensagens pelo Twitter.

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Jornalista