Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Fazendo Media




TV DIGITAL


Bruno Zornitta


TV Digital: O Que A Mídia Grande Não Diz, 03.02.2006


‘A discussão sobre a implantação da televisão digital no Brasil foi por muito tempo boicotada pela mídia grande. Agora – às vésperas de se decidir qual o padrão de TV digital deverá ser adotado no país -, como não é mais possível ocultar o tema, só resta às grandes empresas descontextualizá-lo.


Raras são as reportagens que tocam na questão principal do tema: a digitalização da TV traz consigo a possibilidade de otimização do uso do espectro eletromagnético de radiodifusão. Ou seja, dependendo das decisões que forem tomadas agora pelo governo, poderemos ter muito mais emissoras de TV em um futuro próximo. É a chance real de diminuir a concentração de propriedade no setor. Hoje, apenas seis redes privadas nacionais dominam o mercado de TV no Brasil.


Com o surgimento de novas concessões públicas, a sociedade civil organizada poderia enfim ter espaço garantido na telinha. Seria o fim da desculpa de que ‘não há espaço’ para as TVs comunitárias e universitárias em sinal aberto, por exemplo. Seria também o momento ideal para reivindicar a criação de um sistema público de televisão, conforme estabelece o artigo 223 da Constituição Federal.


ISDB vs. DVB


O dia 10 de fevereiro foi escolhido como prazo para que o ministro das Comunicações, Hélio Costa, apresente um relatório técnico com as vantagens e desvantagens de cada padrão de TV digital. A partir de então, caberá ao presidente Lula definir o padrão – europeu (DVB), japonês (ISDB) ou estadunidense (ATSC) – que será adotado como base para o sistema digital. Serão incorporados elementos nacionais ao padrão escolhido, tecnologias desenvolvidas por consórcios de universidades brasileiras sob orientação do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD).


O padrão estadunidense já foi praticamente descartado. A disputa agora esta entre o DVB e o ISDB. Quem acompanha o noticiário da mídia comercial pode perceber que as Organizações Globo e o ministro Hélio Costa estão defendendo com unhas e dentes os japoneses. O argumento utilizado é que apenas o ISDB permite transmissões móveis, o que é mentira, pois já existe o DVB-H, para atender a essa demanda. Mas por que a Globo prefere o padrão japonês? Basicamente, porque, com o ISDB, os radiodifusores controlarão as transmissões digitais. Com o DVB-H, o controle passa às mãos das empresas de telecomunicações. Não perca o próximo artigo do jornalista Gustavo Gindre, aqui neste www.fazendomedia.com, explicando melhor essa questão.


Rádio Digital


Enquanto todos os olhos estão voltados para a TV digital, a definição do modelo de rádio digital a ser adotado no país não está sendo discutida. Desde setembro do ano passado, estão sendo realizados testes nas emissoras comerciais de rádio com um padrão estadunidense de tecnologia proprietária, o IBOC (In Band On Channel). Com esse padrão, as emissoras precisarão de mais espaço no dial para transmitir, o que dificultará a entrada de mais emissoras e praticamente inviabilizará as rádios livres e comunitárias. Além disso, o Brasil ficará refém do pagamento de royalties aos EUA.


Preocupados com isso, ativistas pela democratização da mídia no Rio de Janeiro estão articulando uma mobilização sobre o tema. No dia 22 de fevereiro, às 14h, será realizada uma audiência pública sobre rádio digital na Assembléia Legislativa do Rio (Alerj). Após a audiência, o bloco ‘Tire o Dedo do Meu Digital’ sairá da Praça XV em direção à Cinelândia, cantando o samba da digitalização (que está sendo elaborado com a ajuda do compositor Darcy da Mangueira) e distribuindo panfletos informativos. Mais notícias em breve neste Fazendo Media.’


Gustavo Gindre


Para entender: alta definição, 02/02/06


‘Vamos supor que a alta definição nos seja imposta goela abaixo por conta da vontade das emissoras de TV (isso porque considero que o diferencial da TV digital no Brasil deveria ser a interatividade e o aumento do número de canais).


A imagem em Standard Definition (SD) tem varredura temporal e 480 linhas. É aquela usada nos DVDs mais simples.


A proposta do Intervozes contempla 480 linhas, mas varredura progressiva. É a Enhanced Definition (ED) usada pelos DVDs mais modernos (pode-se ler na caixa e no manual: ‘com progressive scan’).


Já a alta definição (HD) mantém a varredura progressiva da proposta do Intervozes, mas pula para 720 ou 1080 linhas.


O problema é que pouca gente terá recepção em alta definição, dado o custo de um televisor HD.


Então, o que farão as emissoras de TV?


1) Down conversion


A pessoa não tem uma TV de alta definição, então compra um terminal de acesso (set top box) que faça a ‘conversão para baixo’. Ou seja, o terminal de acesso recebe (in) em alta definição e transmite para o aparelho de TV (out) em definição standard. O problema é que, como o terminal de acesso recebe em alta definição, ele é mais caro. Pela analogia de um amigo, é como se uma pessoa pedisse uma pizza cheia de coisas, pagasse por este recheio mais caro e depois tirasse tudo para comer apenas a muzzarela.


2) Transmissão hierárquica


Apenas DVB (europeu) e ISDB (japonês) permitem esta opção. A emissora fragmenta o espectro e transmite duas vezes o mesmo sinal. Uma em alta definição e outra em definição standard e cada usuário recebe de acordo com a capacidade de seu terminal de acesso. O problema é que a emissora vai consumir muito mais espectro para fazer as duas transmissões e sobrará menos espaço para outras emissoras entrantes.


Em síntese, ou o usuário paga a conta de um terminal de acesso mais caro sem ter a TV capaz de receber a imagem em alta definição ou a sociedade paga a conta com um maior consumo de espectro para cada emissora e menos espaço para as possíveis novas emissoras.


Ou todo mundo se endivida para comprar uma TV de alta definição!


O que fazer????’




TELEVISÃO
Thaís Tibiriçá


Por que querem ver big brother?, 03/02/06


‘A televisão brasileira vem provocando e monitorando mudanças sociais significativas. Toda vez que inicia um novo ano, a Rede Globo volta a oferecer aos seus telespectadores o ‘Big Brother Brasil’ – primeiro programa mundial de televisão que tinha como objetivo eleger como heróis pessoas ‘normais’. Isso causou um certo desconforto, principalmente nos intelectuais brasileiros. Por que tanto sucesso em um programa como esse? A revista CartaCapital, por várias vezes utilizou o programa como destaque para temas como vulgaridade ou uma mania impulsiva da vida contemporânea.


Acreditar que um programa como ‘Big Brother Brasil’ faça sucesso, ou seja, tenha aprovação do público, leva a pensar que muitas visões de mundo foram sendo transformadas ao longo do século, para que hoje um programa que apenas mostra a vida alheia e sua intimidade tenha audiência. Algumas explicações dizem que ele representa a decadência cultural, e quando recordamos que o artigo 221 da Constituição Federal determina que rádios e televisões têm a obrigação de estimular programas de finalidade educativa, artística, cultural e informativa, fica evidente que a lei não é cumprida por nenhuma emissora, exceto a TVE.


A primeira coisa ao se falar sobre intimidade é a mudança deste valor. Jamais uma família do século 19 apreciaria o espetáculo que é um reality show. Na chamada ‘Idade de Ouro’, época de Machado de Assis e Eça de Queirós, a intimidade era um valor que se encontrava sobre um pedestal, algo intocável. Na cultura pós-burguesa, esta tal intimidade superprotegida cai desse pedestal e se torna apenas um alvo de disputas políticas, filosóficas e científicas. ‘Casa dos Artistas’ e ‘Big Brother Brasil’, portanto, não desrespeitam a privacidade que, efetivamente, existe; simplesmente a retratam sem os ideais que, até então, tornavam-na sublime’, avalia Jurandir Freire Costa, psicanalista e professor de medicina social na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em artigo publicado na Folha Online.


Os participantes estão ali pelo dinheiro e pela fama. O público, através do voto, decide o que é moral ou não, caso o personagem passe dos limites, imposto pelo telespectador e seus códigos de criação. Opinar moralmente sobre atitudes alheias é tudo menos uma atitude inocente; podemos melhor colocá-la como uma maledicência. O controle da vida e dos passos alheios em séculos atrás era opressor e tranqüilizante ao mesmo tempo. Ninguém precisava decidir muita coisa, tudo estava pronto. Com as novas tecnologias – a ‘nova metafísica’ – todas acabaram ficando livres, mas ao mesmo tempo sem rumo, sem uma direção. O ‘Big Brother’ acabou recolocando algumas coisas no lugar e restituiu aos telespectadores o sentimento de onipotência diante de personagens frágeis, de fácil leitura.


No Brasil, os reality shows se transformaram num ‘circo’, montado por uma elite que domina a grande mídia, voltado para a classe média e pobre dos brasileiros, que fazem o papel da massa, que podemos definir como um conjunto homogêneo e ‘fabricado’ de indivíduos autômatos, isto é, que pensam conforme o pensamento de alguém e que devido ao crescimento da violência nas grandes cidades, trancafiam-se em suas casa, enquanto decidem a sorte de outros como eles. ‘… as pessoas são induzidas a crer que controlam o que já foi controlado, e o que, de fato, limita suas liberdades continua onde sempre esteve. A autonomia é posta a serviço do irrelevante, com um ganho suplementar para os que, realmente, agem visando a seus próprios interesses: o pequeno poder é pífio, ressentido e caricato. Mas, multiplicado por milhões, pode ser esmagador’, ressalta Jurandir Freire.


Foi com a entrada de capital estrangeiro nos negócios televisivos que surgiu a busca incessante por novos formatos. Os reality shows foram um ‘achado’, pois são programas que trabalham com a comercialização da intimidade, além de criar vínculos entre os participantes e telespectadores, ambos falsos atuantes. A televisão, em sua necessidade de capturar nossa atenção e comprar nosso tempo, convoca o próprio espectador ou usuário a participar da produção da informação. ‘As tecnologias doméstico-industriais transformam cada um de nós em unidades móveis de produção e imagens e informação que alimentam o sistema de comunicação’, diz Ivana Bentes, professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, também na Folha Online.


A busca pela audiência, ou seja, quanto mais ibope tem o programa, maior lucro tem a emissora, que terá também grandes patrocinadores, transforma não apenas o ‘Big Brother Brasil’, mas vários outros como ‘Casa dos Artistas’, ‘Ratinho’, ‘Faustão’, ‘Gugu’ e ‘João Kleber’ num circo de baixarias. A audiência passa a ser um ‘personagem’ deste show. No programa do Ratinho, a alta do ibope é comemorado ao vivo com apitos e buzinas. Desta forma o que ocorre é que as produções de mensagens cada vez mais uniformizadas e redundantes fazem sumir a originalidade.


‘Ratinho’ foi outro programa que recebeu destaques de teóricos e intelectuais. Em 1998, ele e Carla Perez foram símbolos da era Fernando Henrique Cardoso. A breguice e a barbárie destes símbolos levaram abaixo o sonho do Brasil em alcançar o Primeiro Mundo. Como no ‘Big Brother Brasil’, o grande público não estava nas classes baixas apenas, mas também ns classes A e B do país. Era um sucesso. Um programa que misturava Plantão Médico com um Tribunal de Pequenas Causas. Informação e entretenimento sem mesmice era a chave disto tudo, afirmava Ratinho.


Fora isso, passa a haver por parte dos telespectadores uma exigência para que a televisão os coloque neste mundo midiático: a necessidade de serem vistos. Homens e mulheres necessitam mais do que nunca da lente das câmeras para provarem sua existência. A fantasia está em ser o objeto do sonho de outra pessoa. Daí programas de calouro, concursos de artistas, reality shows, etc., tudo para tentar abastecer este mercado que deseja consumir o sonho de se ver na televisão, acreditando ter um reconhecimento da sociedade, ou uma própria auto-afirmação de sua importância diante do coletivo.


O que se vê, principalmente nos reality shows, são criações de estereótipos: ‘o veado’, ‘a virgem’, ‘a gostosa’, ‘o malandro’, ‘o playboy’, ‘a empresária’, ‘a pobre’, etc. Estereótipos que passam grande parte do espetáculo confessando tudo diante das câmeras. Este acesso a estas confissões, que nada mais é que a intimidade daquele personagem, podendo anonimamente o excluir, transforma tudo em um grande simulacro. ‘Vejo que a tevê incorporou um rebaixamento de expectativas de grande parte da sociedade. Isso pode ser cíclico, mas acredito também que estejamos num ciclo um pouco mais duradouro, que vem desde o meio dos anos 90, com programas tipo Ratinho’, disse o professor e pesquisador em comunicação Laurindo Leal Filho.


Acreditar que apenas a presença da publicidade na televisão estimula a permanência de programas de baixa qualidade talvez seja um pouco precipitado. A questão é, com certeza, mais ampla. Com a chegada da Internet a televisão foi afetada, como ocorreu com o cinema com a chegada da TV. ‘Um meio devora o outro, já dizia Victor Hugo, e não há como escapar: a selva tecnológica não tem clemência, e dessa vez a TV foi canibalizada e seu futuro não será melhor do que o de seus antecessores: uma vivência marginal no cenário do entretenimento’, afirma Ciro Marcondes, professor da Escola de Comunicação da USP.


O que se vê hoje é a vida das pessoas deixando as ruas e entrando nas telas de suas casas. Pela Internet as pessoas conversam, compram, lêem, conhecem pessoas; a televisão trouxe através dos reality shows esta intimidade que já está nos sites de relacionamentos e dos blogs. ‘Mostrar-se, mas principalmente mostrar-se na tela, já que o outro mundo dissolveu-se no ar, torna-se a meta mais alta e a única’, acrescenta Ciro Marcondes.


A Internet incorporou a televisão e esvaziou seu conteúdo, deixando apenas a aridez dessa transparência técnica. E o pior é que já assistimos isto no passado, na época grega, depois na Idade Média e assim por diante. Com a descentralização da Igreja, e a perda do controle da religião, isso foi se espalhando com o passar dos tempos, e o que se vê hoje é a tecnologia ocupando o lugar da religião.


Demonizar a televisão talvez seja um exagero. ‘A questão é saber com que podemos brincar e em que momento parar. Leiloar o que não pode ter preço é confundir brincadeira com venalidade, diversão com desatino’, ressalta Jurandir Freire.


Freire, em uma entrevista a CartaCapital, tentou traduzir essa atual superexposição da vida privada: ‘De uma maneira geral, as pessoas querem encontrar na vida dos outros exemplos para entender e resolver questões de suas próprias vidas. O erro é que essas pessoas que se expõem são as menos indicadas para servir como parâmetro, como exemplo de vida. Elas, em geral, são as mais superficiais, as que menos refletem sobre seus problemas. Cultivam a cultura do espetáculo onde não há a prática da reflexão’.


A psicanalista Maria Rita Kehl completa a reportagem da CartaCapital: ‘os ‘príncipes’ e ‘princesas’ da cultura de massa, ao abrir para a imprensa e a tevê sua vida íntima – se é que é íntima -, trabalham de graça para fazer as pessoas acreditarem que participam da festa deles. Assim é possível recobrir todos os momentos de nossas vidas banais com as imagens das vidas supostamente interessantes dos ídolos de massas. Digo supostamente, porque você pode imaginar coisas mais tediosas do que um fim de semana no Castelo de Caras?’.’




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