Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Festival de exageros
cria o jornalismo-quizz

O detalhe é elementar – apenas um nome de um jogador estrangeiro com mais consoantes do que vogais – mas revela uma inovação revolucionária do jornalismo brasileiro. A novidade pode causar confusão na cabeça do leitor, mas é só impressão. Os críticos mais apressadinhos dirão que é mais um sinal do desleixo com que a realidade vem sendo retratada nos jornais nacionais. Ou ainda haverá quem diagnostique que a galvão-buenite é muito mais grave do que se imagina, e que já contamina ambientes da imprensa escrita.


Mas não é nada disso. Por trás da barafunda da quarta capa de segunda-feira (26/6) do caderno de Esportes do Estado de S.Paulo – página que, no empoeirado old journalism, era chamada de nobre e exigia capricho reforçado de repórteres e editores – , na verdade, revela-se uma inovação revolucionária da imprensa brasileira: o jornalismo-quizz. Em bom português, o jornalismo-quebra-cabeça, ou aquele que relega a precisão ao plano secundário, mas conduz o leitor a um divertido abrir e fechar de páginas em busca da informação correta.


Se o leitor não for capaz de desvendar o mistério, o problema será todo dele, pois uma das regras do novo formato de press entertainment é a de não publicar qualquer correção posterior.


Resposta correta


Todos que gostam de futebol viram, no domingo (25), a partida mais emocionante da Copa da Alemanha, entre Portugal e Holanda. Os que não se perderam entre um atraque e outro entre os jogadores, também perceberam que o português Figo investiu furiosamente sua cabeça contra um integrante da equipe adversária.


Mas quem foi alvo da fúria do atacante luso? Eis aí a pegadinha oferecida pelo jornal.


Na reportagem de abertura da página – ‘Valentes portugueses!’ –, a cólera repentina de Figo é assim descrita:




‘O meia, jogador mais experiente de Portugal, armou e orientou a equipe portuguesa e ainda soube ser catimbeiro para dar uma cabeçada em Boulahrouz sem o juiz ver’


Alguns centímetros abaixo, outra dica, na reportagem ‘Eletrizante, nervoso, na raça. À la Felipão’:




‘Figo acertou cabeçada em Bronckhorst e no lance seguinte cavou a expulsão do rival. Novo tumulto…’


Boulahrouz ou Bronckhorst ? A dúvida diverte (ou enerva) o leitor e o estimula a rastrear a página em busca da informação correta. Na legenda que sustenta o painel de imagens da partida, outra pista:




‘…o clima esquentou e não foram poucas as brigas entre jogadores, como a cabeçada do meia português Figo em Van Bommel’


Boulahrouz, Bronckhorst ou Van Bommel?


Mais alguns segundos de procura pelo nome correto da vítima de Figo, outra pista, ainda que prejudicada pelo ângulo da imagem que traz o momento exato da arremetida do português. Entre as dobras da camiseta da vítima, com meio ‘eme’ oculto, pode-se ler MEL.


Estará certo o leitor: Figo cabeceou Van Bommel?


A resposta correta está na primeira capa do caderno, onde são reproduzidas as escalações oficiais das duas equipes.

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Jornalista