Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Folha de S. Paulo

CENSURA
Folha de S. Paulo
Juiz proíbe site do RS de revelar investigação

‘Um juiz do Rio Grande do Sul proibiu na quarta-feira o site Vide Versus de noticiar uma investigação policial envolvendo o deputado estadual Alceu Moreira (PMDB), que presidirá a Assembléia gaúcha a partir de 2008.

O site do jornalista Vitor Vieira exibia trechos de gravações telefônicas entre Moreira e um ex-assessor com indícios de suposto esquema para favorecer uma empresa. Ontem, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) divulgou nota condenando a decisão: ´É lamentável e revoltante a freqüência com que juízes em todo o país, geralmente atendendo a pedidos de políticos sob investigação, proíbem o livre exercício do jornalismo e impedem a sociedade de ter acesso às informações a que tem direito. Desta forma, na prática, o que temos é a volta da censura, como na época da ditadura militar´.

O juiz Hilbert Maximiliano Akihito Obara, de Porto Alegre, diz que Vieira usou documentos sob sigilo de Justiça. ´No Estado Democrático a liberdade de imprensa é algo que se busca. No entanto, essa liberdade não é um princípio absoluto: tem restrições, tem limites´.’

 

CONCESSÕES
Hudson Corrêa e Leonardo Souza

Governo exclui nome de Garibaldi da relação de donos de TV potiguar

‘Dois dias após a Folha publicar que o senador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) aparecia em cadastro da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) como sócio da TV Cabugi, de Natal, o Ministério das Comunicações, comandado pelo PMDB, excluiu o nome e o CPF do senador da lista anteontem.

Garibaldi é um dos principais candidatos do PMDB para presidir o Senado no lugar de Renan Calheiros (PMDB-AL), que renunciou ao cargo em meio a um processo de cassação por suspeitas de manter sociedade oculta num grupo de comunicação. Ele foi absolvido.

No lugar do senador, passou a constar da nova relação de sócios da TV seu pai, Garibaldi Alves, com 190 mil cotas, a mesma quantidade até então atribuída ao filho. Embora os nomes sejam quase idênticos, seus CPFs são diferentes.

Os dados da nova lista de sócios da TV, divulgada pelo ministério, coincidem com documento que o senador entregou à Folha para negar participação na empresa. A reportagem presenciou os assessores do ministério e do senador conversando, ao telefone, sobre o cadastro da Anatel. Eles negaram que tivessem combinado uma ação conjunta em favor do senador, mas apresentaram versões conflitantes para explicar a razão daquela conversa.

Um dos assessores do ministério informou que tomou a iniciativa de telefonar para o gabinete do senador e recebeu a informação de que o cadastro da Anatel estava desatualizado, pois desde 1988 o senador já não seria mais sócio da TV Cabugi, criada em 1986. Já a assessoria do senador disse que procurou o ministério apenas para confirmar se o CPF, que constava no cadastro da Anatel, era mesmo o de Garibaldi.

Conforme a assessoria do ministério, a última atualização na lista de sócios da TV Cabugi ocorreu com base em dados de 1988 e, por isso, ainda trazia o nome do senador. Documento da Junta Comercial aponta, porém, que a composição societária da TV Cabugi, em 1988, é bem diferente da lista de sócios da Anatel que, até anteontem, incluía o senador.

A relação de sócios da TV em 1988, antes da saída de Garibaldi, tinha 16 nomes, conforme a Junta Comercial. No cadastro da Anatel eram 14, sendo que dez não apareciam como sócios em 1988. Outra discrepância: de 1976 a 2005, o pai de Garibaldi foi sócio da TV, isto é, estava na sociedade em 1988, mas não constava da lista da Anatel até a alteração de anteontem.’

 

Cadastro está desatualizado, diz Ministério

‘A assessoria do Ministério das Comunicações disse que o cadastro da Anatel, disponível na internet, é fonte de informação oficial, mas está desatualizado e, por isso, aparecia o senador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) como sócio da TV Cabugi.

O ministério informou que atualizou mais de 50 mil processos. A meta, segundo o órgão, é repassar ao cadastro em 2008.

Ainda conforme a assessoria, o Ministério não aceita interferência política que possa ter levado a alteração do cadastro para proteger Garibaldi.

É comum, segundo a assessoria, o ministério receber informações diferentes das que constam na Junta Comercial. ´O que vale é o que está no ministério, o que [as empresas] informaram para a gente´.

Garibaldi informou, por meio de sua assessoria, que desde 1988 não é mais sócio da TV Cabugi. Ainda segundo ele, o seu pai, Garibaldi Alves, deixou a sociedade em 2005. O senador nega ser sócio de emissora de rádio ou TV.

A atual direção da TV Cabugi, hoje controlada pela Caraíva Participações (com 74,9%), afirmou que o senador Garibaldi não constava da relação de sócios que lhe venderam parte do capital.

A direção destacou que não pode responder por informações prestadas equivocadamente à Anatel antes de assumir o comando, em agosto de 2005.’

 

IMPRENSA
Folha de S. Paulo

´O Globo` ganha Prêmio Esso com reportagem sobre o STF

‘O jornal ´O Globo` conquistou o Prêmio Esso de Jornalismo 2007 com a reportagem ´Voto Combinado na Corte Suprema´, de autoria de Alan Gripp, Francisco Leali Júnior e Roberto Stuckert Filho. O texto mostrava a troca de mensagens eletrônicas entre dois ministros do Supremo Tribunal Federal durante julgamento do mensalão, no mês de agosto.

Na categoria reportagem, o vencedor foi o jornalista Lucas Figueiredo, de o ´Estado de Minas´, com a reportagem ´O Livro Secreto do Exército´, que revelava o registro por parte dos militares de episódios da luta armada no regime militar (1964-85).

O jornalista Paulo Totti, do ´Valor Econômico´, recebeu o prêmio de Informação Econômica, com a série ´China, o Império Globalizado´. O prêmio de melhor Fotografia foi para Tiago Brandão, do jornal ´Comércio de Franca´. Ele flagrou o desespero de uma mãe que se atirou à água na tentativa de salvar o filho que se afogava.

O prêmio de Telejornalismo ficou com Giovani Grizotti, Cristiane Pastorini e Guto Teixeira, da RBS (Rede Brasil Sul de Comunicação), com a reportagem ´Os Fantasmas de Sapucaia´, que identificou funcionários da Câmara da cidade gaúcha que recebiam sem trabalhar.

A premiação aconteceu na noite de terça-feira no Rio.’

 

TV DIGITAL
Elvira Lobato

TV digital decepciona as universidades

‘Depois da euforia inicial do meio acadêmico com a decisão do governo de implantar a televisão digital com inovações tecnológicas desenvolvidas no país, as universidades se decepcionaram com o atraso na liberação de recursos federais para custeio das pesquisas.

O Instituto Mackenzie, de São Paulo, aguarda há 16 meses a assinatura de um contrato de R$ 1 milhão com a Finep (Financiadora Projetos e Pesquisas, do Ministério da Ciência e Tecnologia) para construir a Estação Experimental da Televisão Digital, que medirá a qualidade de recepção dos sinais da TV digital transmitidos pelas emissoras.

A Finep disse que o contrato está em vias de ser assinado.

A estação deveria ter sido implantada antes do lançamento da televisão digital (ocorrida no último domingo, em São Paulo), o que não foi possível por falta de verba.

Segundo o coordenador do projeto, Gunnar Bendicks, professor da Escola de Engenharia da Universidade Mackenzie, uma das funções da estação será informar à população as áreas em que os sinais não funcionam. ‘´As emissoras fazem a medição, mas não têm interesse em divulgá-las´, diz ele.

A mais famosa contribuição da academia para a televisão digital, o software da interatividade, chamado de Ginga, teve as pesquisas custeadas pela PUC do Rio de Janeiro por vários anos. O projeto tem a participação da Universidade Federal da Paraíba.

Um dos criadores do Ginga, Luiz Fernando Gomes Soares, da PUC do Rio, diz que a descontinuidade dos programas leva à desarticulação das equipes de pesquisadores. Ele disse que o projeto também sofreu atrasos nos repasses da Finep.

Por isso o andamento das pesquisas também atrasa. O Inatel (Instituto Nacional de Telecomunicações), de Santa Rita do Sapucaí (MG), assinou um convênio, de R$ 7 milhões com a Finep há cinco anos para desenvolver o laboratório de homologação dos sistemas de TV digital.

Segundo o presidente da Fundação Inatel, Adonias Costa, o projeto era de três anos, mas o prazo vem sendo adiado, por falta de verba. Ainda está pendente uma parcela de R$ 630 mil. A Finep alega que o Ministério das Comunicações não repassou o dinheiro.

Em 2004, o governo mobilizou as universidades para apresentar soluções tecnológicas para o sistema brasileiro de televisão digital. Foram formados 21 consórcios. As universidades dizem que quando essa etapa terminou, em 2005, faltou uma ação do governo para dar continuidade às pesquisas.

Ano da desarticulação

O ano de 2006, em que o governo fez a escolha pelo padrão japonês, é considerado como o da desarticulação dos projetos na área acadêmica.

As discussões passaram ao âmbito do fórum da TV digital, no qual indústrias e radiodifusores têm maior peso de votos, e cada universidade passou a agir isoladamente para tentar aprovar projetos na Finep.

O professor Marcelo Zuffo, do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da USP, que havia coordenado o consórcio de discussão sobre o terminal de acesso, apresentou à Finep projeto para desenvolvimento da caixa conversora (set top box) em janeiro de 2006.

A USP esperou uma resposta da Finep até outubro deste ano, quando foi comunicada da recusa do pedido.

´Foi um processo muito desgastante. A discussão da TV digital acabou politizada, e nosso papel é científico. Não recorremos da decisão da Finep, porque a TV digital já foi lançada, e inovação tecnológica exige ´timing` ´, afirma Marcelo Zuffo Ele diz que a USP continua as pesquisas do conversor, com recursos próprios, e que deve anunciar uma novidade nessa área em breve.

O conversor é o ´calcanhar de Aquiles` da TV digital, pelo seu alto preço. O equipamento chegou ao mercado com preços entre R$ 499 e R$ 1.100, e o próprio governo pediu que os consumidores não o comprem antes que o preço caia.’

 

Ministério diz que não há falta de recursos

‘O Ministério das Comunicações diz que não faltam recursos para o custeio das pesquisas da TV digital e que não vê morosidade nem excesso de burocracia por parte da Finep, no repasse do dinheiro para o meio acadêmico.

A verba para custeio das pesquisas sai do Funttel (Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações), formado pela arrecadação de 0,5% sobre o faturamento de todas as empresas do setor.

Desde a criação do fundo, em 2000, o governo já arrecadou R$ 707,84 milhões. A maior parte do dinheiro está com a União e financia as contas públicas.

O secretário-executivo do grupo gestor do Funttel, Carlos Paiva, do Ministério das Comunicações, diz que a dotação orçamentária do fundo neste ano é de R$ 105 milhões, dos quais 30% ficarão com o Cpqd (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações), e que o restante da dotação será usada ainda neste ano.

Finep e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) são agentes repassadores dos recursos do Funttel. Para Paiva, os projetos da Finep estão com cronograma em dia, contrariando o entendimento das universidades.

Finep

A Finep afirmou, por intermédio de sua assessoria, que a última parcela do convênio com o Inatel (de R$ 630 mil) não foi paga porque não foi liberada pelo Ministério das Comunicações. Carlos Paiva, do ministério, afirmou que desconhecia a informação.

Em relação ao financiamento das pesquisas do Ginga, a Finep disse que firmou um contrato com a PUC do Rio de Janeiro de dezembro de 2006, no valor de R$ 1,7 milhão, dos quais liberou R$ 1 milhão, pago em duas parcelas. A liberação da terceira parcela, segundo a Finep, depende de exame da prestação de contas da universidade, ainda a ser feito pelos auditores.

A Finep não comentou as razões da demora na assinatura do contrato com o Instituto Mackenzie.’

 

Paulo Peitoxo

Minas Gerais anuncia conversor para a TV digital por R$ 510

‘A região do chamado Vale da Eletrônica mineiro, que reúne em Santa Rita do Sapucaí (MG) 120 pequenas empresas nacionais, anunciou que poderá vender em maio de 2008 o conversor da TV digital, equipamento necessário para a recepção da nova transmissão, por ´R$ 510, no máximo´. O preço de custo do equipamento é de R$ 350.

A informação é de Roberto de Souza Pinto, presidente do Sindivel (o sindicato que reúne as empresas do vale). Para ele, o valor poderá ser reduzido se o governo criar linha de crédito para as fabricantes e conceder incentivos. ´O preço final de R$ 510, em abril, maio, será possível porque teremos produção diária de 10 mil peças.` A data, segundo ele, refere-se à chegada da transmissão digital a Belo Horizonte, Brasília e Rio. Com mais demanda, a escala será maior -hoje, o aparelho custa de R$ 800 a R$ 1.050.

Para ele, é preciso incentivo fiscal e para produção, via BNDES, ´para criar volume´. ´O Vale da Eletrônica poderá ser o termômetro do preço do produto no mercado.´

Flávio Brito, diretor industrial da STB, que trabalha na produção do conversor com custo de R$ 350 e de uma TV portátil digital com preço de cerca de R$ 500, diz que não está claro se a região se beneficiará com os financiamentos.

Brito reivindica crédito para produzir em escala. ´Nós vamos concorrer com as grandes empresas, então temos que ter capacidade de financiamento. Muitos já nos perguntam como uma marca desconhecida tem preço de custo de R$ 350.´’

 

TV POR ASSINATURA
Folha de S. Paulo

TVs pagas pedem esclarecimento a Anatel sobre ponto adicional

‘A ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura) vai encaminhar na próxima semana um pedido de esclarecimento à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) sobre a redação dos artigos que criam novas regras para o ponto extra. A resolução saiu quarta-feira no ´Diário Oficial` da União.

Além disso, a associação vai publicar em jornais de grande circulação um comunicado ao público explicando o posicionamento das empresas contra as normas, que impedem a cobrança de adicional na mensalidade a partir de junho se a manutenção do equipamento não for feita pela prestadora.

´A unanimidade dos operadores diz que essa receita não pode ser descartada´, afirma Alexandre Annenberg, presidente da ABTA, que se reuniu ontem com empresários do setor para discutir o assunto. Segundo ele, cerca de 50% dos assinantes têm, pelo menos, um ponto extra em casa.

Annenberg voltou a dizer que só vai se pronunciar sobre as alternativas para evitar a perda de arrecadação após os esclarecimentos da agência reguladora. O aumento da mensalidade para todos os assinantes, mesmo aqueles que não têm o ponto adicional, é uma possibilidade considerada ruim até pelo presidente da ABTA, mas foi a única explicitada até agora.

O acréscimo na assinatura, segundo a Anatel, só é possível se o motivo estiver previsto no contrato. A resolução da agência prevê que a ativação do sinal continuará a ser feita pela operadora, mas o valor cobrado a quem tiver ponto extra que terá manutenção da empresa ou de terceiros deve ser o mesmo.’

 

EDUCAÇÃO
Angela Pinho

Governo propõe criar a Universidade Federal da América Latina

‘O governo federal quer criar uma universidade pública com metade das vagas reservadas a estudantes de outros países da América Latina. A idéia é aprovar o projeto de lei que institui a Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana) a tempo de ter a primeira turma no início de 2009. O texto preliminar, segundo Hélgio Trindade, coordenador do projeto, já está pronto para ser enviado ao Congresso.

O projeto da Unila se insere na diplomacia ´Sul-Sul` do governo Lula, com mais atenção a países em desenvolvimento. ´Se nós quisermos integrar a América Latina, temos que formar quadros para desempenhar os avanços nessa direção´, diz Trindade.

Já o ex-ministro da Educação do governo Fernando Henrique e deputado Paulo Renato Souza (PSDB-SP) discorda da proposta. ´Não vejo necessidade. Já temos um sistema melhor que esse´, afirma, referindo-se à possibilidade que, hoje, estrangeiros têm de estudar no Brasil mediante convênios entre universidades.

Os cursos da nova instituição ainda não foram definidos, mas a proposta é que tenham foco na ´integração da América Latina´, em áreas como relações internacionais, ciência política, línguas, tecnologia e meio ambiente, entre outras.

Segundo o secretário de Educação Superior do MEC, Ronaldo Mota, o campus da Unila ficará em Foz do Iguaçu (PR), na região da tríplice fronteira entre o Brasil, Paraguai e Argentina, num terreno de 43 hectares cedido pela estatal Itaipu binacional. Deverão ser usados imóveis construídos na época da instalação da usina, em 1973.

A proposta prevê um vestibular em português para brasileiros e outro em espanhol para os estrangeiros, que será aplicado por universidades de outros países. A prova não poderá abordar temas relativos só ao Brasil -em vez de literatura e história brasileiras, por exemplo, haverá literatura e história da América Latina.

A instituição, conforme o MEC, deve ter 10 mil vagas entre cursos de graduação, mestrado e doutorado e 500 professores. As aulas serão ministradas em português e espanhol, já que metade do corpo docente será de profissionais de instituições de outros países.

Segundo o reitor da Universidade Federal do Paraná, Carlos Augusto Moreira Júnior, que participa da elaboração do projeto, o governo chegou a cogitar fazer a universidade em parceria com outros países, mas a idéia não vingou.

Trindade contou que os ministros discutiram a criação de um Espaço de Educação Superior do Mercosul, que ainda não tem formato definido.

Além da Unila, o presidente Lula deve inaugurar neste ano outras duas federais: a Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará), com sede em Santarém, e outra com unidades na região oeste de Santa Catarina, norte do Rio Grande do Sul e sudoeste do Paraná.’

 

ARTE
Silar Martí

À luz de um mestre

‘No mesmo ano em que publicou um ensaio sobre a escultura futurista de Umberto Boccioni, texto que abalou os círculos acadêmicos em 1914, o historiador italiano Roberto Longhi (1890-1970) voltou cinco séculos no tempo para estudar a obra do pintor Piero della Francesca (1416-1492).

Figura ímpar do ´Quattrocento´, a segunda fase do Renascimento, Piero, um dos nomes fundamentais da história da arte, aprendeu perspectiva com mestres de Florença, onde passou alguns anos de sua juventude. Ele acrescentou ao desenho esquemático e opaco da época volume e detalhes que observou nos quadros de artistas flamengos e desenvolveu uma pintura luminosa que, séculos mais tarde, seria copiada pelos impressionistas.

Longhi esquadrinhou os afrescos de Piero por um prisma moderno e deu origem a duas teses que causam impacto até hoje: a idéia de que o pré-cubista Paul Cézanne (1839-1906) -artista que superou os impressionistas com um equilíbrio entre cor e formas geométricas- teria encontrado em Piero um precursor indireto e a reavaliação que faz do peso de Florença na arte italiana, cidade que, no livro, parece bem menos importante do que foi.

O autor publicou suas idéias pela primeira vez em 1927, no livro ´Piero della Francesca´, referência na bibliografia sobre o pintor, agora traduzido para o português (ed. Cosac Naify, R$ 99, 368 págs.).

Quem faz o prefácio da nova edição é Carlo Ginzburg, autor de ´O Queijo e os Vermes´, clássico da chamada micro-história, corrente surgida na Itália nos anos 60, que esmiúça uma época a partir de pequenos personagens e acontecimentos.

Em entrevista exclusiva à Folha, ele comenta a trajetória do pintor vista pelos olhos de Longhi, historiador que tentou dar um equivalente verbal ao fascínio das obras de Piero. Ginzburg, que também escreveu um livro sobre o pintor (´Indagações sobre Piero´; ed. Paz e Terra, R$ 27, 144 págs.), falou por telefone, de Pisa, na Itália. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

FOLHA – Como o estudo que fez das vanguardas, como o futurismo, mudou o olhar de Roberto Longhi sobre Piero della Francesca?

CARLO GINZBURG – Quando Longhi, em 1914, escreve sobre as esculturas de Boccioni, faz algo que era impensável então para um acadêmico. Tentar descrever a escultura de Boccioni era algo absolutamente distante da cultura acadêmica. Mas, logo depois, surge o livro sobre Piero della Francesca, que põe em primeiro plano Cézanne e Piero. É Piero visto através de Cézanne e Cézanne visto através de Piero. Na minha opinião, essa é uma leitura contra o futurismo. Cézanne seria para ele uma alternativa às vanguardas e Piero é um clássico visto através do clássico moderno que era Cézanne.

FOLHA – Como se explica a conexão de Piero com Cézanne, que se consagrou quatro séculos depois?

GINZBURG – Não é que havia uma ligação direta. Cézanne, na primeira fase de sua carreira, estudava os venezianos. Estudou Tintoretto, Veronese, disso nós sabemos. Piero não estava entre os pintores estudados por ele, mas Cézanne reencontra nele esse elemento geométrico, suas formas simples. Há uma simplificação da realidade, que ele vê em Piero e Cézanne.

FOLHA – E de que forma Piero influenciou os venezianos estudados pelos impressionistas?

GINZBURG – A idéia de Longhi é que Piero foi fundamental para o desenvolvimento da pintura por causa de sua aproximação com [o veneziano] Giovanni Bellini. A pintura luminosa de Piero se prolonga no tempo com Bellini e os venezianos e acaba encontrando um eco nos impressionistas. Como Longhi havia intuído, havia cópias dos afrescos que Piero fez em Arezzo na École des Beaux Arts, em Paris, e [Georges] Seurat os teria visto. Foi algo comprovado depois, mas Longhi tinha então um elemento adivinhatório.

FOLHA – A atenção ao detalhe e a exuberância das cores não teriam chegado a Veneza por influência dos pintores flamengos?

GINZBURG – Piero já havia visto os flamengos, sobretudo Van Eyck. Sabe-se que Van Eyck fez um quadro que estava em Urbino. Esse quadro foi perdido, mas Piero o viu. Segundo Longhi, pode-se ver o traço desse contato com a arte flamenga por parte de Piero na ´Flagelação de Cristo´, principalmente nos mantos dos personagens.

FOLHA – O peso que Longhi dá a Piero não reduz a importância de Florença, cidade que foi o motor do Renascimento?

GINZBURG – Neste livro, Florença ocupa um papel marginal. Longhi faz uma leitura da história da arte italiana em que a cidade já não é mais o centro. Ele cobre uma quantidade de centros periféricos, que ganharam uma grande importância. E Piero é um bom argumento a favor disso. Ele se opõe a Florença: olhou para os flamengos e influenciou os venezianos.

FOLHA – A força de Piero então está no fato de ter sido um viajante, que não obedeceu a nenhuma escola?

GINZBURG – Piero é como um centro de trocas, ocupa um lugar central na pintura italiana. Rafael se inspira em Piero. Ele pintou o Vaticano depois que foram destruídos os afrescos de Piero. Michelangelo está ligado a ele, embora distante. Ticiano também, por meio de Bellini. O século 16 na Itália e na Europa não teria sido como foi se Piero não tivesse existido.’

 

Longhi descobre fatos nas formas

‘Leia abaixo a continuação da entrevista com Carlo Ginzburg.

FOLHA – Longhi consegue dar um equivalente verbal à grandeza das obras de Piero?

GINZBURG – É uma linguagem muito difícil a que ele usava, cheia de imagens, com palavras arcaicas e pinceladas bizarras. O fim a que se propunha era mesmo o de dar um equivalente verbal da obra de arte. Ele é a combinação de um filólogo com historiador, que conhece muito bem, sobretudo, as fontes primárias, os testemunhos figurativos e também as fontes secundárias, as biografias, os catálogos. Ele apresenta propostas de pesquisa muito novas, numa linguagem muito inusitada. Era um estudioso muito autônomo e pouquíssimo acadêmico. Tinha uma escrita, um estilo único.

FOLHA – Isso não apresentaria problemas aos tradutores?

GINZBURG – Há elementos intraduzíveis. Não que seja impossível traduzi-lo. Se traduziram Joyce, também podem traduzir Longhi, mas não é comum que a obra de um estudioso apresente tantos problemas aos tradutores e, claro, aos leitores. Mas ele tem um elemento magnético, que prende o leitor. Acho que neste livro, mesmo traduzido, será possível perceber esse magnetismo que vai além do estilo, que está a serviço da argumentação.

FOLHA – Você se identifica com a metodologia de Longhi? Acha que seguiu preceitos da microhistória?

GINZBURG – Não posso dizer que vejo neste trabalho algum eco da microhistória, mas minha relação com Longhi tem outra característica. O que me interessa no texto de Longhi é a relação entre a morfologia e a história. Longhi analisa as formas, o aspecto formal de Piero della Francesca ou de qualquer outro pintor e, a partir dessa leitura muito aprofundada e intuitiva dessas obras, consegue estabelecer nexos, conexões, que são morfológicas, ou seja, que nascem da análise do traço e da feitura das obras.

FOLHA – Os afrescos em si escondiam mais pistas do que os documentos e provas da época?

GINZBURG – Essa é a grande problemática e, aqui, acho que Longhi é de uma riqueza extraordinária porque, em certos casos, são as descobertas formais que antecipam as descobertas documentais. É a relação entre morfologia e história, entre aquilo que nos diz o estilo e o que nos diz a pesquisa sobre a iconografia, o contexto. Essa relação é proposta por Longhi de maneira muito original.

FOLHA – Como você vê a herança de Longhi?

GINZBURG – Ele foi um historiador da arte que esteve entre os mais importantes do século 20 e repensou a tradição pictórica da arte italiana, mas não o considero um colega, um companheiro de estrada. Ele foi, é claro, um grande professor, mas não no sentido banal do termo. Eu o vejo como um desafio, não como um inimigo. E nessa tentativa dele de repensar a história da arte italiana, Piero della Francesca tem uma importância capital. Nós nunca escrevemos sobre os mesmos assuntos, com exceção de Piero, que é uma grandíssima exceção.

FOLHA – Você não é um historiador da arte, mas se dedica bastante ao assunto. Como surgiu seu interesse pela obra de Piero?

GINZBURG – Comecei a visitar Arezzo quando jovem, há mais de 50 anos. Lembro a impressão que me fez a ´Flagelação` de Piero restaurada, numa mostra em Roma, em 1955. Vi esse quadro e nunca mais o esqueci. Digamos que minhas incursões no campo da história da arte se ligam, sobretudo, a Piero della Francesca.

FOLHA – Você concorda com a leitura de Piero intermediada por Cézanne, principal tese de Longhi?

GINZBURG – Não gostaria de exagerar a contraposição entre a síntese de forma e cor, de Piero, e o desenho seco, estruturado de Florença que Longhi condenava, mas é uma idéia reveladora. Faz vir à tona a hostilidade que ele sentia em relação à idéia tradicional, florentino-cêntrica da história da arte, e mostra como ele foi um historiador idiossincrático, anômalo e extraordinário.’

 

LITERATURA
Sylvia Colombo

Saga de Quixote chega ao fim em edição bilíngüe

‘´Sentado na cama, vestindo uma almilha de baeta verde, com um gorro vermelho de malha, tão magro e amumiado que parecia um peixe seco.`

Este é d. Quixote, pouco menos de um mês depois do fim de sua primeira aventura, relatada em ´O Engenhoso Fidalgo dom Quixote de La Mancha` (1605), de Miguel de Cervantes.

Agora, o Cavaleiro da Triste Figura está sob a observação de um padre, um barbeiro, a sobrinha e a ama. E a expectativa é: ´Será que, finalmente, esse homem vai recuperar o juízo?´. É assim que tem início o ´Engenhoso Cavaleiro d. Quixote de La Mancha´, segunda parte das aventuras do nobre Alonso Quijano, lançado em 1615, dez anos depois da primeira.

O segundo livro dá continuação à saga de Quijano, o fidalgo que, por ler muitos livros de cavalaria, acabou enlouquecendo e saindo pelo mundo em busca de aventuras e de justiça.

A obra acaba de ganhar nova edição bilíngüe no Brasil, na seqüência do trabalho iniciado pela editora 34 em 2002, quando chegou ao mercado a primeira parte. Ambas as traduções são de Sergio Molina.

Apesar de ser menos conhecida do que a primeira parte, nesta segunda estão mais visíveis algumas das razões pelas quais o ´Quixote` se tornou uma obra tão essencial.

Aqui, Cervantes manipula personagens reais e universos ficcionais, transformando-os em objetos da discussão literária dentro da própria obra. Ninguém é poupado, nem ele, seu livro e comentários a ambos.

Explique-se. Cervantes não tinha intenção de escrever a segunda parte do ´Quixote` até que o sucesso provocou uma enxurrada de obras apócrifas protagonizadas por seu herói.

Vingança

A mais célebre dessas versões foi a escrita por certo Alonso Fernández de Avellaneda. Estudos recentes revelaram a provável identidade desse Avellaneda. Teria sido um soldado que lutou ao lado de Cervantes na Batalha de Lepanto (1571, onde o escritor perdeu a mão). Cervantes teria satirizado o colega no capítulo 22, quando Quixote encontra um grupo de criminosos. Irritado, Avellaneda vingou-se, publicando uma falsa continuação.

´Havia um problema muito sério entre Cervantes e Avellaneda. Nunca saberemos muito bem por quê. O fantástico é que, na tentativa de responder ao inimigo, Cervantes tenha apurado ainda mais sua ironia.

E, ao incluir a própria obra apócrifa dentro do seu texto e discutindo com ela, criou algo realmente novo e muito rico.

Tanto o falso como o real viraram tema literário´, diz a professora de literatura da USP Maria Augusta da Costa Vieira.

Em entrevista à Folha a professora adverte, porém, para o fato de que, na Espanha do século 17, autoria e originalidade eram vistas de modo muito diferente. Apropriações de textos alheios e releituras eram corriqueiras. ´A disputa autoral entre eles só é tão diferente por conta da disputa pessoal e acirrada que tiveram. Mas, com isso, ganhou a literatura.`

Cervantes anuncia o clima de retaliação no prólogo, mordaz a seu estilo: ´Esta segunda parte de d. Quixote que te ofereço é cortada do mesmo artífice e do mesmo pano que a primeira, e que nela te dou um d. Quixote dilatado, e finalmente morto e sepultado, por que ninguém se atreva a lhe levantar novos testemunhos, pois bastam os passados, e basta também que um homem honrado tenha dado notícia dessas discretas loucuras, sem querer de novo entrar nelas, pois a fartura das coisas, ainda quando boas, faz com que se não estimem, e a carestia (até das más) se estima algum tanto´.

No que diz respeito à trama, há algumas diferenças entre as aventuras que o cavaleiro e seu fiel escudeiro Sancho Pança vivem. Se na primeira predomina a Espanha dos campos desolados e hospedagens, na segunda começam a ganhar importância as cidades. ´Era um mundo que se encaminhava para uma vida social mais urbana. Por isso vemos os dois indo a festas, a um casamento, a salões na casa de outros nobres´, diz Vieira.

O tradutor levou cinco anos para terminar essa segunda parte do trabalho. A tarefa era tão grande, envolvente e ´quixotesca` que, a certa altura, brinca, concluiu que ´conceber cronogramas era como acreditar que estalagens são castelos e prostitutas, donzelas´.

As vantagens de se ler as versões em espanhol e português juntas são muitas. ´O português arcaico é próximo do espanhol. Mesmo o português atual guarda semelhanças curiosas. Há notas de edições do Quixote em espanhol que seriam dispensáveis para leitores brasileiros´, diz Vieira.

Molina observa: ´O português e o castelhano clássicos, que são os dos textos dos séculos 16 e 17, o período da União Ibérica e do auge do bilingüismo luso-castelhano, guardam grandes semelhanças não apenas no léxico, na sintaxe, no padrão rítmico, mas também nas figuras de linguagem, nas expressões e locuções mais usuais, nos estilos retóricos´.

Quanto à dúvida sobre a sanidade de Quixote às beiras da morte, fica para o leitor desvendar. Só vale ressaltar que, em seu curioso testamento, d. Alonso Quijano proíbe que a sobrinha se case com qualquer homem que ´saiba o que é` um livro de cavalaria.

O ENGENHOSO CAVALEIRO D. QUIXOTE DE LA MANCHA

Autor: Miguel de Cervantes

Lançamento: editora 34

Quanto: R$ 84 (856 págs.)’

 

Tradução foi trabalho quixotesco
O trabalho do tradutor Sérgio Molina, que verteu uma média de 800 páginas de cada um dos dois volumes do Quixote ao português, tomou-lhe doze horas diárias de contato com a obra. ´Entre as tarefas, confrontava o texto estabelecido em várias edições, inclusive fac-símiles, consultei o aparato crítico e dicionários de época. A tudo isso se somou o recurso a textos canônicos em português dos séculos 16 e 17, para manter afiado o estilo da época.´’

 

RIO DE JANEIRO
Luiz Fernando Vianna

Nostalgia marca coletânea sobre a Lapa carioca

‘O relançamento desta ´Antologia da Lapa` permite um contraste curioso: num momento de efervescência do bairro carioca, com suas ruas e casas de samba apinhadas de jovens de todas as idades e procedências, volta um livro que tem a nostalgia como ponto de partida.

A primeira edição é de 1965, quando só o quinto time da fauna (artistas, boêmios, malandros, prostitutas) que marcara o apogeu da Lapa nas décadas de 20 e 30 ainda batia ponto por ali. O jornalista e escritor Gasparino Damata, que selecionou os textos na época, intitulou sua apresentação de ´A Lapa Ficou na Saudade´. O texto fala em ´triste espetáculo´, ´mulheres velhuscas´, ´demolição devastante` e por aí vai.

A editora Desiderata informa numa nota de pé de página que o texto é de 1965, mas Damata faz referência a um fato de 1972. Ao que parece, publicaram a versão da segunda edição, de 1978 -a atual é a terceira. E, infelizmente, não há as datas da publicação original dos itens da coletânea.

Outros textos da seleção têm esse travo de nostalgia. Em ´A Lapa´, a cronista Eneida é amarga: ´(…) a Lapa lembra uma criatura boêmia que tudo abandonou ao envelhecer; casou, aposentou-se. Se ainda há restos de boemia, em suas ruas, a ela não mais pertencem; são migalhas de Copacabana ou a curiosidade de forasteiros´.

Augusto Frederico Schmidt tece um poema com laivos de profunda saudade: ´Meu Deus, em que noite estou?/ Que noite cheia das mortas,/ Das amadas já defuntas,/ De tristíssimos perfumes!´.

Repressão do Estado Novo

Mas é preciso contextualizar a história. Boa parte dos textos da coletânea foi escrita pós-1942. Foi nesse ano, apogeu do Estado Novo, que as forças policiais começaram a reprimir a prostituição, a malandragem, a jogatina, ingredientes que compunham a mística da Lapa.

Pois em suas ruas e becos -como o famoso de Manuel Bandeira, que está na ´Antologia´- encontravam-se o Rio dos intelectuais e artistas (Di Cavalcanti, Rubem Braga, Antônio Maria…) e o das prostitutas (Alice Cavalo de Pau, Engole-Homem, as francesas, as polacas…), dos malandros (Joãozinho da Lapa, Camisa Preta, Madame Satã…), dos sambistas (Wilson Batista, Geraldo Pereira, Roberto Martins…). Na sua estrutura fragmentada, tanto em datas quanto em estilos, a ´Antologia` não funciona como um painel rigoroso dessas transformações históricas. É, sobretudo, um apanhado de bons textos com histórias saborosas ou tristes sobre o que foi o bairro em sua glória (cheia de elementos trágicos, é bom lembrar) e em sua decadência.

Este ocaso está bem retratado no texto final do livro, o ´Memórias da Guerra´, de Aguinaldo Silva. Ele conta como a reforma urbana dos anos 60, feita com a intenção de arejar o bairro, acabou com muito de sua vida e do charme encardido de suas habitações. Ao lê-lo, juntamente com o prefácio do compositor Moacyr Luz (há outro de Millôr Fernandes), podemos comemorar que as gentes estão de volta às ruas tortas e passando sob seus arcos setecentistas. Um livro bom para conhecer o passado e desfrutar no presente.

ANTOLOGIA DA LAPA

Autores: vários

Editora: Desiderata

Quanto: R$ 29,90 (238 págs.)

Avaliação: bom’

 

Guia cáustico de Marques Rebelo sai em livro

‘No apagar das luzes de seu centenário, Marques Rebelo ganha uma singela lembrança com o lançamento em livro, pela primeira vez, de ´O Guia Antiturístico do Rio de Janeiro´, de 1960. O ´singela` não é depreciativo, mas para traduzir o tom informal dos 55 capítulos e indicar que Rabelo não foi só o cronista ligeiro e cáustico deste volume. Fez grandes romances como ´Marafa` e ´A Estrela Sobe` e merecia ser mais exaltado.

´Marafa´, por exemplo, é um painel da Lapa dos anos 30, um dos maiores já feitos. Mas no ´Guia` só há uma referência ao bairro de que Edi Dias da Cruz (seu nome real, oculto para não envergonhar a família por ser escritor) gostava tanto. É quando ironiza o famoso samba de Herivelto Martins e Benedito Lacerda: ´O ponto maior do mapa do ex-Distrito Federal -salve a Lapa!´. O Rio já virara ´ex` em 60.

O guia foi publicado em colunas da ´Última Hora´, já visando ao quarto centenário do Rio (1965), mas ficou inédito em livro. Em vez dos esboços da época, de Nássara, Jaguar faz cartuns que são atração à parte. Mas são as frases e historietas de Rebelo que garantem o sabor da leitura.

Citar algumas vale mais que qualquer opinião: ´Chamam-se morros as montanhas com favelas´; ´Representação política federal -tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado da República é exercida por estrangeiros´; ´Tendências da população -estão ficando perigosíssimas´; e citado no prefácio de Millôr Fernandes: ´Futebol não é diversão. É sofrimento. Sou América´.

O GUIA ANTITURÍSTICO DO RIO DE JANEIRO

Autor: Marques Rebelo

Editoras: Batel/Desiderata

Quanto: R$ 29,90 (120 págs.)

Avaliação: bom’

 

HISTÓRIA
Marcos Strecker

´D. João 6º oficializou biopirataria`

‘Quem se escandaliza com a interminável discussão que hoje se desenrola sobre biopirataria deveria ler ´O Jardim de d. João´, da jornalista e escritora Rosa Nepomuceno. Além de trazer a história do jardim botânico mais famoso do Brasil, a autora mostra como o espaço foi importante para estruturar uma prática comum na época.

Publicado dentro das comemorações dos 200 anos da chegada da família real ao Brasil, o livro mostra como a transferência da corte serviu para criar e multiplicar os hortos de aclimatação essenciais para o desenvolvimento do tráfico de plantas. Os portugueses tinham espiões nos dois grandes hortos franceses (na atual Guiana Francesa e em Maurício, no oceano Índico), cooptando pesquisadores para trazer informações e sementes de especiarias, frutas, resinas, madeira ou plantas medicinais.

´A pirataria sempre correu solta, mas ela se oficializou em 1809, quando d. João 6º mandou invadir a atual Guiana Francesa e levou os portugueses a se estabelecerem na região, entre 1810 e 1817. Inclusive manuais e as técnicas para plantio foram apropriadas´, diz Nepomuceno, que também é autora de ´O Brasil na Rota das Especiarias` (José Olympio).

Produção de chá

Ainda que ´estrangeiras` como a manga já tivessem sido incorporadas, o Jardim Botânico do Rio, destinado em seu início a uma fábrica de pólvora, serviu para inaugurar em solo brasileiro a produção da cânfora, noz-moscada e lichia, entre outras plantas. Também foi o laboratório de produção de chá, quando ainda não se sabia o papel que o café ocuparia na economia nacional. Para isso, em 1814, foram trazidos 300 chineses de Macau.

Nem tudo foram rosas na história do horto. Como aponta a historiadora Isabel Lustosa no prefácio, o jardim conseguiu se preservar até o período regencial, mas foi justamente com o ilustrado d. Pedro 2º que o local foi desfigurado e quase desapareceu.

Ironicamente, foi com o advento da República que o jardim da realeza entrou na sua era mais rica, retomou o papel de pesquisa e sofreu uma guinada, adquirindo status de campo de pesquisa científica que serviu de referência no país e no exterior.

Para a autora, se não fosse a aura que cerca a família real, o jardim não teria sobrevivido. ´Foi a mística de ter sido o jardim de d. João, dos príncipes e de dona Leopoldina que permitiu o milagre da sobrevivência, não tenho dúvida disso.`

O próprio d. João 6º está ligado à planta mais famosa do local, que virou símbolo de status no século 19. Tudo indica que foi ele quem semeou no local a planta mater da palmeira imperial, ícone tipicamente brasileiro de status e poder. Todas as mudas, que depois se espalharam pelo país e ornaram as fazendas do baronato do café no vale do Paraíba e em tantas regiões brasileiras, são descendentes da leva trazida por d. João 6º. Espécie das Antilhas e da Venezuela que foi cultivada pelos franceses em Maurício, a palmeira imperial foi trazida pela lábia de um oficial da Armada Real Portuguesa, que ´subtraiu` 20 caixotes do Jardim de la Pamplemousse. A própria planta do príncipe regente sobreviveu 162 anos, até ser fulminada por um raio em 1972.

O JARDIM DE D. JOÃO

Autora: Rosa Nepomuceno

Edição: Dona Rosa Produções/Casa da Palavra

Quanto: R$ 58 (176 págs.)’

 

INTERNET
Bruna Bittencourt

Spike Jonze é diretor de criação de canal na web

‘Sob o slogan ´salvando-o das garras mortais da TV´, a VBS TV (www.vbs.tv) oferece na web uma programação ousada para os padrões televisivos. Spike Jonze, diretor de ´Adaptação` e ´Quero Ser John Malkovich´, responde pela direção de criação do site-canal, o que dá pistas de sua programação.

Entre seus 20 programas, ´Art Talk` traz conversas com artistas, da videoarte à fotografia; ´Epicly Laterd` mistura esportes radicais e humor; ´Vice Guide to Travel` é um programa de viagem com roteiros nada comuns e ´VBS Meets` já convidou o diretor Michel Gondry para entrevistar a atriz Charlotte Gainsbourg.

Jonze ancora o ‘Spike Spends Saturday With´, que traz o diretor acompanhando alguma celebridade em seu fim de semana. MIA, sua primeira convidada, dançou na rua a pedido do diretor, que encontrou o rapper Kanye West no segundo programa. Jonze não é o único rosto conhecido: ´Dear Diary` conta com a atriz Chloë Sevigny -cada programa é dividido em diversos episódios, o que permite que o canal apresente novidades todos os dias.

Há ainda reportagens investigativas especiais, como ´Toxic Alberta´, sobre a poluição na região canadense de extração de petróleo.

O canal costuma trabalhar com uma equipe de três correspondentes -um produtor, um câmera e um repórter/ apresentador- para reportagens que podem ter como foco a Colômbia ou o Iraque.

Inaugurado em fevereiro, o canal pertence à Viacom (grupo que detém a MTV e a Paramount Pictures, entre outros). Financiado pela MTV, o conteúdo é produzido pela equipe da Vice, revista publicada em mais de 22 países e conhecida por abordar assuntos polêmicos, com um verniz moderno e um tom irônico. A VBS TV funciona ainda como um laboratório para a MTV, que pode exibir qualquer um dos programas em seus canais, como fez a MTV latina, em um intercâmbio entre TV e internet.’

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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