Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

FOLHA DE S. PAULO

25/10/07


Manchete certeira e massacre editorial


Folha, Globo e Estado reproduziram os trechos de mais impacto da entrevista que o governador Sérgio Cabral deu ao site G1 (do grupo Globo). No Estado, não valeu primeira página. O Globo publicou chamada no pé da capa, quase toda ocupada pelo caos provocado pelas chuvas e agravado pela inépcia governamental no Rio. A Folha deu manchete: ‘Para Cabral, fertilidade faz de favela ‘fábrica de marginais’.


Foi uma sábia escolha: a manchete informa uma opinião controversa e convida ao debate. Da chamada deveria constar, no entanto, a fonte da informação, o G1.


Já Cotidiano tem um problema editorial grave. Depois de dedicar a capa à notícia (‘Cabral apóia aborto e diz que favela é fábrica de marginal’), o caderno reserva a página 3 exclusivamente para opiniões contrárias à do governador.


No texto do alto da página, ‘Tese é preconceituosa, afirma socióloga’, a socióloga Julita Lemgruber se pronuncia. Ela diverge de Cabral.


Idem a antropóloga Alba Zaluar, cuja condição de colunista da Folha não deveria ser omitida.


Idem o senador Marcello Crivela.


Idem o ex-governador Garotinho.


Idem o deputado Chico Alencar.


Nenhum, nem só um defensor da tese de Cabral. Eles não existem? O pluralismo é um dos pilares do projeto editorial da Folha.


O segundo texto da pág. 3, ‘Governador é contestado por estatísticas’, é exemplar da atitude de ceticismo que o jornalismo deve manter diante do poder. O jornal comparou o que disse Cabral e o que dizem as informações disponíveis.


O ruim é que, no pacote da unanimidade, foi mais uma contestação a Cabral.


Os mesmos


O então ombudsman Marcelo Beraba escreveu há alguns meses uma excelente coluna dominical em defesa da ampliação do leque de fontes da Folha. Citava determinação da Secretaria de Redação nesse sentido.


Quando o jornal busca opiniões sobre as declarações de Sérgio Cabral, procura Julita Lemgruber e Alba Zaluar. São pesquisadoras sérias, qualificadas e autorizadas. Mas a Folha deveria diversificar as suas fontes.


Já o deputado Chico Alencar se transformou em uma espécie de Tom Zé de Brasília e Rio: pessoa que se ouve sobre os mais variados assuntos.


De Bundinha a guri de merda


É boa, ao contrário do título rimado, a reportagem ‘Jantar do DEM tem bate-boca com Jobim e Walfrido’ (pág. A7). Ela não traz, contudo, a informação mais saborosa, que está no Globo e no Estado: o ministro Nelson Jobim chamou o deputado Rodrigo Maia de ‘guri de merda’.


O gaúcho Jobim lembra a tirada de um conterrâneo, Leonel Brizola, que nos anos 1980 se referia publicamente a um adversário como ‘Bundinha’.


Desigualdade jornalística


A Folha publica, acertadamente, numerosos textos sobre a gravação relatada pela Polícia Federal em que executivos de empresas falam em doação ao PT e sugerem favorecimento em licitação da Caixa Econômica Federal.


O jornal divulga nota da CEF sobre o caso.


A nota, porém, saiu em letra menor do que a dos outros textos. É desequilíbrio editorial. Um erro jornalístico.


Mais: leitores idosos reclamam do tamanho das letras, o que dificulta ou impede a leitura. O corpinho empregado na edição da nota da Caixa torna, para muitos, impossível ler.


Conflito de interesses


A Folha fez bem em ‘recuperar’ furo de ontem do Estado.


Mas a reportagem ‘ANP apura ida de servidores à F-1 a convite de empresas’ (pág. B9) tem uma série de problemas.


A Folha diz: ‘Segundo o ‘O Estado de S. Paulo’, os funcionários da agência receberam circular na última semana detalhando os limites impostos pelo código de conduta da ANP’.


Como assim, ‘conforme’ o ‘Estado’? Quantos funcionários tem a ANP? A Folha não conseguiu por apuração própria confirmar com nenhum deles o recebimento da circular? Depende da investigação alheia para veicular uma informação que, se real, é conhecida por toda a agência?


Outra passagem: ‘A Folha tentou entrar em contato com os dois servidores [suspeitos de aproveitar o jabá de empresas de petróleo], mas nenhum deles foi localizado’.


O ‘Estado’ também não localizou, mas obteve a carta de um deles, Jefferson Paranhos, à ANP.


A Folha afirma: ‘A ANP não informou os nomes dos investigados, o prazo para a apuração das denúncias nem quais são as possíveis punições’.


Pois o Estado informou quais são ‘as possíveis punições’: elas vão de ‘orientação ética –uma espécie de advertência verbal– a exoneração’.


O episódio é mesmo grave, merecedor do alto de página que teve hoje. Por isso a Folha deveria investir na sua elucidação.


Dois pesos


Neste caso, literalmente: a Folha informa que houve deslizamento de cerca de 3.000 toneladas de terra sobre o túnel Rebouças, no Rio.


Globo, Estado e O Dia afirmam que foram 7.000 toneladas.


Tudo como dantes


Nos dias seguintes à tragédia de Congonhas, a Folha publicou uma ótima reportagem mostrando que o Senado aprovara sem uma sabatina rigorosa a indicação dos diretores da Anac.


Como se lê hoje, na ótima reportagem ‘Diretor da Anac é aprovado antes de sabatina’ (pág. C11), os senadores não aprenderam nada com a desgraça.


A primeira página fez bem em destacar.


Senti falta, apenas, da lista integral dos senadores que aprovaram os dois indicados para a Anac.


Idem


Tudo como dantes também no futebol brasileiro.


É muito boa a reportagem ‘CBF veta governo no comitê da Copa’ (pág. D1).


São seus olhos


O título de Esporte é correto: ‘Treinador Romário é eliminado na estréia’ (pág. D4).


O da primeira página é uma impropriedade jornalística: ‘São Paulo sai da Sul-Americana, Romário vence como técnico’.


Quem comemorou no fim não foi Romário, mas seus adversários do América do México. Mesmo ganhando por 1 a 0, o Vasco fracassou, foi eliminado da Copa Sul-Americana.


A manchete da Folha de 26 de abril de 1984 foi ‘A nação frustrada!’, e não que a maioria dos deputados votou a favor da emenda das Diretas.


Cássio versus Cacoff


Das melhores coisas do jornal de hoje é o artigo de Cássio Starling Carlos (‘Cabe à crítica dividir o amor ao cinema’, pág. E7), em resposta ao de Leon Cacoff, publicado ontem.


Eis um bom tema para o Mais!.


Passarelas brancas


Diz a nota ‘Cores reais’ (pág. E2): ‘Depois de dedicar uma capa ao Brasil, a ‘Vanity Fair’ publica carta das leitoras Kristy e Lisa Kundrat, indignadas com os ‘brancos, brancos, brancos’ que aparecem nas fotos. Dizem que já vieram ao país e que as cores do brasileiro são outras’.


Observação minha: as leitoras não têm idéia do que foi a edição de hoje da revista Moda, que circulou com a Folha em parte do país. As cores dos brasileiros, de fato, são outras.


Sobre tema afim, saiu domingo no ‘El País’ a reportagem ‘A passarela as prefere brancas – Cresce o debate frente à discriminação das modelos negras nos desfiles’.


Eis uma boa pauta para a… revista Moda.


Quem avisa amigo é


Os que sofrem com as dores d’alma devem evitar hoje a tira de Laerte na pág. E15.


Medida profilática.


Resposta ao ombudsman


Recebi ontem à noite do editor de Cotidiano, Rogério Gentile, por intermédio da Secretaria de Redação, a seguinte resposta:


Em relação à nota ‘Jornalismo previsível’, da crítica diária de segunda-feira, gostaria de esclarecer que a última vez que o jornal relacionou viagens de helicóptero à F-1 foi em matéria de março de 2002, em Esporte, quando a licença de operação de táxi aéreo dentro do autódromo foi cancelada. Sobre o trânsito de helicópteros nessa época, a última foi em 2000, em Cotidiano.


Comentário do ombudsman


Agradeço a resposta e comento.


Os leitores da Folha não vivem isolados.


É por isso que o jornal do dia não pode apenas repetir o que foi contado na véspera na TV, na internet e no rádio. Deve surpreender com temas, informações, opinião e abordagem. Caso contrário, será previsível.


A overdose de reportagens sobre o acúmulo de helicópteros em São Paulo, fenômeno alçado à condição de símbolo de riqueza e desigualdade social, castiga o jornalismo nacional. E se reflete no internacional, com tantas matérias produzidas mundo afora nos últimos anos.


Uma capa dominical com mais uma reportagem sobre helicópteros me parece jornalismo previsível.


24/10/07


Pensamento único


A reportagem ‘Bovespa eleva preço para estréia de ações’ (pág. B4) só traz uma declaração sobre possível vazamento de informações. É de um executivo da Comissão de Valores Mobiliários. Ele emprega o eufemismo ‘assimetria de informações entre os investidores’ ao se referir ao vazamento sobre a oferta inicial de ações da Bovespa.


Não se ouviu ninguém com opinião diferente. O jornal conta apenas que o mercado ficou incomodado.


A Folha, que preconiza a pluralidade, deveria contemplar manifestações divergentes. Ou seja, de pessoas e instituições que consideram ter havido vazamento.


Em reportagens recentes, sobre remessa de lucros e contas externas, já ocorrera isso: a exposição de apenas um ponto de vista.


O papel do jornal é oferecer aos leitores informações e opiniões que lhes permitam tirar as próprias conclusões. Sem conhecer os juízos existentes, é mais difícil formar opinião.


Furo


É boa a reportagem que rendeu a manchete ‘PF vai investigar ligação entre PT e Cisco’. Ela só foi possível graças à determinação das repórteres para apurar o conteúdo do relatório da Polícia Federal.


Acesso a investigações policiais não cai do céu. Se fosse assim, não só a Folha teria as informações sobre o inquérito. O esforço para saber dos fatos descobertos pela PF e a Receita rendeu o furo do dia, valorizado pela sobriedade do relato.


Onde está Wally?


Como não consegui de primeira, tentei de novo e uma terceira vez. Fracassei.


Parece confuso o quadro ‘O esquema de sonegação de impostos’ (pág. A4).


Um país sem transparência


Desde a sexta-feira a Folha pede, e não recebe da Caixa, informações sobre se a Cisco já venceu licitação da estatal (‘Empresa diz que ato seria inaceitável’, pág. A4).


Na pág. A8, o título do alto é ‘Senado vai manter em segredo gastos dos parlamentares’. É grave o fato, e a Folha fez bem em destacá-lo, inclusive na primeira página. O quadro ‘A divulgação de dados na internet’ é outro bom diferencial.


Complexo de Cahiers


O artigo de Leon Cacoff (‘Não cabe à crítica querer educar o cinema’, pág. E7) é uma das leituras mais interessantes de hoje.


Quanto vale o show


Ao ler a reportagem ‘Paul McCartney faz noite nostálgica em Paris’ (pág. E4), fiquei curioso para saber quanto custaram os ingressos do show para 2.000 espectadores no Olympia.


Só para comparar com os 55 mil postos à venda (de R$ 160 a R$ 500) para a apresentação do ressuscitado Police no Maracanã.


Dá-lhe, Brasil


É impressionante o episódio contado por Joaquim Ferreira dos Santos no Globo, sobre a reação do presidente da CBF à dificuldade de Amarildo, herói da Copa de 62, para entrar no Maracanã no dia do jogo Brasil x Equador.


Conflito de interesses


O Estado traz hoje uma boa história sobre conflito de interesses: ‘Petroleiras bancaram servidores da ANP na F-1’.


Seria interessante saber também se jornalistas aceitaram convites para assistir ao GP em Interlagos.


23/10/07


Uma tremenda reportagem


É uma aula de Brasil a ótima reportagem de Andreza Matais ‘Senado emprega parentes de servidores não concursados’ (pág. A6).


Pena que não tenha merecido registro na primeira página.


A igualmente ótima edição, com as ilustrações nas laterais da página, ajuda os leitores a entender os laços de parentesco.


Impressiona que, em relatos jornalísticos de certa natureza, o sobrenome Sarney esteja tantas vezes presente.


Ações da Bovespa?


O Estado publica dois títulos de alto de página sobre a oferta pública de ações da Bovespa: ‘CVM pode prorrogar venda de ação da bolsa’ e ‘Suspeita de vazamento cerca oferta de ações da Bovespa’.


O Valor também dá dois altos de página: ‘Busca por Bovespa chega a US$ 20 bi’ e ‘Investidor poderá desistir de IPO da Bovespa, diz CVM’.


O Globo (que deu chamada na primeira página, como o Valor) dedica sua página mais nobre de economia para a reportagem ‘Vazamento até da Bovespa’. Antecipa: haverá mais dois dias para o investidor ‘desistir, diminuir ou aumentar a solicitação feita’ (na reserva de ações).


A Folha, que dera destaque ao IPO na fase de notícias promissoras, hoje silencia sobre ele.


Um jornal a serviço da Inglaterra


O ‘Estado’ publica a tabela de classificação do Campeonato Brasileiro (primeira divisão).


‘O Globo’, também.


Idem o ‘Jornal do Brasil’.


Os leitores da Folha não a receberam.


Em compensação, puderam ler a classificação do Campeonato Inglês.


Espelho meu


Manchete da Folha na edição São Paulo/DF: ‘Remessa de lucros piora contas externas’.


Manchete do ‘Estado’: ‘Remessa de lucros piora contas externas’.


Exatamente iguais.


É grave, mas nem tanto


Está errada a chamada da primeira página ‘Concentração de gás carbônico no mundo aumenta 35% desde 2000’.


Como informa corretamente o texto em Ciência (pág. A12), o que cresceu 35% foi o índice anual de aumento da concentração de gás, e não a concentração.


Remissão errada


A chamada de primeira página ‘Presa em MG quadrilha suspeita de adulterar leite’ remete para a pág. C4.


O correto seria C1 e C3.


Na C4, não há informação sobre o assunto.


Notícias de um assassino


A reportagem ‘Acusado de matar Dorothy Stang é condenado a 27 anos’ (pág. A7) não informa quem julgou o assassino, se o júri popular ou o Tribunal de Justiça.


O leitor não é obrigado a saber como se dá um segundo julgamento.


Na primeira condenação, a notícia mereceu chamada na parte superior da primeira página do jornal (domingo 11 de dezembro de 2005).


Hoje, a notícia não foi a principal nem na página em que foi publicada. E não foi para a capa.


Sucessão à chinesa


A reportagem ‘PC chinês indica 2 nomes para suceder Hu’ (pág. A9) faz referência a um ‘Comitê Central do Politburo’.


Não seria o contrário? O Politburo seria órgão do Comitê Central.


Talvez se quisesse dizer, como em outras passagens do texto, ‘Comitê Permanente do Politburo’.


Sem contraditório


A reportagem de capa de Dinheiro (‘Saldo das contas externas cai ao menor nível em 4 anos’), que rendeu a manchete do jornal, não traz a opinião de alguém preocupado com os números anunciados.


O chefe do Departamento Econômico do Banco Central diz que está tudo bem.


Um economista da Tendências Consultoria afirma que não há problemas com a evolução da remessa de lucros.


Os leitores ganham quando a Folha assegura o pluralismo de opiniões, o que não ocorreu hoje, bem como não ocorrera na manchete recente sobre remessa de lucros.


Se está tudo bem, seria o caso de dar manchete?


Não há um só economista que identifique problemas no saldo das contas externas?


A cidade é sua


É boa a reportagem ‘Sé e República já estão abandonadas após reforma de R$ 7,2 mi’ (pág. C6).


Deveria inspirar o jornal a visitar outras obras inauguradas recentemente cuja conservação é ruim.


Tiros


A boa reportagem ‘7 morrem a cada 2 dias em confronto com polícia no Rio’ (pág. C7) é acompanhada de ótima análise, ‘Política de confronto não é novidade’.


Tomo a liberdade de acrescentar: também não é novidade a disposição do jornalismo em servir como divulgador acrítico das versões oficiais das autoridades de segurança pública.


Por sorte, interpretações rigorosas como a de hoje, fundamentadas em apuração jornalística independente, evidenciam o caráter de propaganda de discursos contraditórios com os fatos.


Na suíte com Botín


A boa entrevista com o presidente mundial do banco Santander (‘Na suíte com Botín…’, pág. E2) merecia mesmo a chamada que teve na primeira página.


Resposta ao ombudsman


Recebi da Secretaria de Redação a seguinte resposta à nota ‘Exposição gratuita’, da crítica de ontem: ‘Não escondemos a placa do carro na primeira página porque consultamos o assaltado, que disse não ser necessário’.’