Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Folha de S. Paulo

ELEIÇÕES 2006
Marcelo Coelho

Favas contadas

‘A CAMPANHA de Geraldo Alckmin começou com sérios problemas, entrou em estado crítico e agora, quando parece que não pode piorar, piora mais ainda.

O que aconteceu no Ceará diz tudo sobre a situação. Candidato à reeleição pelo PSDB, o governador Lúcio Alcântara foge de qualquer vinculação com ‘Geraldo’, e tenta associar-se ao nome de Lula.

Imagens de Alckmin não aparecem na propaganda do PSDB cearense. O que aparece são fotos de Lula ao lado do governador.

Um pronunciamento de Lula, com elogios ao tucano, também é divulgado. Ou era, porque a Justiça eleitoral achou demais.

Um tucano querendo se aninhar a Lula? Algo na lei sobre as coligações haverá que impeça tal manobra. Lúcio Alcântara se debate, chama seus advogados, grasna um argumento: a propaganda mostraria apenas sua capacidade de firmar parcerias com a administração federal.

Claro que com isso o eleitor sai confuso, e Alckmin sem saber aonde ir. Mas a lógica política do governador cearense vai além da prestidigitação desesperada. Trata-se, afinal, de dar como certa a vitória de Lula; que cada aspirante a governador, assim, cuide de pensar no próprio futuro.

Em Minas e São Paulo, a situação é ainda mais clara. A julgar pelas pesquisas, dois tucanos assumirão o governo. Qual seria, a esta altura, a vantagem de radicalizar o discurso de oposição a Lula?

A violência verbal contra ‘o governo mais corrupto que já houve na história’ fica então a cargo da periferia extremista do PFL e do PSDB: zona de desespero em que temos o desprazer de encontrar, ao lado de Bornhausen e ACM, a figura de Fernando Henrique Cardoso.

O discurso ‘light’ que Alckmin adotou até agora tem muito a ver, naturalmente, com a própria personalidade do candidato. Acaba sendo conveniente, numa reviravolta irônica, aos setores mais pragmáticos do PSDB. Os governadores terão de conviver quatro anos com Lula.

E Lula, cabe não esquecer, terá de conviver com um Congresso em que o número de parlamentares petistas corre o risco de ser menor do que é agora. Sua proposta de um grande entendimento nacional, que o ajudaria, quem sabe, a se livrar das pressões mais imediatas do baixo clero do Congresso, vai nesse sentido.

O antigo, utópico projeto de convergência entre PT e PSDB não tem garantia de prosperar quando se pensa nas eleições de 2010. A fraqueza de Lula no Congresso, e a força dos tucanos no plano estadual, podem entretanto apontar para uma repartição negociada entre as diferentes esferas de poder. A atitude de Lúcio Alcântara, desse ponto de vista, pode significar mais que o oportunismo a que se resume de fato; talvez indique uma disposição pragmática que, apesar do ridículo das circunstâncias, acaba surgindo como visão de longo alcance.

MARCELO COELHO é colunista da Folha’



CHINA
Folha de S. Paulo

Colaborador do ‘Times’ é condenado

‘Um tribunal de Beijing condenou ontem a três anos de prisão um chinês que fazia pesquisas para o jornal ‘New York Times’. Zhao Yan, 44, um ativista pelos direitos civis, foi detido há dois anos, acusado de divulgar segredos de Estado. O tribunal rejeitou essa acusação, mas o condenou por fraude. Zhao foi preso dez dias após a publicação de um artigo, pelo ‘Times’, que revelava que o ex-presidente Jiang Zemin havia oferecido sua renúncia. O caso despertou atenção mundial, incluindo pedidos do presidente George W. Bush pela absolvição. O veredicto foi dado um dia após a condenação de outro ativista. No início do mês, um advogado defensor dos direitos humanos foi preso. Para grupos de ativistas, há uma ofensiva coordenada contra eles, ordenada pelo presidente Hu Jintao.’



TELEVISÃO
Folha de S. Paulo

Sky e DirecTV definem cotas e concluem fusão

‘Três meses após a aprovação pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) da fusão de Sky e DirecTV, foi anunciada ontem a nova composição acionária da companhia resultante.

Segundo as empresas, a nova operadora funcionará sob o sistema Sky -os assinantes DirecTV deverão migrar para esse sistema. O controle de 74% das cotas da nova sociedade ficará com o DirecTV Group, restando 26% das ações para a Globo.

A nova empresa de TV paga via satélite contará com cerca de 1,3 milhão de assinantes, o equivalente a um terço do total de usuários de TV paga no Brasil.’

Daniel Castro

Ministério veta sexo, armas e drogas às 19h

‘A Globo teve que aceitar uma série de imposições do Ministério da Justiça para poder continuar exibindo antes das 20h a sua novela das sete, ‘Cobras & Lagartos’, que andou apelando a cenas de striptease e violência para aumentar a audiência.

Em despacho publicado ontem no ‘Diário Oficial’, a Globo se comprometeu a eliminar da novela sete tipos de inadequações para o horário livre: ‘conteúdo violento com armas (brancas ou de fogo); atos criminosos com lesões corporais ou contra a vida; nudez; linguagem e/ou gestos obscenos; consumo de drogas ilícitas; consumo excessivo de drogas lícitas e insinuação de sexo’.

Foi a mais ampla intervenção do Departamento de Classificação Indicativa no conteúdo de uma novela. A Globo, a contragosto, teve de aceitá-la, porque já tinha recebido três notificações do ministério e o próximo passo seria a reclassificação para as 20h ou 21h.

O ministério abriu processo contra a novela logo no capítulo de estréia. O despacho de ontem lista nove inadequações veiculadas pela emissora (como assassinato e palavreado chulo) e avisa que continuará monitorando a novela e que ‘promoverá a imediata reclassificação’ caso o termo de compromisso seja descumprido.

A Globo, oficialmente, afirma que já realizou adequações no conteúdo de ‘Cobras e Lagartos’ e que respondeu às notificações do ministério.

MORDAÇA 1 Para não ser acusado de favorecer ilegalmente uma candidatura, o autor de ‘Páginas da Vida’, Manoel Carlos, decidiu ontem mudar a personagem de Renata Sorrah, que seria uma juíza, segundo ele próprio, inspirada na hoje deputada Denise Frossard, candidata à reeleição.

MORDAÇA 2 Tereza, a personagem, será agora uma procuradora de Justiça. Ela aparece pela primeira vez na novela hoje, de mudança para o prédio de Helena (Regina Duarte). Não houve necessidade de regravação de cenas.

DEFLAÇÃO A Record promoveu anteontem um pouco concorrido leilão beneficente. Uma palestra de Roberto Justus, que, segundo ele mesmo, custa R$ 50 mil, foi vendida por R$ 31 mil.

ASSÉDIO TOTAL A Record fez uma proposta para tirar Taís Araújo da Globo. Ofereceu a ela papel de protagonista de sua próxima novela das oito. Taís não aceitou.

BOLA EXCLUSIVA A ESPN Brasil renovou por mais três anos os direitos de transmissão do campeonato espanhol de futebol. Por enquanto, só o canal exibirá o torneio. A Band não conseguiu fechar acordo para mantê-lo.

TESTE ELETRÔNICO Espalhou como uma bomba atômica pelas TVs a história do diretor de ‘Zorra Total’ que foi acusado por uma suposta atriz de exigir sexo em troca de trabalho de figuração no programa. Cópias de e-mail com fotos pornográficas do diretor (demitido pela Globo) estavam requisitadíssimas ontem.’

Lucas Neves

Série do Canal Brasil revisita época da pornochanchada

‘Matilde Mastrangi só consentiu com a exibição depois de aprovar a versão final. David Cardoso se emocionou ao falar sobre censura. José Mojica Marins, o Zé do Caixão, contou que rodou um filme de zoofilia para financiar um projeto ainda hoje não-concluído. Já Vera Fischer simplesmente ignorou os pedidos de entrevista.

Os relatos desse time heterogêneo -que reúne ainda atores como Carlo Mossy e diretores como Cláudio Cunha- serviram de base para a série ‘Foi Bom pra Você, Benzinho?’. O programa, que estréia à 1h30 de hoje no Canal Brasil, analisa a transição da pornochanchada para os filmes de sexo explícito, entre o início dos anos 70 e o fim dos 80.

A apresentadora Simone Zuccolotto, 32, que também assina roteiro e direção, diz que a idéia surgiu após a exibição de ‘Oh! Rebuceteio’, único título de sexo explícito que o canal tem no acervo. ‘Foi uma comoção. As pessoas pediram para reprisar. Decidi então começar uma pesquisa sobre o gênero.’

Um ano de cinefilia, garimpagem acadêmica e entrevistas resultou na constatação de que há impressões muito díspares sobre o período, ‘por esquecimento voluntário ou não’. Orçamento e bilheteria das produções são pontos de atrito. ‘Quem não mamava nas tetas da Embrafilme (que financiava fitas e contabilizava arrecadações) se ressente’, diz Zuccolotto.

O rol dos entrevistados acometidos por ‘esquecimento voluntário ou não’ inclui atores e atrizes que deram vida a personagens com pouca roupa e invejável apetite sexual? ‘A maioria se sente estigmatizada. Eles não se arrependem, mas tampouco sentem saudades’, afirma a apresentadora.

Em termos artísticos, ela acredita que a pornochanchada tenha legado pouco ao cinema brasileiro. ‘Mas foi o único momento em que se chegou perto de criar uma indústria de cinema nacional’, diz Zuccolotto.’



HQ
Eduardo Simões

Faça amor, não faça guerra

‘Em ‘V de Vingança’, o quadrinista britânico Alan Moore, 52, numa crítica ao Reino Unido de Margaret Thatcher, retratou o que aconteceria a Londres se um misterioso mascarado usasse técnicas terroristas para combater um regime totalitário. Mais de 20 anos depois, Moore abandona a retórica agressiva, se volta ao quadrinho erótico e propõe: ‘Faça amor, não faça guerra’.

No fim de julho, ele lançou nos EUA ‘Lost Girls’, ‘graphic novel’ em que promove o insólito encontro de três personagens infantis já adultas: Alice, do País das Maravilhas; Dorothy, de Oz; e Wendy, da Terra do Nunca, numa HQ assumidamente pornográfica, ainda sem previsão de chegar ao Brasil.

‘Em muitos sentidos ‘Lost Girls’ é mais eloqüente do que os outros livros que fiz. Ele é tanto pró-sexualidade e liberdade de expressão quanto fortemente antiguerra. Fala das maravilhas da imaginação sexual e também retrata a guerra como a ausência absoluta e fracasso da imaginação. A imaginação é algo que cria arte e beleza. A guerra destrói a arte e a beleza’, diza Moore em entrevista, por telefone, à Folha.

‘As guerras destroem não somente belos edifícios, mas dizimam milhões de jovens e alguns deles poderiam se tornar poetas, escultores, pintores, grandes artistas. ‘Lost Girls’ é pornografia, mas também pode ser um recado importante, especialmente para os EUA.’

Mix de moças

Moore levou 16 anos para finalizar ‘Lost Girls’. Há tempos ele acalentava a idéia de dar contornos eróticos a Wendy, pois via uma conotação sexual em ‘Peter Pan’: ‘Há muitas cenas de vôo no livro, e Freud dizia que sonhos de vôo são sonhos de expressão sexual’.

A idéia de reunir Wendy, Dorothy e Alice só surgiu depois que Moore conheceu Melinda Gebbie, artista da cena de quadrinhos underground da Califórnia, apresentada a ele pelo amigo comum Neil Gaiman, autor da série ‘Sandman’. Hoje namorada de Moore, Gebbie ilustrou o livro, que tem cenas de sexo em quase todas as suas 400 páginas.

Juntos, o casal estabeleceu idades imaginárias para as personagens, baseadas nos anos em que foram publicados os livros originais. Com isso, Alice seria a mais velha, Dorothy, a mais jovem, e Wendy, a do meio. Quando procuraram uma época em que nem Alice seria muito velha, nem Dorothy muito nova, acharam um período ‘bastante explosivo’, entre 1913 e 1914.

‘Poderíamos ter a Primeira Guerra e a primeira apresentação de ‘A Sagração da Primavera’, de Igor Stravinski, na ópera em Paris, como pano de fundo para nossa história colorida. Percebemos que as personagens seriam perfeitas porque queríamos falar da imaginação especificamente a sexual. E não há personagens melhores, ou mais conhecidas, do que elas. A maioria de nossos leitores já leu quando criança. Eles terão ligação emocional também.’

Gebbie conta que evitou retratar o sexo de maneira ‘clínica’. Evitando contornos escuros, deu às personagens um ar onírico. Moore quis fugir, na forma e no conteúdo, do convencional, para criar algo ‘poderoso e sexy’ -com direito a sexo grupal.

‘Tentamos uma exploração da imaginação sexual. Mas não queríamos apelar apenas à imaginação dos homens heterossexuais, para os quais a maior parte da pornografia se dirige. Queríamos nos voltar para o material erótico produzido durante os períodos eduardiano e vitoriano, que era mais polimorfo. Assim, decidimos que o livro teria um apelo maior para as mulheres. Nós queríamos uma pornografia que se voltasse para diferentes sexualidades. Não podemos afirmar que somos tão abrangentes, mas tentamos abordar tantos gostos sexuais quanto possível.’

Direitos

O empréstimo de personagens de outros autores é comum na bibliografia de Moore, que agora prepara mais um livro da série ‘A Liga Extraordinária’. No entanto, a licença poética com os personagens de Lewis Carrol (Alice), John Barry (Wendy) e Lyman Frank Baum (Dorothy) vai esbarrar na questão dos direitos autorais de ‘Peter Pan’ no Reino Unido. O hospital Grear Ormond Street, que detém os direitos sobre a obra de John Barry lá e na Europa, já divulgou nota em que considera seu uso ‘inapropriado’.

Moore defende-se dizendo que ele e Gebbie tomaram ‘muito cuidado’ para serem fiéis aos personagens. ‘Nossa Alice ainda tem bastante de sua curiosidade e do surrealismo de Carrol. Wendy é muito como a moça de classe média criada por Barry. E Dorothy tem muito do senso aventureiro e ousado da heroína original. Não sugiro que os autores pretendiam um viés sexual em suas histórias. Mas, como todos autores de fantasias, eles tiraram seu imaginário do inconsciente. Seria estranho se não houvesse símbolos ou imagens que não tivessem interpretação sexual em potencial, não?’’



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‘Indústria americana rouba criadores’

‘A editora Via Lettera acaba de lançar no Brasil o quarto volume da série ‘Watchmen’, HQ que injetou força literária nos quadrinhos. Moore, no entanto, não quer falar sobre a obra: ‘É propriedade roubada’, diz, referindo-se aos detentores dos direitos internacionais. ‘Desculpe se pareço amargo, mas não tenho nenhuma conexão com ela.’

Os atritos de Moore com a indústria da HQ começaram nos anos 80. Com a DC Comics, por problemas no pagamento de direitos autorais e ‘censura etária’ a ‘V de Vingança’; com a Marvel, pois a gigante forçou a mudança do título da HQ ‘Marvelman’ para ‘Miracleman’, nos EUA. O quadrinista acusa a indústria americana dos quadrinhos de ‘roubar os criadores’. ‘É como eles faziam negócios desde os anos 30, quando muitas das companhias foram criadas por gângsters’, conta Moore. ‘Quando o álcool era proibido, muitos contrabandistas achavam que seria bom negócio ter editoras no Canadá. Lá não havia lei seca. Assim, os caminhões poderiam trazer para os EUA, além das revistas, bebidas alcoólicas no fundo. Todos os personagens americanos de HQ foram efetivamente roubados dos criadores. Isso aconteceu com ‘Watchmen’ e ‘V de Vingança’.

A briga de Moore com a indústria do HQ se estendeu a Hollywood. Após a estréia do filme ‘A Liga Extraordinária’, ele decidiu associar mais seu nome ao cinema. ‘No começo ficava contente de receber o dinheiro e não ter muito a ver com o filme. Queria que saísse algo bom, mas inevitavelmente era uma distorção.’’

Pedro Cirne

Alan Moore leva sexo a ícones infantis

‘Alan Moore é considerado um dos maiores roteiristas de quadrinhos da atualidade. Quando escreve, não busca apenas uma boa história.

Foi ele quem iniciou a desconstrução do gênero dos super-heróis. Publicada de 1986 a 87, a minissérie ‘Watchmen’ apresentou personagens que não eram só bons ou só maus. Depois de Moore, os super-heróis jamais seriam os mesmos.

Agora, Moore cria uma história erótica em quadrinhos: ‘Lost Girls’ (garotas perdidas), homenagem aos livros ‘Aventuras de Alice no País das Maravilhas’, ‘Alice Através do Espelho’, ‘Peter Pan’ e ‘O Mágico de Oz’.

Muitos leitores poderão dizer que não se trata de uma homenagem, mas de ofensa: a Alice, a Wendy e a Dorothy desses livros são bem diferentes das que conhecemos.

A história começa quando três senhoras se conhecem em um hotel na Áustria de 1914. Elas ficam amigas, tornam-se amantes e confidenciam experiências sexuais.

O tornado que teria levado Dorothy ao reino mágico de Oz na verdade fez com que ela se masturbasse pela primeira vez. Peter Pan, quando conheceu Wendy, tirou a virgindade da menina enquanto os irmãos dela masturbavam-se um ao outro. E Alice foi estuprada pelo melhor amigo do pai. As revelações não param por aí: sexo oral, surubas, sexo com animais.

Moore busca repetir o que fez com os super-heróis: quebrar tabus. Por isso optou por protagonistas que remetem à infância e à pureza. Depois dele, a literatura erótica jamais será a mesma. Ao menos é esse o objetivo.

LOST GIRLS

Autores: Alan Moore e Melinda Debbie

Editora: Top Shelf

Quanto: US$ 75 (R$ 161, em média, a caixa com os três volumes)’



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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

Carta Capital

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