Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Fontes e jornalistas frente a frente

‘Quando o outro entra em cena, nasce a ética’ (Umberto Eco)

O jornalismo vale-se dos conflitos, da diversidade de ideias, da variedade de opiniões, da multiplicidade de interesses e da complexidade das relações humanas, atributos protagonizados pelas fontes jornalísticas e percebidos pelo público pela notoriedade, surpresa, utilidade, dramaticidade, pelo suspense, conhecimento e inusitado. Pois as ‘interações do jornalista com a fonte envolvem conflitos e acordos inevitáveis, porque a interlocução é viva, interessada’ (Chaparro, 2001, p. 43).

As fontes empresariais e institucionais, principalmente, primam pela precisão técnica, pelo rigor dos dados, pela narrativa unilateral e evitam notícias sobre discussões em curso. Segundo Christofoletti (2008, p. 48), ‘a fonte acredita que sua versão não será distorcida ou pervertida. O profissional crê que as falas de seu entrevistado estão próximas do que efetivamente ocorreu’ e torna público o momento transitório para que a sociedade interfira no debate.

No afã de fazer revelações de impacto, a mídia atropela alguns limites, em nome de um suposto interesse público, que ela mesma estabelece. Sobrepõe direitos, imagem e reputação, sem resguardar a idoneidade das organizações, ainda que ‘a liberdade de imprensa e o dever de informação do público não autorizam tudo’ (Cornu, 1999, p. 83). Por conta disso, as fontes assumem uma posição de cautela e tentam reagir.

Corrida contra tempo e espaço

As suas reações podem parecer equivocadas, surpreendendo o processo tradicional de apuração, como ocorreu no Blog da Petrobras (2009), Fatos e Dados, ao postar as perguntas dos repórteres e as respostas da estatal, antes da veiculação pela imprensa, o que se considerou ‘vazamento’ de informações obtidas pelos jornalistas e quebra de confiabilidade. Essa estratégia foi inicialmente adotada em 2002, nos Estados Unidos (EUA), em que o Ministério da Defesa publicava todas as entrevistas importantes do secretário Donald Rumsfeld no blog DefenseLink, antes da veiculação na imprensa (Gillmor, 2005, p. 78).

As fontes defendem a liberdade de expressão e de imprensa, mas ainda não assimilam nem aprenderam a conviver com o jornalismo crítico e investigativo. Cornu (1999) lembra que os jornalistas desempenham um papel cívico, mas nem sempre as investigações são transparentes perante o público, tampouco para as fontes. Os jornalistas utilizam um recurso de linguagem, notadamente o futuro do pretérito, como condicional – suposto, envolvido –, para indicar incerteza, se proteger e expor pessoas. O público assimila essa suposição como fato consumado.

Em geral, as fontes reclamam que os repórteres deturpam as suas declarações e os fatos, que pinçam frases fora do contexto. Os jornalistas defendem-se alegando subordinação a um regime de pressa, de corrida contra tempo e espaço, o que os faz incorrer em erros e distorções, raramente premeditados. Argumentam, a exemplo da Folha de S.Paulo (2010, p. 14), que este é ‘o preço a pagar para que a sociedade possa usufruir um valioso patrimônio público, a livre circulação de informações e ideias’.

Os direitos das fontes

Inspirado no código de relacionamento das fontes com a mídia do Centro Nacional de Vítimas da Imprensa, com sede em Forth Worh, no Texas, EUA, o Instituto Gutenberg (1995) realizou uma pesquisa com 149 fontes de notícias no Brasil, entre banqueiros, empresários, administradores de empresa, comerciantes e profissionais liberais, que se acham no direito de recusar uma entrevista (94%), escolher um porta-voz (85%), indicar a hora e o local da entrevista (93%), recusar um determinado repórter (79%), desistir da entrevista marcada (55%) e decidir não ser fotografado (90%).

A referida pesquisa revela ainda que as fontes se rogam o direito de não responder questões que acharem impróprias ou desrespeitosas (81%), conhecer a pauta com antecedência (90%), mudar suas declarações (52%), ler suas declarações antes da publicação (86%), obter retificação (97%), processar por injúria, calúnia ou difamação (95%), expulsar jornalista por invasão de ambiente privado (92%), conhecer a identidade de quem o acusa (89%) e omitir os fatos (65%). Mas, em geral, os jornalistas não aceitam as condições das fontes, sendo que 93% nunca ou raramente concordam que vetem as perguntas antes da entrevista ou escolham o entrevistador; 83% não admitem a revisão do conteúdo antes de publicar, de acordo com Barber e Damas (2010), que pesquisaram durante quatro anos os dilemas éticos dos jornalistas de Madri.

A qualidade jornalística depende igualmente das fontes, quando fornecem informações personalizadas, corretas, precisas e de fácil entendimento. Duarte e Fonseca Júnior (2010) apontam, por outro lado, os erros mais comuns das fontes: querer ser notícia sempre, desconhecer a forma de atuação da imprensa, agendar eventos ou entrevista em horários incompatíveis com a produção jornalística, ser prolixo, conduzir a entrevista para assuntos irrelevantes, ser subjetivo, deixar perguntas sem respostas, demorar no retorno ao jornalista e pedir para ler o texto.

O direito de resposta

Mesmo quando a fonte se esmera e os erros persistem, ela pode exigir a retificação. Aliás, a revisão de uma informação incorreta configura-se em regra elementar do trabalho jornalístico. ‘A notícia pode ser desmentida, corrigida, completada… por pessoas implicadas, peritos, testemunhas, colegas’ (Cornu, 1999, p. 84), porque as suas bases de certeza e a pretensão à verdade são frágeis. Afinal, não há veículo nem jornalista que não erra; os sérios e rigorosos distinguem-se dos outros ao reconhecerem os erros. Alguns veículos reservam um espaço para as correções, explicitando o equívoco cometido, e admitem o direito de resposta.

No Brasil, com a revogação da Lei de Imprensa pelo Supremo Tribunal Federal em 2009, as pessoas e organizações envolvidas ou mencionadas injustamente em matérias jornalísticas podem recorrer à legislação do Código Civil (2002), enquanto não se aprova o projeto da nova lei de imprensa, em tramitação desde 1995 no Congresso Nacional, que regulamenta, entre outros, o direito de resposta e o sigilo de fonte, cujo texto preliminar mantém praticamente os mesmos vícios e inconsistências da extinta lei.

A retificação está relacionada indiretamente ao direito de resposta. Indireta, porque não se vincula à verdade, mas à defesa de quem se sente atingido, ou seja, ‘o direito de alguém apresentar a sua própria versão dos fatos’ (Cornu, 1999, p. 85). Dessa forma, o direito e a deontologia colidem. Raramente um jornalista perde um processo judicial, beneficiado pela presunção da convicção, lentidão da justiça e sua rápida prescrição. Quando a fonte ganha ou perde, torna-se antipática perante a categoria jornalística, e a publicação da sentença nunca é redigida nem editada seguindo as técnicas do jornalismo, mas num linguajar jurídico enfadonho para o público, agravado pelo retorno ao tema desagradável à fonte, e nada resolve junto à opinião pública nem restaura a sua credibilidade, sendo condenada ao ostracismo. Portanto, há ‘dúvidas sobre a eficácia de qualquer direito de resposta’ (Nogueira, 1999, p. 43).

Sigilo de fonte

A regra básica da informação está na citação explícita da fonte, e o jornalista deve, primeiro, convencer o interlocutor a assumir o que diz. ‘Se esse esforço for inútil, a fonte pode obter a garantia do sigilo, mas sob a condição da confirmação das informações fornecidas’ (Cornu, 1999, p. 87). Por isso, para O Globo, ‘informação não confirmada não merece publicação’ (Garcia, 1996, p. 88), enquanto para O Estado de S. Paulo, se ‘o informante é da mais absoluta confiança’, publica-se (Martins, 1997, p. 23). O sigilo protege explicitamente a fonte, ou seja, ‘o jornalista que recebe informações a título de confidencial é autorizado pela deontologia a servir-se delas, desde que se não revele a sua origem’ (Cornu, 1999, p. 86).

Várias questões éticas envolvem a relação de jornalistas com as fontes sigilosas. O repórter deve proteger a identidade do informante? Até onde vai essa proteção? Como saber quando fontes inescrupulosas usam o sigilo para difamar, caluniar e espalhar boatos? Será que os repórteres utilizam o recurso de fontes sigilosas para dar suas próprias opiniões? Enfim, ‘é direito do jornalista resguardar o sigilo de fonte’, contempla o código de ética dos jornalistas brasileiros (Fenaj, 2008). No Brasil, não há norma jurídica que imponha a quebra do sigilo. Ampara-se na Constituição Federal (Brasil, 2010), que resguarda ‘o sigilo de fonte, quando necessário ao exercício da profissão’ (artigo 5º, inciso XIV). Entende-se que o jornalista, ao omitir a fonte, assume o que foi revelado por ela, respondendo civil e criminalmente.

Outra questão delicada é a relação de amizade e afetiva entre jornalistas e fontes, que pode provocar conflito de interesse. ‘Jornalista deve ser uma pessoa de poucos amigos’, aconselha Noblat (2006, p. 126). O Globo considera o excesso de intimidade entre seus profissionais e as fontes uma armadilha: ‘passa-se com facilidade, sem perceber, da cordialidade para a cumplicidade’ (Garcia, 1996, p. 11). Igualmente, a Folha de S.Paulo (2010, p. 28) recomenda ‘não alimentar uma excessiva intimidade com suas fontes’.

Invasão de privacidade

O respeito à dignidade humana e a proteção à honra estão igualmente contemplados no direito civil e na deontologia dos jornalistas, prevalecendo as obrigações legais, embora conste da ética profissional com o propósito de ‘preservar os jornalistas dos rigores da lei’ (Cornu, 1999, p. 92). Já o direito ou a invasão de privacidade ‘está no cerne dos códigos de deontologia da imprensa, em todo o mundo’ (Cornu, 1999, p. 92) e trata da vida íntima, privada e pública. Na intimidade, o que acontece é velado e comunicável somente por iniciativa dos envolvidos. Na esfera privada compartilham-se os fatos e eventos com um número restrito de pessoas, logo, não são secretos, embora não se tenha a intenção de tornar público. Ao contrário da esfera pública, que, além de ser do conhecimento de todos, pode-se divulgar sem autorização.

Mesmo que esses três círculos sejam claros na teoria, torna-se complexa a sua delimitação na prática, variando conforme as pessoas e as circunstâncias. Em geral, os entendimentos de vida íntima e pública são consensuais. Mas quanto à privacidade, há opiniões, não consenso. Para alguns, quem se expõe em lugar público perde a privacidade; para outros, mesmo as aparições públicas são privadas, quando não ficar caracterizado um fato notório de interesse ou interferência pública. O Globo concebe que ‘cidadãos que têm vida pública perdem, por isso, pelo menos parte do direito à privacidade’ (Garcia, 1996, p. 86).

Na hora de obter as informações, os procedimentos considerados ilícitos que geram maior conflito são: usar disfarce ou se identificar com outra profissão e não a de jornalista, utilizar microfone ou câmara oculta, gravar sem avisar e entrar em ambientes privados sem autorização. Para 42% dos jornalistas madrilenos podem-se usar excepcionalmente estes recursos, sendo que 5% aprovam e 53% reprovam, conforme Barber e Damas (2010, p. 79-80), ao verificar que ‘todos reconhecem ser um assunto muito delicado, mas que, em caso de denúncia pública, os fins justificam os meios’.

‘Reputação, credibilidade e sensibilidade’

Em geral, os veículos não admitem forjar documentos para a realização de reportagens, embora aprovem a falsa identidade. ‘Eventualmente, os profissionais serão autorizados a recorrer a situação ou nomes fictícios, desde que o artifício se destine à comprovação de ato ilícito’ (Zero Hora, 1994, p. 16). O jornalista, investido de mediador, credencia-se ‘a estar onde o público não pode estar, e por isso pode obter as informações de que esse público (supostamente) necessita’, observa Moretzsohn (2007, p. 146), lembrando que, pelo acesso ser obstruído, ‘o jornalista se acha no direito de utilizar outros procedimentos que não os convencionais para alcançar a informação, sempre aludindo ao argumento de que está agindo no interesse da sociedade’.

As fontes queixam-se das perguntas impertinentes. ‘Repórteres, meu senhor, são pessoas que perguntam’, frase atribuída ao repórter Acácio Ramos, por Dantas (1997, p. 9), e que ‘serviu de resposta a um figurão irritado com a insistência do repórter em perguntar’. Noblat (2006, p. 71) lembra que ‘não há perguntas inconvenientes. Pode haver respostas inconvenientes’. Trata-se de um processo elementar da entrevista jornalística, para ‘que a fonte diga mais do que estaria espontaneamente disposta a revelar’ (Cornu, 1999, p. 273). Afinal, segundo Bucci (2000, p. 42), jornalismo é em si mesmo a realização de uma ética e não consiste em publicar ou não o que os outros querem esconder e, muitas vezes, ‘é descobrir segredos que não se quer divulgar’. Estas questões estão relacionadas ao exercício da independência dos jornalistas e da confrontação de ideias. ‘É que sem confronto não há notícia, e a maioria das fontes e entrevistados não entende isso’ (Barbeiro, 2008, p. 32).

Se o repórter é um ‘ser que pergunta’, a fonte, um ‘ser que dá respostas’. E ‘pode responder mentindo, omitindo, dissimulando, com raiva ou irritação, pode mesmo esquivar-se com um ’nada a declarar’, que, entretanto será sempre uma resposta’ (Moretzsohn, 2007, p. 137). É da função do jornalista duvidar das respostas, o que pode variar conforme o tipo de fonte. Por exemplo, 27% dos jornalistas confiam nas respostas dos empresários, sendo que a confiança nos cientistas aumenta para 93%, já nos políticos cai para 11% e nos dirigentes esportivos para 8% (Barber e Damas, 2010). Busca-se, portanto, a fonte de qualidade, ‘aquela que acumula reputação, credibilidade e sensibilidade para o interesse público’, idealiza Barbeiro (2008, p. 27).

À beira da promiscuidade

Max Weber (2004, p. 47), embora discordasse e reconhecesse a importância da profissão, observava em 1919 que ‘o jornalista pertence a uma espécie de párias que a sociedade julga a partir de seus representantes mais indecorosos’. Desse ângulo, percebe-se que o relacionamento dos jornalistas com as fontes é marcado por algumas promiscuidades, acentuadas no jornalismo de economia e negócios, pelas suas relações com o poder econômico. Aliás, esse intercurso sucede-se desde os primórdios, quando o jornalista Ivy Lee começou a orientar empresários americanos no relacionamento com a imprensa, no início do século 20, fazendo o ‘jogo sujo. Sujou o jornalismo com o emprego duplo, a propina, os favores, os almoços, os brindes, as viagens’ (Chaparro, 2001, p. 48).

As arrogâncias e chantagens encontram-se em ambos os lados. A começar pela demonstração de poder da profissão, em que alguns jornalistas utilizam o expediente do ‘carteiraço’, como forma de obter vantagens pessoais, intimidar ou ameaçar as fontes, que se inquietam pela empáfia onisciente, a força de seus questionamentos, a informação a qualquer preço e o poder de tornar público a versão imprevisível de um fato ou evento. Das fontes vertem perfídias na ânsia de plantar notícias, releases mentirosos, querer somente divulgação favorável, barrar notícias, dar respostas evasivas, retaliar com corte de verba publicitária, esconder-se dos fatos como avestruz etc. (Barbeiro, 2008; Bueno, 2005).

Para dissolver essas inconveniências, ocorrem os assédios. Kucinski (2005) aponta uma série de práticas que depõem contra a ética no jornalismo, entre elas a aquisição de automóveis diretamente das montadoras. Aliás, os jornalistas que cobrem este setor recebem viagens, estadias e carros para testar por um longo período e, ao final das provas, podem adquirir o veículo por um preço bem abaixo da tabela. Às vezes, as viagens não são para as fábricas, mas para destinos turísticos onde sabidamente não está a indústria que convida. Nessas viagens as mordomias incluem passagens, estadias, almoços e jantares, passeios, brindes e agrados de todo tipo. Em geral, os meios de comunicação aceitam o custeio de viagens para acompanhar autoridades e fazer coberturas especiais. Alguns, como a Folha de S.Paulo (2010, p. 42), informam ‘que o jornalista teve suas despesas pagas pelo patrocinador’.

Outros mimos são os brindes, presentes, descontos especiais, bem como ingressos para shows, peças de teatro e jogos esportivos concedidos a jornalistas para o seu entretenimento. Duarte e Fonseca Júnior (2010, p. 355) indicam cuidados: ‘a oferta de brindes pode ser simpática, mas as circunstâncias devem ser analisadas’, e recomendam oferecer ‘algo da própria empresa, que não possa sugerir tentativa de cooptação’. O jornal Zero Hora (1994, p. 14) recomenda que seus jornalistas paguem suas despesas, ‘desde que não configure um gesto deselegante ou resulte em constrangimento para quem formulou o convite’.

Os prêmios reconhecem e estimulam a excelência dos trabalhos jornalísticos. Mas Christofoletti (2008, p. 112) questiona: ‘é certo fazer reportagens sobre determinados assuntos apenas para disputar prêmios de jornalismo?’ Afinal, proliferam os prêmios que excitam ‘exatamente os jornalistas jovens mais ambiciosos a escreverem sobre os temas de interesse dos grandes grupos econômicos e frequentemente sobre a ótica desses grupos’, alerta Kucinski (1996, p. 180), que considera isso uma das formas sutis de cooptar jornalistas. ‘Esses prêmios são fortes indutores da pauta jornalística e determinam a ocupação dos espaços a partir de interesses de empresários’ (Kucinski, 2005, p. 60). Mas, segundo os veículos, como o jornal Zero Hora (1994, p. 19), ‘os prêmios devem ser mera consequência da qualidade do trabalho’.

Os anunciantes e patrocinadores influenciam nos conteúdos editoriais, embora possam obter destaque pelo mérito de valor de notícia que portam. A propaganda submete o jornalismo às suas imposições, ‘obrigando-o a relativizar seu compromisso com a verdade e com o interesse público’, destaca Marshall (2003, p.115). No entanto, os veículos sérios não atrelam o conteúdo editorial ao investimento publicitário. Mas, a pesquisa de Barber e Damas (2010), entre jornalistas de Madri, revela que para 87,5% a propaganda e o patrocínio têm bastante ou muita influência na editoria de economia, sendo que o percentual reduz para 55% na editoria de geral.

Do ponto de visa ético, considera-se condenável a prática do duplo emprego, trabalhando simultaneamente na imprensa e para outros tipos de organizações. Embora banido da grande imprensa, ainda persiste, como vestígio da extinta Lei de Imprensa (1967) e da regulamentação da profissão de jornalista (lei 972, de 1969), que admitem o acúmulo de emprego, acatado e defendido pelos jornalistas brasileiros. Mas para 66% dos jornalistas de Madri, segundo Barber e Damas (2010), isso é incompatível com a atividade nas redações. Alguns veículos, a exemplo de Zero Hora (1994), proíbem seus jornalistas de manter vínculo empregatício fora da empresa, e a Folha de S.Paulo (2010) admite, desde que em atividades acadêmicas, culturais e voluntárias.

O pagamento a jornalistas ou aos veículos para publicar notícias favoráveis configura-se uma prática inadmissível, conhecida como ‘jabaculê’ ou ‘jabá’, que tem raiz histórica no jeton, subsídio financeiro para a cobertura de eventos pelos repórteres, a quem eram fornecidas informações, como forma de cooptação, ‘quer pela exclusividade do acesso, quer por favores e privilégios que, de forma mais ou menos explícita, completavam seus salários’ (Lage, 2001, p. 50), prática que vigorava desde o Estado Novo, do presidente Getúlio Vargas, que criou em 1939 o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), até meados do século 20. No entanto, o ‘jabá’ perdura, principalmente nos pequenos veículos do interior, mas também na grande imprensa, disfarçado de ‘informe publicitário’.

Aliás, as reportagens pagas constituem-se uma prática danosa ao jornalismo. Mesmo travestidas de ‘publieditorial’, ‘mensagem publicitária, portanto paga, que tem a cara de reportagem, de matéria jornalística’, traduz Bueno (2005, p. 74), ludibriam o público ao agregar a credibilidade do jornalismo a um anúncio publicitário, portanto, ‘à promiscuidade existente entre informação e propaganda’ (Marshall, 2003, p. 41). Nesse caso, as questões éticas envolvem o anunciante e o veículo, que não se imunizam ao publicar, de forma imperceptível, expressões como ‘publieditorial’, ‘informe publicitário’, enquanto se recomenda uma nítida separação entre editorial e publicidade, afinal a ‘transparência e a ética não têm preço. O ‘publieditorial’ caminha para ser o esgoto’ do conluio entre a mídia e as fontes (Bueno, 2005, p. 76) e merece uma purgação.

Segundo Barber e Damas (2010, p. 87), para 90% dos jornalistas da capital espanhola, nunca se deve pedir compensações financeiras de fontes; para 9%, às vezes. Cerca de 80% acham inaceitável receber presentes de valor acima de 500 reais, enquanto 78% aceitam brindes promocionais, ingressos (76%), almoços ou jantares (66%) e viagens para acompanhar as fontes (63%). Os autores alertam que quem aceita estas vantagens são, predominantemente, jovens sem título universitário, aqueles que trabalham em portais na internet, produtores e auxiliares da redação, notadamente as mulheres.

Considerações finais

As relações humanas e organizacionais passam por uma redefinição de poderes na sociedade, com reflexos no jornalismo, por essência um espaço de confrontação de ideias, que adquire uma nova dimensão quando se trata de ética. Acirram-se ainda mais as forças antagônicas na defesa de ideários e interesses. De um lado estão as fontes, produzindo e oferecendo notícias genuínas, e, de outro, os jornalistas e sua convicção em relatar os fatos que reflitam a realidade.

As fontes agem proativamente nas suas interferências no espaço público, a mídia. Elevam a comunicação com seus públicos ao patamar estratégico. Seus propósitos estão vinculados à valorização de sua imagem e à consolidação de uma reputação ilibada. Para buscar credibilidade e admirabilidade de seus públicos – a propaganda não basta, por ser unilateral –, as fontes encontram no jornalismo, por ser polifônico, um espaço para legitimar os seus discursos.

Por outro lado, os jornalistas nivelam o ethos jornalístico à produtividade e à competitividade. Seus objetivos estão alinhados às metas das organizações jornalísticas e não respondem somente à sociedade, mas primordialmente ao público do seu veículo de comunicação. Sob a ótica funcional, um depende do outro, e ambos querem algo que o outro possui. A fonte tem a informação, que o jornalista pode transformar em notícia. Portanto, essa relação está imbricada num processo complexo, simultaneamente conflitante e conveniente a ambos.

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Respectivamente, professor de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina e mestre em Jornalismo pela mesma instituição