Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Ganância que a grande mídia embala

Está passando da hora da grande mídia chamar os banqueiros às falas. A disposição deles em continuar cobrando a CPMF até 4 de janeiro de 2008, quando as regras legais determinam extinção do imposto do cheque em 31 de dezembro de 2007, representa anomalia total em prejuízo da poupança popular.

Por que os bancos privados não seguem o que os bancos estatais cumprem: prestar contas da CPMF sempre nos finais de semana, transferindo ao tesouro as arrecadações bilionárias da extinta contribuição compulsória, não distribuídas aos estados e municípios, mas centralizada para sustentar Executivo forte frente ao Congresso fraco?

Ao contrário, adiam a responsabilidade da transferência para a semana seguinte, ganhando no mínimo quatro dias, durante os quais faturam juros aplicados nos títulos da dívida pública interna. Perderiam se entregassem ao tesouro em 31 de dezembro o que se acostumaram a ganhar desde que a CPMF foi criada em 1993. Se forem feitas as contas desse período, chega-se a uma fábula de dinheiro. Eles não poderiam perder quatro dias, depois de ganharem, ininterruptamente, durante 14 anos, 168 meses e 672 semanas. Ficariam no prejuízo por terem ganhado apenas 671 semanas.

Vítimas das sanguessugas

O cachimbo deixa a boca torta graças ao usufruto do privilégio de estender a mamata rompendo as regras que deveriam ser cumpridas. Na prática, os bancos se sentem desconsolados por terem que largar esse suculento osso. Já se sentem saudosos desse fantástico lucro adicional extinto pela oposição no Congresso.

Por que o privilégio para a vontade bancária relativamente à vontade social? Esta tem que submeter-se às regras, aquela subverte as regras.

Que diz a grande mídia? Deixa rolar em matérias escondidas. Não deu ainda grande espaço para discussão do assunto. Jogam com os interesses dos poderosos, que lhes garantem lucros gordos nos anúncios. E o outro lado da notícia, expresso no contribuinte, que é, literalmente, surrupiado? Quem vai alertar para o seu ponto de vista? Onde está o jornalismo honesto que trata a realidade como ela é, dual, positiva-negativa, interativa, em que a tese gera a antítese que produz a síntese?

Já houve concessão de algum prêmio Esso para reportagens que mostram as ações dos bancos sobre os clientes, dando o serviço tintim por tintim das contabilidades bancárias em sua voracidade para debitar automaticamente despesas questionáveis nas contas das vítimas das sanguessugas? Não se faz jornalismo popular no Brasil.

Para além do prazo legal

Escritórios de advogados especializados em levar adiante causas dos clientes contra os bancos jamais são alvos da curiosidade da pauta jornalística. Muitos deles, mediante suas ações jurídicas, representaram as razões principais que levaram os bancos a pressionarem o Executivo e o Legislativo, com o consentimento do Judiciário, a alterarem o artigo constitucional que fixava juros de 12% ao ano, impedindo sua regulamentação.

Nesse assunto crucial para a bolsa popular, a grande mídia realizou, historicamente, no país, uma das suas mais brilhante tarefas: defender os interesses da banca. Já, agir, proativamente, para denunciar os abusos, necas, mantém-se calada. No máximo, repercute, timidamente, abusos apurados pelo Procon, indo atrás dos fatos, mas nunca levantando-os por meio de investigação jornalística.

Como lembraria agora de alertar em letras garrafais, graças a boas reportagens, que os bancos poderiam estar agindo incorretamente em estender a cobrança da CPMF para além do prazo fixado legalmente? Colocaria em pauta tema essencialmente popular, de imediato efeito no bolso e na consciência do cidadão.

O brilho dos anéis

A regra vale para uns, mas não para outros? Os editoriais ainda não clamaram contra essa iniqüidade explícita praticada pelos maiores credores do governo. Será que tal condição assegura, acima da lei, as vantagens deles sobre os demais mortais, sob o silêncio midiático?

Os poderosos banqueiros, com tal ação, demonstram que não estão dispostos a dispensar sequer o brilho dos anéis, quanto mais os próprios, o que não evita que sejam assaltados, constantemente, pelos pesadelos de algum dia virem a perder os dedos por conta da excessiva ganância embalada pela grande mídia.

******

Jornalista, Brasília, DF