Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Golpe, não!

Como a história se repete como farsa, revemos hoje a insuflação do mesmo clima de instabilidade já visto e vivido em 1954 e 1964, e que terminou como todos sabemos. Quais interesses patrocinam esse sensacionalismo de ‘primeira página’? Parece que o Brasil em que vivemos desde a década de 1950 até o ano de 2002 era um convento de carmelitas e os integrantes dos partidos políticos e da ‘nata’ da sociedade, verdadeiros varões de Plutarco.

Num movimento de crescente fúria revanchista, seqüências de denúncias são manchetes dos meios de comunicação, não importa qual o tema denunciado, contanto que atinjam as instituições democráticas e em especial a presidência da República. Mas valem também para o Congresso Nacional e para o Judiciário.

A floresta amazônica e o desmatamento que vem sendo feito há décadas subitamente virou tema de preocupação dos tablóides ingleses e publicações científicas online. Ainda bem que acordaram, mas será verdadeira essa preocupação? Não creio, pois esses veículos de comunicação não denunciam as fontes das maiores causas de danos ao meio ambiente: a combustão fóssil, contínua para uso automobilístico e industrial originária do Hemisfério Norte. E, documentadamente responsável pelos efeitos adversos ao meio ambiente planetário, desde o aumento no buraco da camada de ozônio, passando pelo degelo dos pólos e o efeito estufa.

Essas denúncias quando feitas por nós, em nosso país, sempre foram tratadas nos governos passados como ‘olhar saudosista e retrógrado’. E agora são válidas, por terem sido publicadas em inglês? A perspectiva do uso da biomassa como combustível, nos coloca à frente do processo tecnológico e como fonte futura de fornecimento de energia.

Notícias plantadas

Os varões acima citados aparecem em fotos de página inteira assinando pedidos de CPI, fazendo denúncias de corrupções, no plural, nos ‘órgãos do governo’ com apoio de eventuais paus-para-toda-obra, useiros e vezeiros dos cofres públicos e sinecuras do aparelho de Estado, para falarem em entrevistas e chamadas de ‘impacto’.

Os grandes jornalões retomam a velha fórmula de 50 anos atrás, quando aos interesses contrariados respondiam com manchetes verrinistas e ameaçadoras. Comodamente esquecem o equívoco dos governos que elegeram e depuseram, retomando a fórmula requentada da criação de pseudocrises institucionais.

Interessante que alguns fatos aparentemente sem relação com as situações acima sejam noticiados em páginas internas dos jornalões ou em canais de televisão com índices de audiência abaixo dos padrões platinados. Por exemplo, a finalização dos estudos do novo padrão digital para a televisão brasileira, fruto de trabalho conjunto realizado por grupo de universidades públicas do Sul, Sudeste e Nordeste do país e coordenadas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e a Casa Civil da presidência da República.

Definiu-se um novo padrão televisivo digital, próprio para o Brasil e que é comercialmente compatível e viável com os grandes mercados internacionais, como Índia, Indonésia, China, países da África do Norte e América Latina e que consegue escapar da fôrma imposta pelos padrões de tecnologia dos mercados japonês, norte-americano e europeu.

Ao mesmo tempo, a concorrência internacional para os caças a jato da FAB, está na reta final. O caça russo Sukhoi-35, apesar das notícias plantadas nas mídias, leva nítida vantagem não só pela transferência de tecnologia, mas sobretudo e principalmente, por ser o único caça-bombardeiro em operação na atualidade, capaz de cruzar São Paulo/Manaus, em velocidade superior a Mach 2.0, isto é, duas vezes a velocidade do som, característica que falta aos concorrentes. Sem necessidade de reabastecimento, pode atacar e retornar à base operacional, como vem sendo demonstrado, com freqüência, no subcontinente indiano, na Ucrânia e na Rússia.

O pior dos mundos

E esse também é um episódio à parte, pois a cooperação operacional para a base aeroespacial de Alcântara, no Maranhão foi assinado com a Ucrânia depois de sofrer muita pressão externa contrária, em todos os setores da economia nacional. (A explosão de Alcântara que vitimou uma geração de excelentes profissionais nacionais ainda não foi adequadamente esclarecida. Mas algum dia será.) Essa concorrência internacional é considerada nos meios militares, políticos e comerciais mundiais como uma das maiores nas últimas décadas.

Até quando esses primores da virtude e da moralidade pública vão esticar a corda da política nacional que regula o funcionamento das instituições democráticas, para atender a interesses privados, eleitorais e pessoais? Até quando vamos assistir ao linchamento do presidente da República que, equivocadamente, seguiu as regras de um jogo viciado e já começado? E, lamentavelmente, não conseguiu revertê-lo, mesmo respaldado pelos 52 milhões de votos, e impor novas prioridades de negociação e de governo, tanto interna quanto externamente.

Mas que, compensatoriamente, ousa romper com os padrões de nossas podres elites, que há séculos sugam a nação em proveito próprio e só têm olhares cobiçosos e lânguidos para o Hemisfério Norte. E aí, tome escândalo em manchetes.

Realmente, ousar abrir novas frentes comerciais com países nunca dantes alcançados, procurando sair do eterno circuito diplomático ‘Elizabeth Arden’ e dos punhos de renda, contraria muitos interesses. E realizar uma reunião entre países árabes e latinos em Brasília certamente vai em direção a uma política externa que atende aos interesses do nosso país. E é claramente contrária aos interesses dos EUA, que consideram a América Latina e especialmente o Brasil como seu quintal.

O pior dos mundos para os EUA é a união de interesses dos países da América Latina, e quando vêem Lula, Chávez, Kirchner protagonizarem novas formas de lidar com as desigualdades de tratamento entre si e com os outros países, rapidamente enviam diplomatas do primeiro escalão. Para eles representa a pior das possibilidades, pois a Europa já se organizou para enfrentá-los e defender os interesses de seus povos. E não é por outra razão que o presidente norte-americano vai ao encontro da Rússia e de outros países da região e sua mulher vai a Israel. Ou que tenha vindo ao Brasil em 2003 a simpatia personalizada do príncipe Charles, herdeiro do trono inglês, para falar da indústria aeronáutica inglesa.

Dinheiros em vilegiatura

Nossas podres elites sentem aí seu arrivismo protegido contra esses novos fumos nacionalistas. E era mais ou menos esse o panorama de 54 e 64, pois à medida que nos preparávamos para uma melhor condição distributiva de renda nacional, essas mesmas ‘podres elites’ se associavam aos diversos poderes políticos udenistas, pessedistas e eclesiásticos. Faziam de tudo, desde o locaute até intrigas políticas, para se contraporem ao que chamavam de ‘República Sindicalista’.

Diziam que Jango tramava com Brizola e Arraes para importar ‘ideologias alienígenas’ – eufemismo usado para comunismo – e aqui aplicá-las. Ironia do destino, o sindicalismo é a origem do nosso presidente da República, e o comunismo, murchou. Mas a desigualdade decuplicou-se em toda a sociedade, com uma pornográfica concentração de renda e a permissividade financeira ao grande capital, aqui e no continente latino-americano.

Vamos assistir passivamente até termos um golpe, militar ou não, fato que vem retornando como hábito em nossa América Latina? E com o mesmo patrocinador? Desde quando esses atores são novatos na cena pública nacional? E onde foi parar a CPI da Corrupção e das Privatizações do setor elétrico? Onde estão os corruptores, que até hoje não foram ouvidos e muito menos presos? As notícias sobre dinheiros em vilegiatura por paraísos fiscais são mostradas na TV, e todas informam onde estão esses dinheiros que ‘saíram’ do Brasil, todos sabem para onde, com quem estão e não conseguimos repatriá-los?

O dever da mídia

Cinco séculos de poder, o tempo de vida do capitalismo, acostumam. E muito mal.

Os feudos políticos, rememorações das capitanias hereditárias, são passados como poderes divinos da realeza, de geração em geração. A desfaçatez é tamanha que nem sequer as moscas variam; o farisaísmo é de tal ordem que não avançam nem na construção de uma oposição política proposicional e independente, legítima e necessária.

E já querem defenestrar o governo, simulando crises entre os poderes republicanos? Até onde vai essa impudicícia? Quem autoriza tanta soberba a esse grupo de papa-jantares, que chegam, em alguns casos, a ser simoníacos? Com que autoridade? E quem será a bola da vez?

Cautela e caldo de galinha podem não ajudar, mas certamente não atrapalham. Pretensão e água benta… há os que têm fé. E isso se aplica tanto aos partidos da ‘base’ aliada – que não se perca pelo nome – quanto à oposição (sic). Nas décadas de 50 e 60, alguns políticos udenistas acharam que seriam chamados como solução civil para depois do golpe militar; morreram amargurados, sem essa satisfação. E nós pagamos a conta da aventura. É saudável e de bom tom que as mídias não nos deixem esquecer essas pessoas de nossa triste história que a todo momento fustigam o ‘torneiro-mecânico’ legitimamente eleito presidente da República.

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Médico, Niterói, RJ