Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Governo paulista, PCC, imprensa. Na mesma luta?

Há uma dimensão, se é que essa é a palavra correta, que ilustra a passividade atual de todos aqueles que tem acesso aos veículos de comunicação na sociedade. Leitores de jornais, revistas ou livros, ouvintes de rádio, telespectadores e navegadores da internet têm o mesmo comportamento face às informações veiculadas. Não reagem mais… Essa não-reação é séria, pois espelha a passividade de quem recebe uma infinidade de informações, através dos mais variados veículos de informação, e não acontece a tão falada, estimulada e desejada interatividade entre o emissor e o receptor das mensagens. Na realidade, ocorre sim um determinado tipo de interação. Uma total alienação, uma despreocupação absoluta com o que acontece ao lado, na família, na rua, na comunidade, na sociedade e no planeta. Nada acontece a não ser o contínuo bombardeio da mídia sobre as pessoas, criando falsas necessidades de consumo e de comportamento, transformando a sociedade capitalista e suas personas num verdadeiro monstro pantagruélico sempre insatisfeito com o que devora.

A grande imprensa não questiona mais, não suscita dúvidas, não provoca interesse ou estimula a curiosidade. A mídia de maneira geral, com raras exceções, só se preocupa em divulgar assuntos sem importância ou manipulados. E quando é impossível esconder algum fato mais relevante, daqueles bombásticos, grandiosos, ela simplesmente manipula-o escandalosamente, transformando-o num espetáculo, num ‘show’ da vida e da morte. O que é divulgado às pessoas é apenas uma versão autorizada, retirando-se da informação qualquer referência ou dado que possa provocar reações. Tudo, ou quase tudo, que é veiculado pela grande mídia mundial tem o objetivo de amortecer ao máximo reações, impedir emoções e dúvidas dentro de algum limite possível.

É necessário, às vezes, liberar algumas explosões, provocar catarses, inclusive para que o cenário criado pelos veículos de imprensa pareça real, verossímil. Assim, a manipulação não fica tão evidente, é claro…

Como a realidade é sempre mais rica e contraditória do que qualquer tentativa de manipulação e censura, os limites aparecem sob a forma de contradições. E são elas, inerentes à história, que conseguem, nem sempre no mesmo momento em que acontecem os fatos, desmascarar as manipulações, as mentiras divulgadas, os dados censurados. Mesmo num tempo inferior ao desejado, em função da velocidade que os meios de comunicação imprimem no processo de mentir e esconder o que acontece, a verdade acaba surgindo. Não é uma questão de fé religiosa.

Interesses de negócio

É que há pessoas, instituições, organizações etc. que ainda procuram, mesmo com limites, mostrar como funcionam os mecanismos de criação de mentiras, de falsidades, de propaganda travestida de informação jornalística, desmascarar todo o processo e, não raro, com sérios riscos de vida. Já aconteceram e acontecem regularmente mortes ou desaparecimentos de quem luta contra essa situação. Não é apenas uma questão de ética, responsabilidade social da informação, de coragem, caráter, opção de vida e princípios de quem quer que seja. Acabou se transformando em mais uma urgente necessidade para ajudar nas mudanças sociais que a história, no seu contínuo processo, impõe irremediavelmente. Faz parte da luta, faz parte da história da imprensa livre, responsável, ética e democrática mundo afora. É uma luta cada vez mais sem fronteiras, sejam geográficas, sejam ideológicas.

No Brasil, como em qualquer país do mundo minimamente democrático, a mídia tem a mesma característica. Por ser, em primeiro lugar uma empresa, a responsabilidade social da informação, a ética e os princípios que nortearam o surgimento da imprensa no Brasil, em especial na luta contra a ditadura militar de 64, na prática pesam menos do que o fato jornalístico em si. No discurso, é outra coisa. Por ser uma mercadoria, a versão sempre é mais importante que o fato. Seja ela próxima ou distante do que aconteceu, a versão será devidamente maquilada e alterada para que sua divulgação agrade ao consumidor enquanto mercadoria.

Há uma frase na mídia que deixa mais claro tudo isto. ‘Não existe imprensa livre. Existe empresa livre’. E essa liberdade de mercado tanto mais é promissora, quanto mais o veículo de imprensa consegue fazer do fato, devidamente maquilado, uma atrativa mercadoria. Como em qualquer negócio, há muitos interesses em jogo. Para se manter saudável no mercado, sempre vendendo bem – informações, publicidade, marketing etc. –, a mídia tem alianças as mais estranhas e espúrias, especialmente no campo da política-partidária. E é nesse campo onde acontecem as mais variadas manipulações e mentiras, quase sempre sob a forma de campanhas não-assumidas, apoiando ou destruindo candidatos, personalidades, esportistas, artistas, idéias, propostas.

Acordos sabidos

Um bom exemplo de campanhas não assumidas pela grande mídia no Brasil tem sido as eleições presidenciais, onde claramente, mas não explicitamente, é possível ver quais candidatos a grande mídia apóia ou pretende destruir. Não que seja vergonhoso ou inadmissível que um veículo de imprensa apóie ou não determinados candidatos ou propostas de governo. O mais honesto é deixar clara a posição político-partidária que apóiam, qual a proposta de sociedade em que acreditam, que candidatos representam essa opção etc. Só isso, não é exigir muito. E não, sob o manto da ‘imparcialidade e liberdade de imprensa’, manipular, mentir e fazer propaganda travestida de ‘jornalismo’. E quase sempre, quando confrontada com críticas quanto a esse comportamento desonesto e não ético, a grande mídia passa a acusar os críticos de atentarem contra a liberdade de imprensa, como se tivessem impedindo-os de divulgarem ‘notícias’. Pura hipocrisia…

Outro episódio em que a manipulação da grande mídia foi e tem sido muito grande é o das rebeliões nas prisões e os atentados do PCC no estado de São Paulo. Só é divulgado o número de pessoas mortas, especialmente agentes penitenciários assassinados. Os motivos que causaram a rebelião, os atentados, a guerra entre o governo paulista e a facção criminosa PCC continuam nublados, sem a devida explicação. Como se tudo fosse uma mera ‘guerrinha entre mocinhos e bandidos’, naquela ótica bem maniqueísta que a grande imprensa tanto gosta, até porque assim não é preciso grandes explicações para o público. Para que complicar se é possível infantilizar os fatos?

Desde maio, quando a guerra começou, que se sabia dos acordos entre a polícia paulista, representando o estado, e o PCC. No entanto, o destaque maior na imprensa eram as declarações das autoridades do governo estadual paulista negando qualquer acordo com a facção criminosa. Hoje sabe-se que tudo era mentira e que sempre houve, e continua havendo, negociações entre os líderes do PCC e autoridades governamentais. Os recentes atentados contra agentes penitenciários é mostra de que esse acordo ainda está longe de ser acertado. Que o digam os agentes barbaramente assassinados…

Uma ficção

Há, ainda, uma clara disputa sobre o controle e os lucros do mercado de drogas e armas em São Paulo. Os participantes deste milionário negócio ainda não chegaram a um acordo satisfatório e os de ‘dentro da legalidade’ – parte da ‘elite branca’ formada por políticos, juizes, policiais, empresários –, por meio do aparato repressivo do Estado – Justiça, polícia, sistema carcerário – querem enfraquecer o controle da parte ‘não-legal’ dessa ‘joint venture’ formada com o PCC. Caberia à facção criminosa controlar a distribuição das mercadorias, assegurando pontos de venda, transporte e manutenção de drogas e armas ilegais. Em troca, além dos lucros a que tem direito, o PCC quer que seus integrantes mais importantes, e alguns dos presidiários ligados à entidade, mantenham privilégios que a legislação oferece nas prisões e mais algumas coisas. ‘Business’, nada mais…

Enquanto isso não acontecer, enquanto o acordo não fechar, ações e atentados continuarão, penalizando as pessoas ‘menos importantes’ no processo, exatamente quem lida diretamente com a população carcerária. Se o impasse continuar, os atentados aumentarão, atingindo outras pessoas ligadas direta ou indiretamente a financiamento, produção, distribuição e comercialização de drogas e armas ilegais. Policiais já começaram a morrer e a tendência é o aumento da violência se não houver acordo. É a lei do mercado, a mesma lei que tantos ideólogos, líderes políticos e empresários, grandes defensores do mercado livre, gostam de apregoar e comparar as ‘leis da selva’, onde só os mais fortes sobrevivem.

O PCC que o diga perante aqueles que sempre afirmaram que ele não existia, que não tinha força nenhuma, que era uma ficção e que a imprensa, impune e covardemente, procurou esconder. E agora, como fica?

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Jornalista