Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Governo prefere ignorar a mídia. E também a sociedade

Ficou evidente que o governo (melhor seria dizer o Palácio do Planalto, já que o governo está no banco dos reservas) não está interessado em manter o debate suscitado pelo martírio do garoto João Hélio Fernandes Vieites, no Rio.


Em primeiro lugar, porque o clamor público (com forte participação feminina e popular) foi captado pela mídia e ao governo não interessa validar os movimentos dos meios de comunicação, mesmo quando legítimos e, sobretudo, quando uníssonos.


Ouvir a sociedade através da imprensa equivaleria a oferecer-lhe um diploma de mediadora autorizada, o que anularia o recente movimento para desacreditá-la. A imprensa precisa ser colocada sob suspeita para evitar surpresas futuras. Esta é a palavra de ordem.


Os ministros palacianos mais de uma vez recusaram taxativamente a agenda da mídia sob o pretexto de evitar uma tutela que, segundo eles, seria espúria. As doutrinas com as quais montaram suas cartilhas de sociologia política ensinou-os a acreditar que a mídia é monolítica, controlada por grupos econômicos e agente de políticas antinacionais.


Rigor maior


A ofensiva contra os ‘formadores de opinião’ e as denúncias sobre o ‘complô da mídia’ em seguida às eleições são exemplo de uma ojeriza aos naturais movimentos de opinião pública, forjados pelas circunstâncias e independentes dos ‘movimentos sociais’ chapa-branca.


Ao aferrar-se exclusivamente à questão da diminuição da maioridade penal (como aconteceu com o pronunciamento do presidente Lula na sexta, 16/2), a equipe palaciana tenta confinar a questão a um tópico único que não chega a constituir um dilema. Colocação artificial, manhosa, procura diabolizar a pressão pública para aumentar o rigor das punições e, assim, deixar na agenda política apenas as questões relativas à aprovação do PAC. A tática palaciana consiste em colocar qualquer proposta sobre a administração de justiça no saco da maioridade penal. Não é honesto, nem cívico.


Existem diversos recursos humanitários que facultam maior rigor com delinqüentes de menor idade sem necessidade de alterar a maioridade penal. A mídia tem tratado deles extensivamente, mas ao governo não interessa deter-se nesta questão. É preciso eliminá-la da ordem do dia.


Tentações sensacionalistas


Se o governo e o partido do governo desejassem sinceramente dar seqüência e satisfazer a sociedade ainda horrorizada pela morte de João Hélio bastaria mobilizar os parlamentares da base aliada para incluir na pauta de votação do Congresso os cinco projetos de lei mencionados pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, para a aceleração do processo penal.


Prova de que o governo não quer ampliar a reverberação do bárbaro crime e está irritado com o adiamento das votações relativas ao PAC está na própria manifestação do ministro Bastos. Ao invés de pronunciar-se por intermédio de veículos de grande audiência, o ministro preferiu fazê-lo discretamente, num artigo de jornal (Folha de S.Paulo, 15/2, pág. 3). Satisfaz a sua consciência mas não confronta os interesses do governo.


Um criminalista de notória e indiscutível competência como Márcio Thomaz Bastos, mesmo comprometido por mais alguns dias com o Executivo, tem autoridade pessoal e institucional para convocar um mutirão no Legislativo destinado a incluir os cinco projetos de lei na pauta de discussão. Isso jamais poderia ser interpretado como ameaça ao equilíbrio entre os poderes.


Paradoxos da nossa realpolitik:


** para não atrasar a sonhada aceleração do crescimento, o governo abdica da sua responsabilidade de produzir mudanças eficazes e rápidas;


** para não qualificar um interlocutor que, eventualmente, poderá criticá-lo, o governo prefere fingir que a mídia não representa a sociedade num dos momentos em que a sociedade parece tão unida.


A manutenção no Congresso da ‘agenda João Hélio’ não contraria a ‘agenda PAC’. São processos convergentes, combináveis. Um inesperado, outro planejado. Não é correto colocá-los como excludentes


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Três palavras sobre o desempenho da mídia ao longo deste primeiro par de semanas desde o assassinato de João Hélio: correto, sofrido e solidário. Isso inclui a imprensa popular do Rio (O Dia e Extra), que não cedeu às tentações sensacionalistas, e exclui o Jornal do Brasil, que apesar do nome e da tradição faz questão de diferenciar-se do resto da imprensa brasileira.