Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Histeria coletiva e superficialidade na cobertura

Gilberto Dimenstein, no caderno ‘Cotidiano’ da Folha de S.Paulo, levantou uma questão fundamental, também tratada em outros artigos do jornal, e mais detalhadamente no domingo (20/4): a desproporção entre o tratamento dado pela mídia para as Isabellas pobres e miseráveis, caso os comparemos com a abordagem do caso Nardoni, de classe média [ver Isabella mora ao lado (21/4/2008) e A herança de Isabella (14/4/2008)].


Pelo visto, a mídia, repercutindo o interesse do público, tem preconceito social! Mas Dimenstein considera que este caso lamentável contribui, de certa forma, para que se amplie o debate. Lamentavelmente, não constatei isto ainda, mesmo tendo estado exposto a inúmeras matérias sobre o assassinato nestas últimas semanas. Mas torço para que esta tendência natural se concretize.


Este notável profissional bem que poderia ir contra a correnteza abordando as causas da violência (e dos maiores problemas que temos), sempre que enfocar o tema:


** elevada concentração de riqueza, com 1 % abocanhando mais da metade dos bens da nação;


** financiamento de campanhas políticas pelos ricos, utilizando o Estado como ferramenta para manutenção e ampliação de poder (plutocracia, cleptocracia e corporocracia);


** a República é, na realidade, uma Reparticular;


** elevados impostos aos pobres (40 % de tudo que consomem) e sua aplicação prioritária no atendimento ao interesse dos ricos e de seus legítimos representantes no governo;


** utilização da mídia para escravizar grande parte da população e explorá-la, conforme Perseu Abramo, definindo-a como inimiga do povo brasileiro.


O problema é que, caso o fizesse, correria o risco de que os veículos que veiculam suas matérias, o dispensassem por necessidade de redução de custos, como é de praxe… Claro que eles jamais teriam em suas páginas alguém que lhes desse um tiro no próprio pé ou no de seus anunciantes. Por que manteriam ali alguém que praticasse o que defendo como sendo o verdadeiro jornalismo? O verdadeiro jornalismo é aquele que mostra exatamente fatos, idéias e pessoas que os poderosos querem esconder. O resto é assessoria de imprensa, propaganda, entretenimento, manipulação ou mero diletantismo filosófico.


Estado privatizado


Outro aspecto comentado por Dimenstein é a histeria coletiva gerada em casos como o de Isabella, quando a população toma as dores da vítima e procura linchar o primeiro suspeito, considerando como provas incontestáveis de culpa os fatos levantados pela polícia.


Considerando o emocionalismo, sentimentalismo e passionalismo, tradicional na origem ibero-católica-latino-americana de nosso povo, e os 74 % de analfabetismo total e funcional de nosso povo, não é de estranhar. Anglo-saxões-protestantes erram por ainda não dominarem os aspectos negativos de características opostas.


Considerando a avidez pelo lucro a qualquer custo, pelo inconstitucional oligopólio da mídia, também não há como nos surpreendermos.


O certo é que, com tamanha exposição do assunto, especialmente na TV, as pessoas mais fracas vão canalizando suas frustrações do dia-a-dia para o primeiro bode expiatório produzido pelos meios de comunicação de massa.


Da mesma forma, a mídia conduz as esperanças da massa politicamente ignara (Bertold Brecht) para o salvador da pátria que resolver produzir – como foi o caso do Collor pela Rede Globo, assumidamente conduzido à presidência de República por determinação de Roberto Marinho, nas palavras de sua viúva, durante lançamento de livro sobre a vida dele:


‘O Roberto colocou ele [Fernando Collor de Mello, na Presidência] e depois tirou. Durou pouco. Ele se enganou’. [Ver, neste Observatório, ‘Uma perigosa revisão da história‘]


Sem dúvida, o sistema estatal de comunicação, erroneamente chamado de público, faz a diferença, o que seria ainda melhor, caso fosse público de fato. Mas num Estado privatizado e numa ditadura econômica que se faz passar por democracia, graças ao poder da mídia e do sistema de ensino a serviço do engano, seria pedir demais!

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Engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e membro do Conselho Consultor da CMQV – Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida