Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Hobsbawm avalia o Mundial da Alemanha





Que visão terá um rigoroso historiador marxista de uma Copa do Mundo? Como ele explica essa paixão mundial? Ela tem lá explicação? Fugindo do tatibitate esportivo sobre a bola que corre na Alemanha, a Agência Carta Maior buscou outro ângulo sobre o tema e foi ouvir Eric Hobsbawm. O historiador britânico, que já escreveu sobre tudo neste mundo, da rebeldia africana ao jazz americano, vai tirar de letra o assunto, pensa o leitor. A fama do mestre e a dimensão do desafio abrem o apetite para a entrevista ‘A Copa do Mundo e as suas paixões, no olhar de Eric Hobsbawm’ (23/6). Esfregando as mãos de ansiedade e antevendo um gol de placa, o leitor ocupa seu lugar na poltrona. Começa o jogo.


Como Hobsbawm explica todo esse furor patriótico numa Copa? A resposta soa burocrática como as badaladas do Big Ben: ‘A capacidade do futebol de ser um símbolo de identidade nacional há muito é conhecida’. Sim, deveras… ‘Acho que só participar de uma Copa do Mundo é que faz as pessoas que vivem no Togo ou em Camarões se darem conta de que são cidadãos de seus países’, diz. ‘Posso entender o apelo deste tipo de patriotismo, mas eu não tenho entusiasmo nenhum pelo nacionalismo.’


Sem concorrência


Prossegue o jogo. A repórter evoca o sentimento de inveja do secretário-geral da ONU, Kofi Annan, na abertura da Copa. Afinal, a Fifa tem 207 países-membros, e a ONU, 191. Com a bola, Hobsbawm: ‘Eu posso entender por que Kofi Annan quer usar a Copa do Mundo em benefício da ONU, mas eu acho que obviamente ele não acredita na possibilidade de países competirem por mais e melhores direitos humanos como competem pela vitória num campo de futebol’, lança. ‘De mais a mais, a vitória de um país sobre o outro não é o objetivo das Nações Unidas’.


A torcida acha que Hobsbawm não entendeu bem o fair play, a jogada de Kofi Annan, mas a crítica ao secretário é gol. Gol! Sobe a temperatura da competição. Vem a próxima pergunta. Como Hobsbawm analisa o poder de empresas como Nike e Coca-Cola e seu envolvimento na organização de uma competição esportiva tão relevante? Hobsbawm com a pelota: ‘Não sei o quanto as grandes corporações que patrocinam a Copa influenciam de fato a condução dos jogos; portanto, não tenho opinião sobre esta questão’. Os torcedores não se conformam com a bola para fora. Mas Hobsbawm se recompõe: ‘Certamente estas empresas têm grande influência sobre a formatação da competição, os horários dos jogos etc. e, claro, a visibilidade de seus logotipos e produtos’.


Aplausos. Vivas. A bola se aproxima novamente da pequena área. Hobsbawm avança: ‘Por exemplo, a Fifa, de fato, forçou torcedores holandeses a trocar as calças porque as que usavam tinham o logo de uma cerveja holandesa que compete com a Budweiser, patrocinadora oficial da Copa; no entanto, a relação da Copa com o moderno capitalismo globalizado é mais complexa do que isso’, trama ele a jogada. ‘A indústria é altamente globalizada e não poderia subsistir na atual escala sem a existência de um capitalismo global da mídia.’


Um contraponto


Hobsbawm parece a um passo de outro gol: ‘Mas o futebol, no geral, está dominado por alguns poucos times europeus, como Manchester United, Real Madrid, Milan etc., que, desde os anos 1980 recrutam seus jogadores em todos os cantos do mundo’, lembra. ‘Outros times na Europa fazem seu dinheiro descobrindo talentos no exterior, comprando-os barato e revendendo-os aos grandes’. E apronta: ‘Isso tem acontecido muito com jogadores brasileiros e argentinos, por exemplo’. Mas o paradoxo da situação é que o apelo global do futebol, que cria o enorme público de quem corporações como a Nike tiram seus lucros, está baseado no apelo nacional no jogo. ‘A Copa do Mundo é o mais dramático exemplo disso – aí está a contradição: as implicações políticas, econômicas e sociais dessa situação, no entanto, nunca foram adequadamente analisadas.’


Ao lance seguinte, pois. Hobsbawm é indagado se a Copa do Mundo tem caráter político, e se isso é bom ou ruim. Ele não descarta que o evento seja ‘vulnerável às pressões e às promessas diplomáticas ou de outra natureza dos países mais poderosos’. Acredita que uma vitória beneficie o regime do país vencedor, como aconteceu na Argentina em 1978.


Resta um lance final. A Carta Maior quer ouvir o historiador sobre possíveis ataques terroristas na Alemanha. Lembrando o precedente das Olimpíadas de Munique em 1972, Hobsbawm endossa as precauções da segurança na Copa. ‘Mas, obviamente, eu não tenho como saber se alguma organização planejou alguma ação este ano.’ Elementar, meu caro Eric. Soa o apito final. Um contraponto ao tom monocórdio das intermináveis mesas-redondas e análises sobre os jogos da Copa. O gol foi da Carta Maior.

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Jornalista, editor do Balaio de Notícias