Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Honra, alguém lembra o que é?

Andei escarafunchando nos últimos dias uns livros de Filosofia, em busca de alguma palavra que eu pudesse dizer ao meu filho adolescente e a meus alunos nem tanto. Fui de Seca a Meca – através do Google, claro – e achei no século 16 uma frase de Blaise de Monluc, guerreiro e escritor:

‘Nossas vidas e nossos bens pertencem a nossos reis. A alma pertence a Deus e a honra a nós. Pois sobre a minha honra meu rei nada pode.’

A partir de Honra cheguei a Ética e Moral. E não é que tudo começa com o Verbo? Além de nosso instrumento de trabalho (jornalistas, publicitários, políticos, professores etc.), é um dom concedido apenas aos seres humanos É mesmo a própria base da vida em comunidade, uma vez que propicia o diálogo entre as pessoas. É através da fala que se chega a algum consenso sobre o bem comum, aquilo considerado bom para o indivíduo e para a sociedade.

O que os indivíduos e a sociedade consideram como bom e adequado (obviamente depois de muitos debates) é tido como moralmente correto, ou ético. Esses debates se realizam na ‘polis’, a cidade-estado de Aristóteles, de onde vem política. Ou, quando as palavras não dão conta das diferenças de opinião, existe sempre o recurso às guerras – ‘a continuação da política por outros meios’.

Só para relembrar: ‘ética vem do grego ethos – hábito, e ‘moral’ do latim mores – costumes. De Aristóteles para cá, ainda não se chegou a um consenso sobre como esses conceitos se articulam; mas, apenas para fins operacionais, proponho a seguinte definição (obviamente sujeita a debates): a moral é descritiva; a ética, normativa. A ética determina como os seres humanos deveriam agir; a moral descreve como agem os seres humanos de determinada cultura.

Sem superiores

Mas o que é ‘bom’ para cada indivíduo, em cada determinada sociedade? Por que, afinal, se existem princípios fundamentais e universais (a guerra é ruim), outros dependem de circunstâncias específicas (as guerras de libertação)? Entra em cena o perigoso ‘depende’. Em filosofia, o nome é mais bonito: ‘ética situacional’.

A sociedade mercantil tem a sua ‘ética’, a medicina outra, e embora aparentemente todas visem ao bem comum em todas as circunstâncias, já sabemos que isso não existe. Logo, onde há muitas éticas, não há ética alguma.

É onde entra – para ajudar na conversa com meu filho (a essa altura os alunos já saíram da sala) – o conceito de Honra, aquele mencionado lá em cima pelo Sr. Blaise de Monluc. Recorro novamente à filologia: em grego, honos significa o preço de venda de uma coisa; em latim, honor significa uma obrigação, no sentido jurídico do termo.

Na Idade Média ocidental, ‘honra’ passa a designar o feudo. Mas, atenção: quem recebe essa honra se torna vassalo do que lhe dá o feudo!

Entretanto, saindo do Ocidente e dando um pulo no Marrocos descobrimos uma confederação de tribos árabes chamada de Rif. Entre eles, a única coisa que um homem verdadeiramente possui é a terra do seu pai – e mesmo assim apenas quando ele morre.

Lá, portanto, o território escapa à autoridade de quem quer que seja, e um homem de honra não tem superiores. Lá, um homem de honra é aquele que integra uma linhagem, um território ou uma cidade.

Conceitos próximos

Meu filho também já ameaça retirar-se. Apresso-me a concluir.

A função da honra é recusar a baixeza. Ela marca o limite inferior que não deve ser ultrapassado, mesmo que para vencer – pois há vitórias aviltantes. Trata-se de um valor não contabilizável. Portanto, ‘faltar com a honra’ é ser derrotado, é perder o próprio controle, significa sair de si e passar a ser um outro, que não se pode mais aceitar.

Honra e Virtude são conceitos muito próximos, mas aí já entraríamos em outros capítulos da Filosofia.

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Jornalista e escritor.