Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Idéia infeliz, arrazoado pior

O lançamento da TV Brasil, na última quinta-feira (10/2), deve provocar duas linhas de discussão, igualmente importantes. Uma sobre o projeto em si, anunciado como instrumento para ‘integrar a América do Sul’, outra sobre a manifestação do presidente da República ao declarar que o novo canal não é uma iniciativa do governo, mas do Estado, do Brasil.

O presidente Lula exagerou na simplificação: o fato de o canal ser compartilhado pelas emissoras dos três poderes (TV Câmara e TV Senado, do Legislativo, TV Justiça, do Judiciário e Radiobrás, do Executivo), não significa que nele está representado o Brasil. Faltaram dois componentes, nada desprezíveis: a sociedade civil e a iniciativa privada.

Esta visão do Estado como representação dos poderes constituídos é maniqueísta, arcaica e reacionária. O Estado moderno é muito mais do que uma alegre reunião dos chefes dos três poderes. Sobretudo considerando o objeto desta associação – a comunicação social – necessariamente participativa e aberta.

A exclusão da rede pública de TV não é apenas um lapso de memória, é uma opção política com implicações preocupantes. O menosprezo pela capacidade da TV privada em participar de projetos, digamos, ‘cívicos’, é um atestado ostensivo das suas disfunções sociais.

Se o Brasil, como Estado soberano, autonomeou-se ‘integrador’ televisivo da América do Sul, não faz nenhum sentido que o processo seja feito à revelia das sociedades que deseja integrar.

E qual o público da futura TV Brasil – os poderes constituídos dos Estados vizinhos ou seus telespectadores? Neste caso, por que não participam da empreitada os telespectadores brasileiros e os produtores de conteúdo televisivo nacionais (públicos e privados)?

A questão estende-se à data escolhida para o lançamento formal da iniciativa. O presidente foi inequívoco ao dizer que pretendia ‘prestigiar’ os atuais presidentes da Câmara e do Senado antes que deixassem os cargos na segunda-feira seguinte (14/2).

Prestigiar é um verbo eminentemente político. Prestigiar os presidentes das duas casas do Congresso e não as instituições que deixarão, mais do que isso, é ato de militância. O Estado brasileiro não é partidário. O contribuinte paga a um Estado apolítico. O contribuinte quer ver primeiramente atendidas as suas necessidades – a propaganda externa não está nas suas prioridades.

Artista estadista

O que nos leva a questão da TV Brasil em si. Os 8 milhões de reais que serão investidos neste ano, antes de o canal entrar no ar, não deveriam atender às nossas prioridades em matéria de TV pública?

Um investimento suplementar na TV Educativa (estatal na sua estrutura mas efetivamente pública na sua destinação) não seria uma opção mais útil, mais sólida e verdadeiramente mais integradora?

A Radiobrás (também estatal) desenvolve neste momento esplêndidos projetos de integração nacional, notadamente na área radiofônica; não seria mais estratégico reforçá-los ao invés de desperdiçar esta soma para mostrar aos vizinhos ‘nossas coisas boas’ (expressão do ministro do STF, Carlos Veloso)?

Significa, então, que a TV privada foi excluída do projeto porque não apresenta ‘coisas boas’? Quem dará o selo de qualidade à programação da TV Brasil – o deputado, o senador e o magistrado que ocuparão as chefias destes poderes? Qual a sua legitimidade nesta matéria?

E se a nossa mídia eletrônica não atende aos requisitos capazes de qualificá-la como coadjuvante no projeto, por que razão o Estado brasileiro não cumpre com suas obrigações constitucionais e obriga os concessionários de TV a melhorar a qualidade da programação?

Comprova-se novamente a validade do diagnóstico de Chico Buarque quando disse que falta no governo alguém encarregado de acender a luz vermelha e advertir: ‘Vai dar merda’.

O artista falou como estadista: o Estado brasileiro está sendo desgastado em vão.