Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Imprensa formadora da opinião pública

Tragédias não faltam no dia-a-dia das pessoas aqui no Brasil: a cada dia, cada esquina e a cada noite, o que mais se vê é a intolerância e a violência, sobretudo dentro das famílias brasileiras.

O brasileiro está ficando anestesiado com o sofrimento alheio. É tanto desespero dentro dos hospitais, dentro das favelas e dos lares, que o assassinato de uma criança já não é motivo de indignação – são tantas, todos os dias, que o tema já não é de interesse para os repórteres, mas um caso chocou a opinião pública nestes últimos dias.

O caso Isabella Nardoni não sai dos noticiários há quase um mês. Parece que ninguém mais morreu ou que nenhuma outra criança sofreu abusos, torturas ou mesmo foi vítima de violência doméstica. A pauta principal da imprensa tem sido a cobertura exaustiva, dramática e, em muitos casos e canais, até patética. O sensacionalismo e a corrida pela audiência faz com que o bom jornalismo seja negligenciado em nome do ‘achismo’ de cada apresentador.

É lamentável que este caso em especial tenha causado tanta comoção hipócrita quando se sabe que milhares de crianças e bebês são assassinados nos bairros mais pobres das grandes cidades , nas barrigas de suas mães, ou mesmo por falta de atendimento nos pronto-socorros.

Crimes bárbaros

O que este caso tem de tão espetacular? Nada! A maldade humana é uma só, mas o que transforma uma tragédia familiar em notícia de tanto interesse popular? O ineditismo? A utilidade pública? Não! O motivo do súbito interesse é o simples fato do crime ter sido cometido, ou melhor, supostamente cometido, por pessoas da classe média paulistana. Por falta de criatividade e de competência, a imprensa transformou este caso em manchete nacional e explora o tema de forma distorcida dos manuais da ética jornalística.

Na disputa pela audiência, vale tudo para ficar em primeiro lugar no ibope; é triste, pequeno e mesquinho o que se vê na cobertura da imprensa. Onde está a grande mídia nos infanticídios lá do Acre? Milhares de crianças são assassinadas nas aldeias indígenas diariamente e ninguém sabe disso. A população brasileira não tem conhecimento desses crimes bárbaros, mas a imprensa tem. Cadê os grandes repórteres lá no meio da selva fazendo a mesma cobertura dramática e exaustiva? Onde está a tão competente imprensa na cobertura da dramática situação das mulheres escalpeladas do rio Amazonas? Será que estas pessoas também não merecem ter mais visibilidade em suas tragédias? Será que este Brasil, tão rico em tragédias humanas, não merece ser mais visto e mostrado? É preciso que a imprensa repense o seu papel enquanto formadora da opinião pública.