Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Indignação por mudanças já

No domingo (19/6), milhares de “indignados” tomaram as ruas de mais de 70 cidades espanholas, desta vez protestando contra o Pacto do Euro, que pressupõe, segundo os manifestantes, o empobrecimento da sociedade europeia em benefício de banqueiros e grandes empresas. O acordo, a ser assinado na próxima semana pela União Europeia, pretende enfrentar a grave crise econômica atual, com medidas tais como aumento de idade para aposentadoria, privatização do setor público e supressão de direitos trabalhistas, com a contenção de gastos com pensões e prestações sociais.

O 19-J é um desdobramento do movimento 15-M que, no dia 15 de maio, levou milhares de pessoas às ruas de mais de 50 cidades espanholas para protestar contra o atual sistema político-econômico e suas consequências sociais, uma semana antes das eleições municipais e regionais. O objetivo: mostrar descontentamento pela situação social e exigir reformas profundas em todo o sistema democrático. Em ambos, o mesmo sentimento de indignação contra a especulação e a corrupção financeira, a corrupção política, a crise do sistema eleitoral, o desemprego. “Os cidadãos não são mercadoria em mãos de políticos e banqueiros”, tem sido o lema deste movimento que, desde então, reúne desempregados, pessoas asfixiadas por hipotecas, aposentados, jovens sem oportunidades de emprego e sem perspectivas futuras ante a precariedade social.

O 15-M tomou as ruas exatamente na semana em que o Fundo Monetário Internacional declarou que os jovens espanhóis são uma “geração perdida”. Metade da população espanhola com menos de 25 anos encontra-se desempregada. A Espanha detém o recorde absoluto de desemprego juvenil do Primeiro Mundo, com índice de 40,06%, similar ao do Norte da África.

 Insurreição pacífica contra a mídia

O movimento é capitaneado pelo coletivo Democracia Real Já, que agrupa mais de 400 organizações da sociedade civil, e se declara “apartidário e asindicalista”, pacifista e contra o uso de violência, apesar de algumas tentativas de repressão policial ao movimento em algumas cidades, como Barcelona.

Se tais indignados terão êxito nas suas propostas para eliminar os privilégios da classe política, controlar as entidades bancárias, melhorar a qualidade dos serviços públicos, garantir o direito à moradia, aumentar as oportunidades de emprego e as liberdades cidadãs e a democracia participativa, só o tempo dirá. Por ora, o 15-M já pode ser considerado o primeiro grande movimento social do século 21 na Espanha, sobretudo pelo uso da internet. Esta é, aliás, uma das mais interessantes características deste movimento, que conta com uma grande participação e uma discussão aberta entre cidadãos descontentes com a situação atual e tem gerado também uma abrangente produção cultural por parte dos jovens conectados através das redes sociais.

Mas se é a juventude que está nas ruas hoje, foram dois revolucionários senhores nonagenários que muito colaboraram para o início de este movimento de indignação. No final de março, o diplomata, escritor e militante político alemão Stéphane Hessel – único signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos ainda vivo – lançou ¡Indignaos!, edição espanhola do livro que se transformou em um fenômeno na França, com mais de um milhão e meio de exemplares vendidos em apenas quatro meses. O pequeno livro, que já está disponível em português, busca despertar a juventude de sua letargia, discorrendo contra a indiferença e a favor da “insurreição pacífica contra os meios de comunicação de massa que só sabem propor o consumo, o desprezo aos mais fracos e à cultura, a amnésia generalizada e a competição desenfreada de todos os lados”. Hessel destaca ainda que “para ser eficiente hoje, é necessário atuar em rede, aproveitar todos os meios de comunicação modernos”.

Um fenômeno a ser observado

Na Espanha, ¡Indignaos! teve prólogo de José Luis Sampedro, respeitado catedrático espanhol, professor de estrutura econômica, grande conhecedor do universo econômico mundial e que desde 1947 reflexiona sobre o tema. Sampedro tem sido um ardoroso defensor do movimento. Em carta lida em praça pública, manifestou seu apoio ao 15-M: “Não basta indignar-se. É necessário converter a indignação em resistência e dar um passo a mais. O momento histórico impõe a ação, a mobilização, o protesto, a rebelião pacífica. Digamos não à tirania financeira e suas consequências devastadoras.”

Na mesma época, um outro livro, Reacciona, coordenado pela jornalista espanhola Rosa María Artal, foi lançado com o objetivo de conscientizar a sociedade em geral e os jovens em particular, conclamando-os a rebelarem-se diante das medidas neoliberais impostas pelos governos como única saída possível para a crise. A publicação, que tem prólogo de Stéphane Hessel, reúne textos de diversos especialistas – entre eles, José Luis Sampedro, Baltasar Garzón, Javier Pérez de Albéniz, Ignacio Escolar, Federico Mayor Zaragoza – e se refere também à responsabilidade dos meios de comunicação e ao papel das novas mídias sociais.

Como se vê, o 15-M não surgiu do nada. Inspirado em movimentos anteriores, como o dos jovens egípcios, que conseguiram unidos derrubar uma ditadura de mais de 30 anos, os jovens e toda a sociedade espanhola mobilizam-se por mudanças de rumo por um futuro mais digno e contam com apoio significativo de intelectuais como o escritor uruguaio Eduardo Galeano e o sociólogo espanhol Manuel Castells, considerado um dos grandes teóricos da sociedade do conhecimento.

Num mundo globalizado, interconectado e sem fronteiras, os protestos já se estendem a outros países, como Portugal, França e Grécia. Seja como for, o que está acontecendo na Europa hoje não pode ser ignorado pelo mundo. Trata-se de um fenômeno a ser observado com atenção pela História.

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[Daniella Wagner é jornalista e coordenadora editorial de Los Insistentes, do Instituto Cervantes do Rio de Janeiro]