Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Informação, liberdade e ética em debate

Palestra sobre o atual momento político brasileiro do jornalista Franklin Martins, ex-Rede Globo e novo contratado da Rede Band, encerrou o 32º Congresso Estadual dos Jornalistas do Rio Grande do Sul, sábado (3/6) à noite. O encontro de dois intensos dias e noites de painéis e debates teve um público participativo e curioso de mais de 200 presentes – 209, para ser exato.


Na platéia, uma mistura de veteranos e novos jornalistas gaúchos, além de uma grande maioria de jovens estudantes universitários de Jornalismo de várias faculdades da capital e do interior do estado.


‘Para mim foi uma profunda decepção a falta de ética de uma parcela dirigente do PT. Mas a crise também proporcionou a volta do velho udenismo moralista. Falta ética a quem, hoje, está cobrando ética do PT’, disse Martins. Ele contraria um pensamento muito difundido: ‘O povo vota bem, de maneira geral, ao menos na eleição majoritária’, acredita, ao pôr em evidência os pontos altos e fracos dos dois principais candidatos à eleição presidencial de outubro próximo.


Jornalismo passivo


Um dos destaques do encontro foi o painel ‘A importância da reportagem na mídia alternativa’, tema da manhã de sábado, com os jornalistas Elmar Bones, editor do jornal JÁ Porto Alegre, e César Fraga, editor do jornal Extra Classe, publicação mensal do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul. Essas duas publicações alternativas da mídia gaúcha ultrapassaram os vinte anos (o primeiro) e os dez anos (o segundo). Pode-se dizer que estão consolidados num mercado, como o de Porto Alegre, onde persiste uma tendência diferenciada diante até da mídia mundial: a circulação paga dos cinco jornais da capital não diminui tanto em relação à média mundial e brasileira.


Um outro fator: nos últimos seis a cinco anos, nasceram dois novos jornais, em Porto Alegre. O Diário Gaúcho, do Grupo RBS, com seis anos completados em abril passado, é vendido a 60 centavos de segunda a sábado para um público de menor poder aquisitivo, mas conta com crescente aceitação. E O Sul, do Grupo Pampa, ligado à Rede Record de São Paulo. Este último está completando neste mês de junho seu quinto aniversário. A 2 reais o exemplar, circula de segunda a domingo. Com uma característica: voltado mais para o público de classe média alta, é o único jornal da capital gaúcha a fechar sua edição de domingo no sábado à noite, apresentando naquele dia da semana uma cobertura muito mais atualizada do que seus outros quatro co-irmãos, com fechamentos na sexta à noite e uma pequena atualização das notícias no sábado pela manhã (casos do Correio do Povo e de Zero Hora).


Em sua edição da maio 2006, o JÁ Porto Alegre apresenta um suplemento especial justamente sob o título ‘Na contramão da crise’ . Ali estão as cifras do IVC, relativas a 2005, publicadas na Folha de S.Paulo em 12/02/2006. Elas demonstram o atual momento de expansão da mídia impressa no Rio Grande do Sul, na contramão da crise mundial dos jornais.


Zero Hora está com uma tiragem diária de 178 mil exemplares; Correio do Povo, com 167 mil; Diário Gaúcho, com 152 mil; O Sul, com 64 mil; e Jornal do Comércio-RS, basicamente de assinantes, sem venda avulsa. Tudo somado, a tiragem diária dos jornais da capital gaúcha supera os 550 mil exemplares. E isso apesar do formidável avanço da internet, que já afeta a circulação dos jornais dos outros estados brasileiros.


No interior do estado, a situação é semelhante, garante o presidente da Associação dos Diários do Interior, Eládio Vieira da Cunha, com 18 diários filiados à entidade e uma tiragem de 171 mil exemplares/dia.


O jornalista Elmar Bones, comentando esses números, diz: ‘A diversidade de títulos não significa mais qualidade, novas abordagens, outros enfoques. É que as estruturas se assemelham e os produtos que delas saem, também’. Ele critica o que chama de ‘jornalismo passivo’ da grande mídia gaúcha (e, por que não?, nacional): o jornal é mobilizado de fora da redação para dentro, com noticiário induzido por assessorias de imprensa, alimentando sem cessar os veículos com seus press releases, organizando eventos, articulando denúncias – dirigindo, enfim, a pauta servida a cada dia pela mídia,


Humor preconceituoso


Na sexta-feira (2/6) à noite, na abertura do encontro, o jornalista Oziris Marins, ex-RBS, atual chefe de Jornalismo e âncora da Band-RS, relatou a panela de pressão que enfrentou por 15 anos, como profissional multimídia dos veículos impresso e audiovisuais da Rede Brasil Sul. Há cinco anos, por absoluta falta de tempo, deixou de escrever para Zero Hora para se concentrar na Rádio Gaúcha AM. Mas, apesar da vitrine proporcionada, cansado de jornadas que começavam de madrugada, sem horário para terminar, Marins terminou aceitando o convite para integrar a equipe da Band-RS, onde está há quatro meses. E muito satisfeito, segundo disse.


Outros dois painéis completaram a programação do encontro: ‘Liberdade de imprensa – o papel da mídia na crise política’ e ‘A ética no jornalismo’ contaram com a presença de destacados jornalistas gaúchos. Eles foram amplamente questionados pelo público, sempre curioso e atento, que permaneceu no salão do hotel Embaixador até o final da palestra de Franklin Martins.


A jornalista e professora Cristiane Finger, editora regional de Jornalismo do SBT, apontou, no seu painel, para a falta de credibilidade da mídia brasileira. Citou pesquisa recente realizada em dez países. Enquanto nos países europeus e nos EUA 60% acreditam na mídia, aqui entre nós os meios de comunicação são confiáveis para apenas 45% dos entrevistados. Ela acredita que a ânsia em buscar o furo, a qualquer custo, termina prejudicando a exata apuração dos fatos. E esta ânsia incide, diretamente, na credibilidade da mídia nacional.


O cartunista Neltair Abreu, o Santiago, do Jornal do Comércio de Porto Alegre, apontou para outro problema: há temas, como o aquecimento global, por exemplo, que dificilmente entram na pauta da mídia brasileira. E perguntou ao público: por que será? Ele mesmo explicou: bancos e montadoras de carros são os principais anunciantes da grande mídia. E terminam influenciando, direta ou indiretamente, a linha editorial dos meios em que anunciam. Daí que tentar escrever sobre transporte alternativo, por exemplo, é algo impensável na mídia dos dias de hoje.


Ele falou dos limites da charge e da dificuldade de abordar temas como os ambientais. Falou dos desertos verdes, causados pelo plantio de espécies exóticas como eucalipto e pinus, e sua influência na longa seca que assola cidades gaúchas e catarinenses há alguns anos. Também criticou o atual humor preconceituoso em alguns desenhos gráficos. Não gostou, especialmente, das charges de Chico Caruso em que o cartunista procurou retratar o presidente da Bolívia Evo Morales de maneira preconceituosa. Santiago não aceita charges contra índios. Mas atribui esta onda a uma nova geração de ‘chargistas da direita’, muito distantes politicamente da turma que assombrava os censores militares, nos anos de chumbo, em publicações como O Pasquim.


Desafio do dia-a-dia


O saldo do encontro, preparatório ao Congresso Nacional dos Jornalistas marcado para julho, em Ouro Preto (MG), foi altamente positivo. Se alguma conclusão dele se pode tirar é que mil opiniões, mil articulações e mil idéias foram lançadas ao ar. Retemperando o ânimo dos veteranos e desdobrando inúmeros cenários profissionais para os que estão chegando em breve às redações.


Se a grande mídia gaúcha e seus negócios vão bem, ótimo para eles, proprietários e acionistas. Mas os profissionais do jornalismo do Rio Grande do Sul vão continuar lutando, hoje e amanhã, contra pisos salariais baixíssimos, redações quase sempre diminutas, a excessiva carga de trabalho a castigar principalmente os colegas multimídia. E contra o oficialismo, a parcialidade editorial do pensamento único dominante em temas econômico-sociais e outros, como os ambientais.


Os profissionais gaúchos vão procurar seguir modelos como os jornais alternativos daqui, do Brasil e do mundo, com sua criatividade aguda e um olhar crítico diante do que aí está. Os profissionais da mídia devem aspirar à profundidade e à veracidade. E sobretudo devem estar sempre a serviço de seus leitores, na contramão de quaisquer outros interesses – conforme lembra o colega britânico David Randall, em sua obra mais importante, O jornalista universal.


Debater informação, ética e liberdade foi muito importante. Resta, agora, passar da teoria à prática diária.

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Jornalista, integrante da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas-RS