Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Irritação dos jornalistas

Lula foi transformado em saco de pancadas da irritação dos jornalistas, não da ‘irritação nacional’. Segundo José Simão (na coluna de 14/5), 60% dos que responderam a enquetes, em diversos sites, aprovaram a atitude de Lula. Os jornalistas clamam por liberdade de expressão, mas querem cercear a liberdade de expressão de Lula. Não é à toa que Dines diz que um ‘monte de besteiras’ foram ditas naqueles dias. Como vivem dizendo que Lula fala irrefletidamente.

Rogério Ferraz Alencar, técnico da Receita Federal, Fortaleza



Não sejamos inocentes

Tornou-se lugar comum elogiar os ótimos artigos do Sr. Alberto Dines. E este é mais um para minha galeria. Faço apenas duas ressalvas: em meu conceito (e creio que de muita gente), Lula não perdeu a credibilidade democrática; e ainda, não há, ao meu ver, uma ruptura entre a imprensa e o presidente. Penso que, por mero corporativismo, alguns o olhem bicudos. Mas a atitude da imprensa deve ser a da isenção, e esse episódio será tratado como lição para o futuro.

Gostaria, entretanto, de fazer algumas análises. Estamos vivendo no país dos contos de fadas, mamãe ganso vem nos contar histórias e os irmãos Grimm nasceram ali, em Minas Gerais, ou em São Paulo? Parece-me que o ‘sério’ (?) jornal dos americanos bem informados, o New York Times, virou referência do bom-mocismo e, segundo um volumoso grupo da mídia brasileira, quem somos nós para contestar o que dizem os jornais do lado de cima?

Constato que se instalou um ianquecentrismo nos jornais brasileiros. Li inclusive alguns articulistas defenderem a idéia de que o NYT era até então um jornal sério, que seria impossível contestar suas matérias. É um princípio de autoridade que adotamos ao falar dos ianques e que já está ficando chato. A prova de que a seriedade nessa instituição passa ao largo é que até alguns dias atrás mantinha em seus quadros um jornalista de araque, e que precisou contar as pilantragens que fazia para ser desmascarado, pois até a última hora suas matérias eram consideradas sérias.

Dentre os americanos, aqueles que detêm algum poder olham o nosso país como uma pátria de exotismos exacerbados e o NYT é apenas um canal que dissemina essas coisas. Para corroborar isso que eu penso, leiam uma matéria do UOLNews, de 13/5/2004, com Paulo Henrique Amorim, sobre o preconceito daquele jornal em relação ao Brasil ao longo dos anos, num levantamento feito pela pesquisadora Regina Martins, da Unicamp [ver trecho em http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/canal.asp?cod=277CDL017. A íntegra, só para assinantes]. Respeito é bom e nós gostamos. Tratem-nos com respeito e isso será recíproco, é o que devemos dizer daqui para frente.

Penso que toda essa pantomima não está relacionada a um suposto alcoolismo de Lula, se fizermos uma leitura nas entrelinhas. As análises na imprensa, embora pareçam ter um caráter imparcial, estão discutindo o efeito, e não a causa do episódio. Convenhamos, sem qualquer nacionalismo barato, quando um cidadão brasileiro, idôneo, responsável por seus atos é acusado em público por uma ‘ilicitude’ que tenha cometido tem todo o direito a se defender. Pelo menos é isso que apregoa o estado de direito. Quando esse cidadão é nada mais nada menos que o presidente da República pensa-se, por uma lógica qualquer, que esses direitos se multiplicam. Na matéria específica, publicada no NYT, está estampado um ataque ao cidadão e ao cargo. Alguém que duvide que a truculência aplicada não seja óbvia estará nadando nas águas da inocência. Em qualquer lugar do mundo a atitude de qualquer presidente seria a mesma, fosse ele um democrata ou um tirano, levando-se em consideração que houve um ataque às instituições e ao homem.

E o pobre jornalista, que antes era algoz e agora virou vítima, usando um termo chulo, tem que pôr o seu rabinho entre as pernas e ir embora pra casa, vermelho de vergonha pelas bobagens que publicou. Alguém poderá dizer que a liberdade de expressão me garante escrever o que quiser nesse espaço e vê-lo publicado. Conversa: se eu atentar contra a moral, sair proferindo palavrões ou atacar alguém sem fundamentos terei minha carta censurada, ou responderei na Justiça pelo ato. Portanto, a liberdade tem suas conseqüências. Chega-se agora ao articulamento de falácias ad homini, das quais se concluíram expressivamente que a atitude de Lula, a da expulsão, se explicaria pela sua compulsão pelo álcool. Será porque é o Lula, e aí se pode dizer o que se quiser? É o PT no governo e aí pode? É a República de Bananas e aí pode? Uma vez que se convencionou que esse não é um país sério, qualquer besteira que se publique deve ser encarada como liberdade de expressão? Ao fim das contas, por essa ótica, tudo acabaria na quarta-feira mesmo.

Defende-se a tese de que o governo não deveria dar importância à matéria e, ao dar-lhe, causou um estrago maior do que deveria. Engraçado, por menos que isso, nos EUA, a suposta pátria da democracia e da livre expressão, um cidadão comum (não um jornalista, pois nos parece que são intocáveis!) que faça menos do que isso é pego pelas orelhas e tocado de lá no primeiro avião. Um erro não justifica um outro, mas lá as coisas são feitas sem cerimônia. Por que será que as chamadas vozes importantes do mundo, como a OEA e as agências de notícias, não se levantaram contra a expulsão de brasileiros (que estavam ilegais, é claro!) daquele território, como aconteceu recentemente?

Esse episódio daria uma boa análise, sob a ótica de Foucault, sobre as relações de poder que estão subliminarmente dispostas na sociedade. Concordo em que uma interpretação baseada na tal ‘teoria da conspiração’ seria leviana, mas é bom começarmos a pensar com olhos dialéticos do que está por trás desses ‘acontecimentos’. O governo americano não tem interesse, evidentemente, em derrubar o governo brasileiro. Colocar os marines nas praias atrairia uma horda de oposição até de seus aliados. Uma quebra econômica do Brasil nessa altura da conjuntura mundial traria reflexos medonhos para todos, inclusive para eles, que têm um lastro financeiro suportável. Estrategicamente, nosso país equivale a umas 10 Argentinas, e toda a América do Sul está sustentada numa corda, que tem de um lado o México e do outro o Brasil. O rompimento disso seria inquestionavelmente desastroso.

Porém, a história nos ensina a questão da hegemonia. Ainda sob o campo das estratégias, um país que tem em seu governo um homem saído da esquerda, cujos companheiros até recentemente participaram de uma sangrenta luta armada contra um regime manipulado pelos americanos, que dá socos na mesa contra a instalação do mercado das Américas, a Alca, que está se tornando uma referência mundial no campo das relações entre os povos, mesmo que em todos esses eventos se achem alguns senões, governos dessa natureza não podem andar soltos por aí. E sabemos que metade daquilo proposto em campanha ainda não foi cumprido. Se isso não é motivo para a instalação de ‘minas ideológicas’, então vivemos, ao que parece, no reino das fantasias, do conto de fadas. Ou a divulgação de fábricas de bombas atômicas foi um erro de interpretação da inteligência americana?

A desestruturação política, isso sim, seria interessante, pois um governo enfraquecido é mais fácil de manipular. Não sejamos inocentes, pois é isso o que pensa o governo Bush. Fica claro para mim, e para diversas pessoas com quem já conversei sobre o assunto, a certeza de que qualquer atitude tomada por Lula será alvo de críticas. Ele atravessa aquela fase que tanto faz pintar-se de vermelho ou de azul, ou não se pintar de cor alguma, que será submetido ao crivo das críticas. Claro! Ele é o homem público mais importante do país atualmente e é foco constante na mídia. Porém não menciono a questão de ser notícia, mas o teor do que é veiculado. O Lula talvez seja ruim, sim, porque é incapaz de responder à altura a essa onda desmoralizante capitaneada pelos articulistas da Folha e da Veja, que, posando de bons mocinhos e a serviço da tão decantada liberdade de expressão, ultrajam plenamente uma pessoa íntegra.

Concluo que não há como deixar de fazer alusões com a recente novela da Rede Globo, Celebridade, onde jornalistas de péssima índole são apresentados interferindo na vida dos outros personagens. Será que aquilo é apenas uma peça de ficção?

Alexandre Carlos Aguiar, biólogo, Florianópolis