Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘Jogando’ com os dados

A sociedade brasileira, ao contrário de opinião corrente, vive um momento rico. A vida política nacional ganha recordes de audiência e nossas instituições vêm sendo observadas atentamente pela chamada opinião pública. Cobra-se do governo, do Judiciário, da Polícia Federal, do Congresso, dos partidos e das lideranças políticas responsabilidade para com suas funções, papéis e atribuições. É razoável que se cobre dos órgãos de imprensa ao menos suas responsabilidades auto-referidas: ‘esclarecer os fatos e apresentar a verdade’.

Na quarta feira 21 de setembro foram amplamente divulgadas partes da pesquisa CNI/Ibope, de setembro, sobre a percepção da população em relação ao governo Lula. Algumas manchetes diziam: ‘Aprovação do governo Lula cai mais 12 pontos em setembro’. Os equívocos, contudo, são vários e podem ser identificados a partir de uma consulta à referida pesquisa e mediante uma série histórica que pode ser obtida por intermédio de uma visita ao site do Ibope.

Com relação à interpretação dos dados, não é verdadeira a afirmação de que a avaliação do governo Lula caiu em setembro. Uma pesquisa Ibope de agosto deste ano já indicava esta queda de Lula com relação ao mês de junho. Como pode ser observado, na tabela abaixo, a avaliação de Lula, em setembro, manteve-se estável, ao contrário de certas divulgações:

Tabela 1 – Avaliação do governo Lula (%)

 Avaliação

Junho

Agosto

Setembro

ótimo/bom

35

29

29

Regular

41

38

36

ruim/péssimo

22

31

32

NR

2

2

2

TOTAL

100

100

99

Fonte: Ibope, ago 2005, e CNI/Ibope, set 2005

Ainda com relação à tabela acima, divulgou-se que a avaliação do governo Lula agora era negativa (-3). Subtraindo-se o percentual dos que consideram o governo ótimo/bom pelos que o consideram ruim/péssimo, o resultado é este mesmo. O problema é que o percentual dos que consideram o governo regular não é levado em consideração. O tema é controverso entre os especialistas, mas é razoável, em análise política de avaliação de governo, considerar regular, bom e ótimo como níveis positivos de avaliação e ruim ou péssimo como negativos.

Desta forma, Lula teria 65% de uma avaliação positiva que varia entre os que avaliam positivamente melhor ou pior. Ainda que de junho a agosto – não setembro – os indicadores sejam de queda, este percentual seria festejado por qualquer governo, ainda mais depois de quatro meses de bombardeio na mídia, por parte da oposição e da opinião publicada. Não fosse por isso, poderia festejar o fato de que a tendência de queda parece ter cessado nos últimos 30 dias. A manchete deveria ser outra: ‘Avaliação do governo Lula fica estável em setembro’.

Na mesma linha, mas agora quanto à divulgação dos dados, não é verdade que a intenção de voto em Lula, no eventual primeiro turno com Serra na disputa, teriam caído em setembro. Como podemos verificar na tabela abaixo, a queda foi identificada na pesquisa de agosto.

Tabela 2 – Eleições 2006, 1º turno (%)

Candidatos 

Junho

Agosto

Setembro

Lula

38

29

33

Serra

29

30

30

Garotinho

9

10

10

Heloísa Helena

3

4

5

NB

14

18

15

Fonte: Ibope, ago 2005, e CNI/Ibope, set 2005

Ao contrário do que foi noticiado em alguns veículos, o percentual de intenções de voto em Lula, no mês de setembro, aumentou, embora dentro do limite da margem de erro da pesquisa, que é de 2,2 pontos, para mais ou para menos. A variação dos percentuais obtidos por Lula, contudo, não é acompanhada pelo crescimento ou queda de nenhum dos três supostos adversários mais bem colocados na pesquisa, que não alteraram seus percentuais. O que variou foi o voto branco ou nulo. A manchete poderia ser outra: ‘Intenções de voto em Lula aumentam em setembro’.

Confiança, um destaque

O mesmo problema de apresentação de resultados de pesquisa permanece quando o assunto é a aprovação de Lula no governo. Algumas chamadas diziam: ‘Aprovação de Lula cai 10 pontos em setembro’, o que também não é verdade. Mais uma vez isto ocorreu em agosto, como pode ser constatado na tabela a seguir. Ainda que a informação de agosto devesse produzir um alerta para o governo, pois neste caso, de fato, o resultado é negativo, o dado de setembro traz um alento, a tendência de queda parou nos últimos trinta dias. A manchete deveria ser; ‘Aprovação de lula se estabiliza em setembro’. Com relação ao item confiança no governo, o caso é idêntico.

Tabela 3 – Aprovação da forma de governar

Junho

Agosto

Setembro

55

45

45

38

47

49

Fonte: Ibope, ago 2005, e CNI/Ibope, set 2005

Tabela 4 – Confiança

Junho

Agosto

Setembro

Confia

56

43

44

Não Confia

38

51

52

Fonte: Ibope, ago 2005, e CNI/Ibope, set 2005

Sobre a tabela de confiança no governo cabe, ainda, uma breve relativização. Ainda que negativos, embora estáveis, são comparativamente razoáveis se considerarmos os percentuais de confiança em outras instituições políticas, segundo a própria pesquisa CNI/Ibope, como: políticos (90% não confiam); partidos (88% não confiam) e Senado (76% não confiam), muito superiores aos 52% de não-confiança atribuídos ao governo Lula.

Os deslizes e suas causas

Por fim, em sentido diferente, pois não se trata de erro, é interessante observar as escolhas dos dados divulgados. Há na pesquisa CNI/Ibope de setembro uma tabela com os resultados de uma pergunta sobre a comparação do governo atual com o de FHC que, ao que parece, foi pouco divulgada. Segundo os resultados da pesquisa, apesar de toda a crise pela qual passa o mandato do presidente Lula, seu governo é considerado melhor do que o anterior. Isto pode ser identificado na tabela a seguir. Uma hipótese para explicar este fenômeno pode ser a de que a população brasileira, ao contrário de certa percepção geral, é muito atenta ao que acontece no mundo público e sabe distinguir os problemas relativos à corrupção e ao desempenho governamental em geral.

Tabela 5 – Governo Lula em relação ao de FHC (%)

Junho

Agosto

Setembro

Melhor

48

43

Igual

27

27

Pior

21

27

TOTAL

96

97

CNI/Ibope, set 2005

A vida de um jornalista em redação de jornal é de fato complicada. Tudo acontece ao mesmo tempo, ele é pressionado por todos os lados, tem que ajudar a vender a informação, dar o ‘furo’, antecipar-se aos concorrentes e preencher a pauta. Mas a vida de certo modo é assim para todos os profissionais. Convém ter atenção com a checagem da informação e com sua qualidade. Uma cobrança similar à que se faz aos homens públicos com suas responsabilidades auto-atribuídas. Deixo aos leitores as especulações sobre as causas destes, digamos, deslizes.

******

Doutor em Ciência Política pelo Iuperj, professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio