Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Justiça Eleitoral cumpre papel do CFJ

As histórias das atrocidades cometidas pelo jornalismo contra a sociedade se repetem no seu modo operante: têm como personagens principais os mais humildes. Os poderosos se defendem com eficiência da fúria tresloucada da imprensa. Gente importante deste Brasil, seja os que estão sentados em cima de uma montanha de dinheiro e/ou estão incrustados no ‘puder’, tem eficientes meios para acalmar os veículos de comunicação e, se precisar, usar os seus bons advogados.

Acredito que um dos sentimentos da proposta do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) contemple esse aspecto. É necessário fornecer instrumentos para que a maioria da população do país, simples e honesta, consiga se defender dos excessos, dos preconceitos, da imposição de padrões e, principalmente, do cinismo dos grandes veículos de comunicação, que se acham detentores da verdade atual e histórica. Vejamos o caso do livro sobre os 35 anos do Jornal Nacional. Lá, Leonel Brizola virou estadista e a campanha por eleições diretas teve uma cobertura digna da Olimpíada de Atenas. A Rede Globo quer reescrever a história. Mas, as edições das matérias realizadas pela própria emissora desmentem o que está escrito no livro de autopromoção.

Não confio no texto da proposta de criação do CFJ que tramita no Congresso Nacional. Está provado que o material original da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) foi alterado no Planalto, um pessoal que gosta do pensamento único e tem dificuldades de conviver numa sociedade plural.

Entretanto, acredito que a discussão sobre os limites da atuação da imprensa já é um bom avanço em relação ao que vivemos hoje: faço o que bem entendo (a grande imprensa) e quem for atingido e não gostar, que vá procurar o bispo. Nesse caso, a Justiça, lenta, custosa, despreparada para lidar com questões que envolvem complexos meios de comunicação (como a internet) e, principalmente, aliada a muitos barões da imprensa brasileira.

A redoma da lei

Para pensar como seria se tivéssemos algum tipo de regulamentação profissional, vejamos o caso dos sete assassinatos de mendigos, ocorridos na cidade de São Paulo. A cobertura jornalística é exemplar. Os repórteres tiveram o cuidado de pesquisar fatos anteriores, obter estudos de universidades, ouvir policiais, moradores de rua, ONGs engajadas com o povo de rua, enfim, cercar o assunto por todos os lados. Já os editores balancearam bem os seus telejornais, radiojornais, páginas de impressos e de internet, não julgando e culpando alguém pelo ocorrido. O cuidado jornalístico com esse episódio é case para aulas de Jornalismo.

Mas o que aconteceu? Por que o assunto não foi coberto como o da Escola Base? A resposta mais simples seria que a imprensa aprendeu muito desde 28 de março de 1994, quando duas mães queixaram-se na delegacia do bairro do Cambuci, em São Paulo, de que seus filhos de 4 e 5 anos estavam sendo molestados sexualmente na escola. A mídia deu a versão do delegado Edélcio Lemos e os acusados, finalizado o inquérito policial, foram declarados inocentes. Acabaram mortos moralmente pela imprensa, sem direito a defesa nas telinhas, nos radinhos e páginas de jornais e revistas. Exceto o falecido Diário Popular, que não acreditou na história e deveria ganhar o Prêmio Esso por não tê-la publicado.

Afinal, diriam os donos do conglomerado de midiático brasileiro, são 10 anos do paradigmático caso, portanto, a imprensa, agora, não erra mais. Gostaria muito que isso fosse verdade. A imprensa continua a matar moralmente muita gente. E pessoas indefesas, humildes. Em tese, na essência do jornalismo, os primeiros a serem defendidos.

A cobertura da morte dos mendigos tem uma redoma sobre a imprensa, que é a Lei Eleitoral. Com o temor de que o caso pudesse virar munição na briga eleitoral, os responsáveis pela cobertura estão cautelosos. Qualquer deslize, incriminando antecipadamente alguém, seria um desastre.

Regulamentar, não orientar

A candidata pelo PT à prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy, adoraria ver a confirmação de que policiais militares (força policial sob responsabilidade do governo estadual) estivessem envolvidos no caso (há dois PMs presos, mas ainda não há provas definitivas, apenas reconhecimento de testemunhas). Já José Serra (PSDB), também postulante a prefeito e principal concorrente, sentiria felicidade eleitoral se os acusados fossem da Guarda Municipal, pertencentes ao quadro de funcionários da Prefeitura, portanto, sob a batuta de Marta Suplicy.

Para não servir de instrumento para uma ou outra candidatura, a imprensa tem tomado cuidados. Porém, a preocupação não é com que tenhamos uma eleição limpa e que o resultado seja reflexo da vontade popular. A mídia tem medo é da Justiça Eleitoral. Essa, ultimamente, não titubeia e pune quem não faz um jornalismo responsável.

Vejamos a notícia dada pelos repórteres do Globo Paulo Marqueiro e Rodrigo Taves:

‘A Justiça Eleitoral tirou a TV Record do ar por 22 minutos, a partir das 23h06 de ontem (20 de setembro). Atendendo a representação do PT, o juiz Luiz Márcio Victor Alves Pereira, do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), entendeu que o programa exibido pela emissora sobre o projeto Fazenda Nova Canaã favorecia o candidato do PL a prefeito do Rio, Marcelo Crivella. A Record é ligada à Igreja Universal do Reino de Deus, da qual o pastor Crivella, sobrinho de Edir Macedo, é um dos principais líderes.’

A Justiça Eleitoral está fazendo o que um CFJ faria. Mas, para que isso aconteça no futuro, após muito debate com a sociedade organizada, o Conselho teria que ser bem implantado, democrático e com o propósito de regulamentar as atividades jornalísticas, e não de orientá-las.

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Doutor em Mídias Digitais e pesquisador na área de Ciências da Cognição