Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Kennedy Alencar

‘Assim que voltar do exterior, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai enquadrar o ministro José Dirceu (Casa Civil), por avaliar que ele está extrapolando a ordem para se dedicar exclusivamente ao gerenciamento do governo.

Segundo a Folha apurou, já chegou ao Palácio do Planalto a contrariedade de Lula com as atropeladas que outros ministros sofreram de Dirceu nos últimos dias, além de seu incômodo com a publicidade dos novos poderes do ministro -que vem se comportando de fato como chefe de governo na ausência do presidente.

Em visita à Índia (7 horas e 30 minutos adiante do horário de Brasília), Lula acompanhou os fatos políticos da semana. Chateou-se, por exemplo, com a declaração de Dirceu dizendo que o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) não é contra o projeto de lei do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que amplia benefícios fiscais na região Norte.

De uma só tacada, Dirceu atropelou Palocci, que se opõe ao projeto, e Aldo Rebelo, porque falou de um assunto que deveria ser conduzido a partir de agora pelo novo ministro da Coordenação Política e Assuntos Institucionais. Rebelo teme que Dirceu não desencarne da coordenação política.

Lula também não gostou da afirmação de Dirceu de que reformularia órgãos do governo, como Funai e Embrapa, que estão lotados em outros ministérios. Alguns ministros viram a declaração como uma espécie de autorização para intervenções públicas em outras pastas.

Não foi isso o que Lula combinou com Dirceu quando tirou da Casa Civil as funções políticas e levou para a pasta a parte de gestão governamental que estava no Planejamento. Dirceu tem poder delegado por Lula para se dedicar ao gerenciamento de governo, mas não para se comportar publicamente como primeiro-ministro.

Segundo a Folha apurou, Lula disse a Dirceu desejar que ele atue ‘para dentro do governo’, acompanhando melhor as ações ministeriais e a execução orçamentária. Lula quer ainda que Dirceu saia dos holofotes.

Estilo Dirceu

Sua contrariedade se deve mais ao estilo de Dirceu do que ao conteúdo das decisões de governo propriamente ditas. Exemplo: o ministro da Casa Civil disse publicamente que o governo não enviaria ao Congresso em 2004 o projeto de autonomia do BC (Banco Central). É o que deve acontecer, mas não era para ser dito. Palocci reclamou, e Dirceu recuou depois de ser enquadrado por Lula no Palácio da Alvorada.

Políticos ligados a Dirceu avaliam que ele precisa tomar o cuidado de não repetir Clóvis Carvalho, ministro da Casa Civil no primeiro mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Ou seja, com uma eventual reeleição de Lula, não reassumir a Casa Civil.

Carvalho começou como um discreto chefe da Casa Civil, que se orgulhava de governar com os secretários-executivos (aqueles que são a segunda posição em cada ministério). Nunca falava de política. No entanto, terminou o primeiro mandato com fama de homem forte, mais até do que Pedro Malan (Fazenda), que enfrentaria desgaste logo em seguida, com a desvalorização do real.

No início do segundo mandato, Carvalho, à época no Ministério do Desenvolvimento por manobra de FHC para afastá-lo do Palácio do Planalto, trombou com Malan e acabou caindo.’

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‘Reportagem com foto rendeu 1ª advertência’, copyright Folha de S. Paulo, 29/01/01

‘A primeira advertência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ministro José Dirceu (Casa Civil) ocorreu na fase de transição do governo FHC para o do PT.

Depois de ver numa revista uma foto de Dirceu enrolado na bandeira do Brasil e uma reportagem retratando-o como o homem forte do novo governo, Lula mudou a decisão já tomada de nomeá-lo chefe da equipe de transição, passando a função para Antonio Palocci Filho e Luiz Gushiken. Palocci virou o chefe. Gushiken, o sub. Dirceu ficou com a política.

Ainda na transição, Lula desaprovou o acordo que Dirceu fez com a antiga cúpula do PMDB para dar ao partido os ministérios da Integração Nacional e das Minas e Energia. Simplesmente ignorou o acerto, deixando Dirceu mal no episódio.

Ao longo de 2003, Lula também desautorizou o ministro da Casa Civil. Num episódio, chegou a dar ‘um gelo’ de 10 dias no ministro e a dizer com ironia em uma reunião que um assunto abordado por Dirceu era da alçada presidencial.’

 

Jamil Chade

‘Lula diz que Dirceu só faz o que ele manda’, copyright O Estado de S. Paulo, 30/01/01

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ‘negou categoricamente’ que o ministro da Casa Civil, José Dirceu, esteja exorbitando em suas funções e assumindo atitudes típicas de um primeiro-ministro de regime parlamentarista. Não faz sentido também a idéia de que, de volta ao País, o presidente pretenda ‘enquadrar’ Dirceu por causa de seu estilo ‘gerentão’. A reação de Lula foi transmitida ontem à noite pelo secretário de Imprensa da Presidência, Ricardo Kotscho.

Segundo ele, Lula disse estar ‘muito satisfeito’ com o comportamento de Dirceu e riu ao ser informado de notícias publicadas ontem na imprensa brasileira a respeito. O ministro está fazendo tudo ‘exatamente como combinado’ com Lula antes de o presidente deixar o Brasil para suas viagens à Índia e Suíça, concluiu Kotscho, acrescentando que o presidente vem mantendo ‘contatos freqüentes’ por telefone com o ministro. Ainda segundo o assessor, Lula teria se comunicado também com o vice-presidente, Jose Alencar.

Lula e sua comitiva de mais de 30 pessoas chegam ao Brasil no sábado depois de um vasto programa no exterior. Hoje ele se reúne com o presidente da França, Jacques Chirac e com o secretário-geral da ONU, Kofi Annan. O objetivo da reunião é o de debater as possibilidades da criação de um mecanismo que possa financiar a luta contra a fome no mundo. Lula também encontra hoje com o presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI) para promover a candidatura do Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos de 2012.

Em Brasília, por coincidência, a primeira reunião do Conselho Político do governo depois da reforma ministerial, que seria realizada hoje, sob o comando do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, foi adiada para segunda-feira, em duas etapas. De manhã, só estarão presentes os que integram o conselho original – Dirceu, Antônio Palocci (Fazenda), Luiz Dulci (Secretaria-Geral) e Luiz Gushiken (Comunicação de Governo). À tarde, já com a participação de Lula, participam também os ministros Jaques Wagner (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) e Aldo Rebelo (Coordenação Política).

Agenda – Essa reunião foi adiada por causa de agenda: Dulci estaria fora de Brasília, para tratamento médico, e Palocci não conseguiria retornar a tempo de Genebra. Mas em outros ministérios cujos titulares participam do Conselho Político a informação era diferente: Wagner e Rebelo ainda não teriam tomado pé da situação de suas pastas. Assim, a reunião ficaria esvaziada, porque não teriam o que dizer, principalmente em relação às articulações com o Congresso e com a sociedade civil. ‘A reunião estava prevista para amanhã (hoje), mas por problemas de agenda, teve de ser adiada para segunda’, confirmou o ministro José Dirceu logo depois de participar de um ato de desagravo ao presidente em exercício, José Alencar, por causa das denúncias de que teria exercido tráfico de influência para furar a fila de transplantes de medula no Instituto Nacional do Câncer (Inca). Desta vez, o gabinete do presidente ficou aberto o tempo todo para repórteres e fotógrafos, cena rara desde que Lula tomou posse.

Alencar confirmou o apoio dado a Dirceu por Lula. Quando lhe foi indagado se o ministro age como primeiro-ministro, ele disse: ‘Veja bem, em qualquer governo o chefe da Casa Civil é responsável pelas questões de governo e até pelo trabalho ligado a cada ministério. Isso não significa outra coisa senão a missão do chefe da Casa Civil. Antes, ele (Dirceu) estava muito assoberbado, acumulando as funções políticas que foram entregues agora ao ministro Aldo Rebelo.’

Dirceu ouviu as respostas. Impaciente, olhava o tempo todo para um relógio de parede, e dizia para um assessor de Alencar: ‘Chega, chega, tem que acabar. A agenda está atrasada.’ Além da reunião de hoje adiada para segunda-feira, Dirceu convocou outra, para o dia 6, com todo o ministério, mas sob o comando de Lula, na Granja do Torto. (Colaboraram João Domingos e Tânia Monteiro).’