Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Licença revogada inflama debate no país

A decisão do presidente Hugo Chávez de não renovar a licença de funcionamento da RCTV, uma das mais antigas emissoras de televisão da Venezuela, deu início a um inflamado debate sobre a relação do governo com os veículos de comunicação do país. Como a RCTV é crítica regular do governo de Chávez, analistas locais e internacionais questionam se a atitude do presidente significa um aumento de controle sobre a mídia dissidente na Venezuela e um aumento de controle sobre a indústria de notícias do país.


Organizações como a Repórteres Sem Fronteiras condenaram a decisão, anunciada na semana passada por Chávez, classificando-a de um ‘sério ataque ao pluralismo editorial’. O grupo pede que o governo reconsidere a decisão e ‘garanta um sistema independente de concessões e renovações de licenças’.


Funcionários do alto escalão do governo foram rápidos em rebater as muitas críticas recebidas. O vice-presidente, José Vicente Rangel, afirmou que a decisão não foi uma retaliação política, mas um ‘direito do Estado por razões que são justificáveis’. Outros funcionários políticos, entretanto, deixaram claro que a decisão foi uma reação às políticas editoriais da RCTV, particularmente com relação ao golpe em 2002 que tirou Chávez brevemente do poder.


Filmes americanos


As ações da RCTV e de outras emissoras privadas durante o período caótico do golpe de 2002 são o ponto central de sua tensão com o governo de Chávez. Na ocasião, algumas das emissoras deram a entender que apoiavam o golpe, substituindo a cobertura de seu colapso e da volta do presidente ao poder por reprises de filmes americanos e desenhos animados de Walt Disney.


Desde então, Chávez acusa as emissoras de criar uma ‘guerra psicológica’ contra sua administração, descrevendo os principais canais do país – Globovisión, Televen Venevisión e RCTV – como os ‘cavaleiros do apocalipse’. Sua reeleição no fim de 2006 não acalmou seu desprezo pela elite da mídia tradicional e pela RCTV em particular, afirma artigo de Simon Romero para o New York Times [1/1/07].


Abuso de poder


‘Esta decisão só pode ser vista como uma estratégia de controle e um abuso de poder’, afirma Ewald Scharfenberg, diretor do Instituto para Imprensa e Sociedade, grupo que analisa questões de liberdade de imprensa. Nos últimos oito anos, Chávez e seus seguidores conquistaram o poder sobre a vasta maioria das instituições políticas da Venezuela – o Congresso, o Supremo Tribunal e quase todos os governos estaduais. Já a indústria de mídia, junto com empreendimentos privados, instituições religiosas e ligas profissionais de esportes, continua fora do controle do presidente.


Desta forma, com críticas ferozes às políticas de Chávez, jornais privados, emissoras de TV e rádio e uma pequena comunidade de blogueiros tentam mostrar que ainda há voz dissidente no país – ainda que uma mudança na legislação tenha aumentado a habilidade do governo de intimidar as críticas, criando um clima de auto-censura.


Leis mais duras


Uma lei de 2004 impõe pesadas multas e suspensão de licenças a emissoras de rádio e TV por coberturas que incitem distúrbios públicos. Legisladores também modificaram o código penal para aumentar as penalidades por difamação. O caso do jornalista Napoleón Bravo exemplifica os cuidados que devem ser tomados por profissionais de imprensa na Venezuela: ele foi acusado sob estas novas leis por afirmar que o Supremo Tribunal é ineficiente e sugerir que fosse substituído por um bordel.


Desde o golpe de 2002, RCTV e Globovisión continuaram críticas a Chávez, enquanto Venevisión e Televen amenizaram o tom contrário ao presidente. A situação entre Chávez e a RCTV piorou quando, durante o golpe, o diretor de operações de notícias da emissora, Andrés Izarra, pediu demissão depois de afirmar que seus superiores haviam omitido partes da cobertura do desenrolar do golpe.


Izarra tornou-se, posteriormente, ministro das Comunicações do governo de Chávez e hoje comanda a Telesur, canal de notícias multiestatal latino-americano. As autoridades federais e regionais venezuelanas controlam cinco canais de TV, incluindo um usado para transmitir os discursos do presidente, oito emissoras de rádio e uma agência de notícias.