Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Lula no Big Brother?

Com todo o respeito ao ex-guerrilheiro Franklin Martins, trata-se de um exagero afirmar – como o jornalista afirmou na manhã de segunda-feira (2/1), na CBN – que foram difíceis as perguntas feitas ao presidente Lula em mais uma entrevista exclusiva concedida à Rede Globo, veiculada na última edição do Fantástico [domingo, 1/1]. Mesmo porque, difíceis ou fáceis, é muito improvável que as questões não tenham passado previamente pela assessoria da Presidência da República, o que permitiria uma melhor preparação do entrevistado.

Martins prestaria melhor serviço à nação se informasse sobre os bastidores da entrevista; se falasse sobre esse grande arranjo que existe entre este governo e a maior empresa de comunicação do país ou, melhor ainda, se revelasse o que de fato existe entre a Globo e os sucessivos governos desde o golpe militar. Inclusive seria interessante explicar o papel de Joe Wallach na emissora, o cidadão estadunidense enviado pela Time-Life que decidiu por um bom tempo o que iria ao ar, embora seu crachá registrasse um modesto cargo técnico.

Observemos: a entrevista foi gravada no gabinete do presidente, terceiro andar do Palácio Alvorada, e veiculada logo no primeiro dia do ano: um domingo. Nem bem os fogos haviam terminado de estourar e lá estavam duas câmeras, iluminação perfeita e uma lista de perguntas seguida com fidelidade canina por Pedro Bial. Completavam o cenário os 6 bilhões de reais da dívida que as Organizações Globo possuem entre credores privados e cofres públicos. Deveríamos esperar algo fora do script?

Mesmo argumento

Close no rosto de Lula, emocionado, falando sobre seus filhos que dormiram na calçada vendendo camisas e fazendo filiação para criar o partido que iria mudar a forma de fazer política no Brasil. Já sabemos que na televisão a imagem, a forma, é mais significativa que o conteúdo. É preciso haver complacência do câmera, do editor, do jornalista e, claro, do dono da empresa para que seja veiculada uma mensagem positiva. Qualquer descompasso pode ser extremamente prejudicial às intenções iniciais.

Uma pergunta realmente difícil versaria sobre o grande acordo feito com o PSDB para manter sua equipe intacta no comando do Banco Central e no ministério da Fazenda, mudando apenas o ministro (que é quem vai para as câmeras) e mantendo os secretários executivos (que são os que fazem o trabalho). E uma pergunta impossível seria algo como: ‘Presidente, uma das bandeiras históricas do PT sempre foi a democratização dos meios de comunicação. Por que este governo não avançou nesse ponto?’.

No entanto, o repórter Pedro Bial perguntou coisas do tipo ‘o senhor sabia ou não sabia?’ ou ‘o senhor acredita no mensalão?’ e, assim, limitou-se ao óbvio. Mais à frente passou a comentar: ‘Mas, ainda há a sensação no senso comum de que a economia brasileira é um cavalo doido para galopar e com as rédeas de uma legislação trabalhista ultrapassada, de um sistema tributário punitivo (…)’. O argumento é o mesmo das classes que exploram o Brasil há anos, que culpa os setores produtivos e isenta os segmentos financeiros.

Espiadinha fútil

O final da entrevista é sintomático. Microfone aberto para o discurso da reeleição. A opção do PT para combater os ataques que sofre pela mídia colombina é usar a mesma mídia colombina para se defender – e em ritmo de campanha:

‘A única coisa de que tenho certeza de dizer é que 2006 será o ano do povo brasileiro, porque está tudo engatilhado, está tudo preparado, está tudo armado para que o Brasil tenha um forte crescimento, uma forte distribuição de renda, muito emprego para esse povo e, quem sabe, vamos juntos construir o Brasil que sonhamos há muito tempo construir’.

Ou seja, a julgar pelo quesito ‘mediação’, não restam dúvidas de que o Partido dos Trabalhadores aceitou fazer parte do esquema.

Nisso tudo, não deixa de ser coerente a escolha do ‘comandante da nave’ do Big Brother para entrevistar o presidente da República. Dessa forma, a superficialidade da gravação estava garantida pelo prazer da espiadinha fútil em lugar do aprofundamento crítico das questões relevantes para o desenvolvimento do país.

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Coordenador do site FazendoMedia e correspondente da Caros Amigos no Rio de Janeiro