Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mães, as vítimas da mídia

Triste imagem a que vai ficar do último Dia das Mães. Até o domingo (14/5), jornais e revistas prestaram as homenagens habituais mostrando mães de trigêmeos, mães executivas, mães radicais e tudo que os filhos podem fazer por elas: os melhores presentes, as melhores comidas e as roupas que vão deixar as mães mais fashion. Ninguém falou das mães da periferia ou das mães dos policiais que ficam o tempo todo se preocupando com a segurança dos filhos. Nem mesmo repetiram uma matéria que já está virando tradição: mostrar a imensa fila de mães que vão às prisões visitar os filhos. Essas filas só são notícia quando há problemas.

Faltou à imprensa o timing que sobrou aos bandidos. Eles escolheram exatamente o Dia das Mães – considerado pelo comércio com chamariz para os melhores para negócios – para deixar a cidade de São Paulo em pânico. E a mídia, surpresa, completou o serviço correndo atrás do prejuízo e deixando a população ainda mais assustada. Os jornais nem tiveram tanta culpa, pois só noticiaram no dia seguinte, mas a TV, que suspendeu os açucarados programas de domingo para transmitir o noticiário, deve ter deixado muita mãe em pânico.

O exagero foi tanto que até os suplementos dedicados às mulheres, como o ‘TV&Lazer’ (Estado de Sâo Paulo, 21/05/2006) deixaram de lado as novelas para falar do assunto. Numa excelente crítica à mídia televisiva, Leila Reis escreveu:

‘A violência das fotos e as imagens já falavam por si só, mas para manter a tensão no pico, elas foram reprisadas, recontadas, enfatizadas e adjetivadas até não mais poder. Na falta de imagens e informações novas, haja repetição! Como a da cena do sofrimento da pobre mãe sobre o caixão de um dos primeiros policiais mortos nos atentados. A sensação é de que as emissoras reconheceram na desgraça uma oportunidade de conectar-se melhor com o público (aumentando a audiência) e não mediram esforços para aproveitá-la. Assim, todo esforço foi oferecer material suficientemente forte para manter a perplexidade do público à flor da pele… A comoção, a perplexidade, o medo podem ter afetado a capacidade de julgamento dos departamentos de jornalismo na segunda-feira, quando o país foi surpreendido pela audácia do crime organizado. Mas nada justifica o que se seguiu depois. Interessados em estender a audiência, alguns passaram dos limites’.

Mensagens vazias

Não se pode negar que os cinegrafistas, fotógrafos, repórteres e editores têm incontrolável fascínio por mulher chorando. Ainda mais se for mãe chorando a morte de um filho. E não se pode negar também que a foto merecia ser publicada. Pena que no dia seguinte as editorias de Cidade e Polícia não deram continuidade à matéria, procurando descobrir outras mães na mesma situação. A exceção foi uma matéria (Estado de São Paulo, 21/5) sobre a mãe que só ficou sabendo da morte da filha (que cumpria pena num presídio feminino) porque foi procurada pela reportagem. Embora não tenha sido mostrada chorando, essa mãe foi comovente em sua resignação, ao dizer que sua filha ‘está melhor agora’.

Quem sabe nas próximas matérias sobre Dia das Mães os jornais e revistas esqueçam o apelo comercial (embora isso deva ser difícil, pelo número de anúncios veiculados nessa época) e prestem mais atenção aos verdadeiros desejos das mães: as de classe média querendo saber como evitar que seus filhos larguem a escola, caiam na droga ou na marginalidade; e as de classe baixa tentando descobrir um jeito de garantir um futuro melhor aos filhos.

Seria mais humano do que ficar enchendo páginas e páginas com objetos de consumo que a maioria da população dificilmente poderá comprar. Ou com mensagens vazias que só têm sentido para impulsionar as vendas de roupa, maquilagem e eletrodomésticos.

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Jornalista