Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Mais e melhores micos em campo

O mico virou marca registrada nesta Copa 2006 – organizadores, patrocinadores, dirigentes, jogadores, treinadores, apresentadores, repórteres, analistas, cada um se esmera mais do que o outro em pagar micos, miquinhos e micões. Já começou no dia 9, na cerimônia de abertura. O público conhecia mais Claudia Schiffer do que Franz Beckenbauer e Pelé! Pelo menos a top model foi muito mais aplaudida… Quem manda misturar enfermarias pop? Bem fizeram Maradona e Tostão, que ignoraram solenemente o convite.


O mico dos micos de todos os tempos é a cobertura Homer Simpson da Globo (agradecimentos penhorados a William Bonner pela expressão-resumo). Os recadinhos ridículos, grotescos mesmo, às namoradas por um bando de marmanjos que deveria estar vendo vídeo da Croácia, a exploração barata da fragilidade de Zagallo, a melosidade de Fátima Bernardes entrevistando jogadores a qualquer hora, dia e noite, ou ancorando o Jornal Nacional em frente ao hotel da seleção, cercada de seus indefectíveis papagaios de pirata, tudo é de embrulhar o estômago.


Este acordo de marketing total Globo-CBF pode botar a Copa a perder, e poucos reclamam disso. O Globo anunciou que a apresentadora Ana Maria Braga e seu louro-josé, que estão na Alemanha (???), farão dois programas ao vivo da concentração da seleção (???), um deles na sexta-feira (16), dois dias antes do jogo com a Austrália! Se o Brasil perder, o telespectador pelo menos não terá que aturar Galvão Bueno dizendo que a seleção jogou de salto alto: a própria emissora forneceu os sapatos. Além da exclusividade da transmissão dos jogos, a Globo comprou também o direito ao jornalismo mais piegas, vulgar e barato da história da imprensa.


E a mídia esportiva em peso não denuncia tudo isso por quê? Crítica permanente a este favorecimento escandaloso só mesmo na ESPN Brasil. A imprensa acovardada aceita calada as sobras do circo – no qual mico não falta:


** Mais bolhas em pés patrocinados pela Nike, e pela Adidas também. Craques de todas as seleções escorregam como se jogassem hóquei no gelo. O que há com essas benditas chuteiras, que a imprensa não investiga? (Mas não vale ouvir assessor de fabricante!) Um debatedor de mesa-redonda disse que especialistas estão atribuindo certas lesões a chuteiras macias demais. Bolhas, lesões… Nem chuteira os fabricantes de chuteira sabem fabricar hoje em dia. Só fazem marketing.


** O treinador Carlos Alberto Parreira afirmou em todas entrevistas estar louco para estrear na Copa. Mas ele não saiu do Brasil dizendo que gostaria de mais tempo para treinar a seleção? Por que nenhum repórter cobra essas incoerências nas entrevistas? Que nada, da Globo à ESPN Brasil, opostos completos, o que se ouve é o desejo incontrolável de que a seleção entre em campo. Deve ser para ver logo Ronaldinho e Roberto Carlos ainda errando cobrança, ou Adriano ainda falhando de cabeça, ou Cafu indo mas não agüentando voltar, ou Zé Roberto lançando a dois metros do alvo, o Emerson perdendo disputa e o Dida saindo atrasado – todos precisando de mais umas duas semanas de treino, no mínimo. Sem TV, então, melhor ainda: menos show, mais seriedade. Antigamente, ver imagens dos treinos da seleção era uma preciosidade. Hoje, é mais comum que pelada com churrasco. A Copa não é mesmo mais aquela.


** O mico passeou à vontade pelo Sportv. O repórter no campo de treino interrompe o narrador Luiz Carlos Jr. para entrevistar… Tino Marcos. Um repórter da Globo. Que ‘revela’ a grande preocupação de Parreira com as bolas altas na área. Como se todos os brasileiros, incluindo o filho da vizinha que nasceu ontem, não soubessem que as bolas altas são nosso pesadelo desde os anos 30 do século passado. O mesmo repórter interrompe algum outro comentário de Luiz Carlos Jr., Paulo César Vasconcelos e João Carlos Assunção, especializados em falar sem parar sem nada dizer – um blogueiro são-paulino apelidou-os de ‘trio kiwi’, por conta das camisas verdes, mas o mais apropriado seria ‘trio chuchu’ –, para informar, tarããã!!!, que o treinador de goleiros Wendel começa a jogar bolas altas para Dida defender… Patético.


** Patética igualmente a participação de uma árbitra brasileira no Sportv para supostamente analisar as arbitragens da Copa. Numa noite dessas ela passou um tempão elogiando ‘o Horácio’, pois ‘o Horácio é ótimo’, ‘Horácio é muito bem preparado’, ‘maravilhoso o Horácio’. O próprio apresentador ficou confuso, até ser esclarecido: ela falava de Horacio Elizondo, o argentino que apitou o jogo de abertura e, por sinal, cometeu vários erros. Pelo jeito, a analista e el hermano são velhos amigos. Então fica difícil avaliar, né? Pior foi a análise do péssimo desempenho de Carlos Eugênio Simon (autor de muita lambança no Brasil), que apitou Itália x Gana: até pênalti o brasileiro deixou de marcar. ‘Ele estava bem colocado…’, ‘a preparação dele foi fantástica…’, ensaiou a moça. Controle remoto e conclusão rápidos: árbitro da ativa não pode avaliar arbitragem – ou perde os amigos.


** Praga pega. Até o Amigão (Paulo Soares), da ESPN Brasil, gritou ‘olha o gol, olha o gol, olha o gol!’ quando a Holanda marcou contra Sérvia e Montenegro. Assim não dá!


** Melancólico o mico do ministro da Cultura, Gilberto Gil. Cedeu os direitos da linda Balé de Berlim a quem? À Aracruz Celulose, fabricante de desertos verdes país e mundo afora. Logo Gil, ambientalista histórico, fundador em 1990 do Movimento OndAzul. E o que a imprensa fala disso? Que a campanha, caríssima, foi entregue à W/Brasil e usa astros como Daiane dos Santos, Popó, Robert Scheidt, Bernardinho, Seu Jorge e Pelé para anunciar: ‘Aracruz Celulose, o Brasil fazendo um bonito papel no mundo inteiro’. Então tá.


** A micada do ano, claro, é da assessoria do presidente Lula. Vai ser mal-assessorado assim lá no Togo, onde até o primeiro-ministro interferiu na seleção. Definitivamente, não há assessoria de comunicação, de marketing, de relações públicas, de jornalismo, de nadica de nada no Planalto.