Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Manuel Pinto

‘O 25 de Abril é um dia de festa. Também para o jornalismo. É dia de recordar um tempo de ruptura na nossa vida colectiva, que deu lugar a uma experiência que raramente uma geração tem a possibilidade de viver com tal intensidade e densidade. Daquelas datas que marcam, à nossa escala, um ‘antes’ e um ‘depois’. Não necessariamente para contrapor um ‘antes’ que seria mau a um ‘depois’ que seria bom, porquanto bem sabemos, pela experiência da vida, que a realidade se recusa a encaixar em esquemas tão redutores. Recordar o 25 de Abril é ter presente que nenhum regime, nenhum sistema, nenhum poder, nenhuma pessoa poderá alimentar a ilusão de que não se extinguirá nunca. É afirmar que as lutas e os esforços de mudança de uma ordem injusta concorrem, mesmo que por caminhos nem sempre visíveis, para esse rio de mudança que vai engrossando e que um dia se transforma em torrente que nada consegue deter. É, finalmente, e a 30 anos de distância, resgatar a memória para projectar o futuro.

O que se cumpriu no jornalismo foi, como aqui escrevi há uma semana, aquele patamar básico sem o qual o próprio jornalismo fica ferido de morte: a liberdade de expressão, de opinião e de imprensa. Como bem sabemos, o reconhecimento e a consagração desses direitos fundamentais nem sempre têm tradução quotidiana. Este é um terreno em que todos os dias, todos os actores, incluindo necessariamente os leitores, podem dar conteúdo e tradução a essa fundamental liberdade.

Celebrar o 25 de Abril vai ser, cada vez mais, confrontar-se com o futuro do jornalismo e da Imprensa. Foi nesse sentido que o Provedor procurou recolher depoimentos de cerca de dezena e meia de jornalistas do JN, veteranos e novos, com ou sem responsabilidades directivas e editoriais. Apenas cinco responderam à interpelação três dos quais para manifestarem, por razões diversas, impossibilidade. Os contributos recebidos foram os de António José Teixeira, subdirector, e de Carla Sofia Luz, uma jornalista com cinco anos de trabalho. Esta profissional, que nasceu já depois do 25 de Abril, só por colegas mais velhos teve contacto com o que era ser jornalista no tempo da Censura instituída. É de opinião de que, nestes 30 anos, houve uma efectiva evolução no jornalismo, na sua ‘linguagem e na postura profissional’. Acredita também que existe independência jornalística, que vê como correlativa de ‘uma maior responsabilidade no tratamento da informação, sobretudo na área do jornalismo de investigação’. Reconhece haver também capacidade de denúncia e ‘mais agressividade’, susceptível de levar a alguns excessos, nomeadamente no jornalismo televisivo. Mas, ‘apesar dos pecados’, recuar seria, para Carla Sofia Luz, ‘inaceitável’. E um recuo seria, por exemplo, restringir por via legal a actividade jornalística, uma vez que a legislação actual ‘já protege o cidadão de abusos da liberdade de Imprensa e mais restrições podem converter-se numa nova forma de censura’.

Para António José Teixeira, os desafios com os quais o jornalismo se confronta (volume de informação, articulação entre os vários campos sociais e sentido de utilidade pública) supõem que se garantam ‘condições de autonomia do campo jornalístico’. Ora, tal autonomia, para ter tradução editorial, exige, segundo o subdirector do ‘Jornal de Notícias’, três requisitos: ‘Ferramentas ágeis, preparação geral e específica, escrutínio regular do trabalho jornalístico, que não apenas o do mercado’. O discernimento, fundamental num quadro de globalização em que se ergueram ‘novas barreiras e opacidades’, é, em seu entender, ‘muito prejudicado pela velocidade do tempo e da produção jornalística, pelo trabalho deficiente da memória, pela inconsciência da complexidade, pela impreparação ou pelo atrevimento’.

António José Teixeira, na sua análise, atribui um papel preponderante ao profissionalismo dos jornalistas e ao escrutínio do seu trabalho, cuja falta pesaria mais nos condicionamentos do que qualquer limitação do lado empresarial. O provedor considera interessante este sublinhar da responsabilidade e papel dos profissionais, até como forma de calibrar análises e discursos que põem o acento no ‘sistema’ ou ‘nos que mandam’. Mas, infelizmente, a realidade de muitas empresas e a lógica gestionária de vistas curtas que parece prevalecer em muitos lados, e mesmo na condução do país, levam-nos a pensar que o profissionalismo sendo condição necessá- ria, está longe se ser condição suficiente e menos ainda determinante.

Partilhamos inteiramente da ideia de que o escrutínio público do jornalismo é vital para os media que valorizam o seu papel de serviço público: mais do que informar os leitores, será cada vez mais preciso pensar em modos de trabalhar com os leitores. Porque estes não são meros destinatários, clientes ou receptores do trabalho jornalístico; são – têm direito a ser – parceiros críticos, interlocutores reconhecidos dos jornais. E de neles participar em modalidades que podem ser diversas.

Quando se celebrarem os 50 anos do 25 de Abril não será de estranhar que o JN já não exista em papel, em outro suporte igualmente versátil e flexível, para o qual o conteúdo pode ser cada dia descarregável. Seja como for, o subdirector considera que os jornalistas, esses, continuarão a ser necessários, enquanto ‘mediadores, testemunhas, fazedores de 'pontes', guarda-portões, perguntadores, divulgadores’. E dotados de uma capacidade de discernimento que terá de ser cada vez maior. E o JN terá o desafio acrescido de conseguir ‘mais e mais proximidade com os cidadãos’. Carla Sofia Luz deseja, para o futuro, que a afirmação nacional do JN nunca perca a inserção regional e a atenção aos ‘pequenos problemas do quotidiano dos cidadãos’. São 20 anos decisivos que temos pela frente. No jornal, no país e no mundo.

Quando o medo dá cobertura à falcatrua

Também esta semana se demitiram a directora e o director-adjunto do jornal ‘USA Today’, na sequência da descoberta, no início do ano, de que um dos seus mais conhecidos jornalistas, Jack Kelly, havia plagiado e inventado várias reportagens. Quinta-feira passada, o jornal disponibilizou no seu site (www.usatoday.com/news/2004-04-22-report-one_x.htm) o relatório de quase 30 páginas sobre as ‘falcatruas’ do dito jornalista. Uma conclusão importante foi a de que a redacção, onde havia conhecimento das faltas de Kelly, não reagiu adequada e oportunamente, devido a um clima de medo.

Auditoria à ética nas redacções

‘Os jornais deveriam analisar as respectivas redacções em ordem a detectar e resolver falhas no campo ético’ como aquelas que no, último ano, têm afectado alguns dos mais importantes diários dos Estados Unidos da América. O apelo foi lançado esta semana pelo presidente da Sociedade Americana de Directores de Jornais, Peter K. Bhatia, na abertura da convenção anual da organização. Para Bhatia, torna-se necessário investir mais na verificação dos factos e conferir especial atenção ao papel dos editores.

Imprensa: ‘O barato sai caro’

Marcelo Beraba é o novo provedor (‘ombudsman’, como dizem os brasileiros) da ‘Folha de São Paulo’. A sua primeira coluna semanal, ‘Imprensa, crises e desafios’, começa por considerar que a actual crise da imprensa é a maior que a geração de jornalistas a que pertence alguma vez vivenciou. Porém, adverte: ‘A maior ameaça à independência das empresas de comunicação está nelas mesmas. A crise se traduz em pressões pela flexibilização dos procedimentos internos que protegem as Redações de picaretagens e negociatas. A pressão aumenta com a necessidade de resultados financeiros, mas a submissão da Redaçcão resulta em perda de credibilidade e de prestígio. O barato sai caro’.’