Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Manuel Pinto

‘Desde que o fenómeno dos weblogues – ou, mais simplesmente, blogues – se tornou numa das facetas mais surpreendentes e interessantes da Internet, democratizando, por assim dizer, o acesso à palavra no espaço público, que têm emergido expectativas e receios quanto às consequências que tal acarretará para o jornalismo.

Nos últimos dias, decorreu na Covilhã, na Universidade da Beira Interior, o 2º Encontro Nacional de Weblogues e, de novo, o assunto foi tema de debate. Olhando o assunto do ponto de vista do provedor, constato que, cada vez mais, a Internet vem sendo usada pelos leitores como caminho para interagir com o Jornal, para apresentar queixas e sugestões, via correio electrónico e, crescentemente, através dos blogues. Ou seja, o provedor não pode dispensar, hoje em dia, o rastreio da blogosfera, se pretende acompanhar o que se vai pensando e escrevendo sobre o Jornal de Notícias.

Como forma de reflectir com os leitores sobre as potencialidades da blogosfera para o jornalismo, solicitei depoimentos a algumas pessoas que seguem o fenómeno dos blogues, quer como ‘praticantes’ quer como observadores. Na mesma ocasião, enderecei uma pergunta de sentido idêntico a um conjunto de jornalistas do JN, cujas respostas serão apresentadas na próxima semana.

Sara Oliveira, estudante universitária, do Porto, começa por considerar que ‘há muito que os blogues deixaram de ser recantos escondidos na Internet’ ou ‘círculos restritos, de amigos e conhecidos, redutos fechados em si próprios’. E sublinha duas facetas do papel dos blogues face ao jornalismo o protesto e o humor. Sobre a primeira, exemplifica com o recente movimento organizado de mais de seis dezenas de blogues que não se conformaram com o modo como um jornal diário acompanhou o regresso a Portugal de Fátima Felgueiras e que exigiram que os jornalistas ‘façam o seu trabalho – informem com verdade e clareza’. Quanto ao humor, exemplifica com o Blogue dos Marretas, cujos autores ‘encontram sempre a ironia’ nas notícias dos jornais e ‘conseguem a gargalhada mais improvável’ sem deixarem de chamar a atenção para a informação.

Já Eduardo Jorge Madureira, professor do ensino secundário e especialista de educação para os media, acentua o facto de haver inúmeros blogues nos quais ‘se discutem temas diferentes dos que andam mais frequentemente pelas páginas dos jornais (?) introduzindo novos temas e apresentando novos pontos de vista’. Nota, contudo que este lado útil da blogosfera poderia ser mais aprofundado e enriquecido se os blogues apresentassem mais notícias próprias e dessem mais atenção à investigação. ‘Temos opinião a mais e investigação a menos’, realça, a este propósito.

Uma ex-provedora do leitor (do DN), que é também investigadora dos media, Estrela Serrano, pronuncia-se no sentido de que, entre jornalismo e blogues, ‘existe uma diferença essencial, quase ontológica (?), que reside no facto de o jornalismo criar nos cidadãos um ‘horizonte de expectativas’, baseadas na ‘responsabilidade social’ que obriga o jornalista ao respeito por um conjunto de princípios de natureza ética e deontológica, que fundam a sua legitimidade, autoridade e credibilidade’. É que, sublinha, ‘os blogues são espaços de opinião, livres de qualquer ‘contrato’ com o leitor, que enriquecem e alargam o espaço público mediático tradicional, só acessível às elites’. A Estrela Serrano parece-lhe ‘impossível, hoje, que os media tradicionais possam ignorar a blogosfera, não só pela sua diversidade e pela qualidade e ineditismo de alguns dos seus temas e abordagens, mas sobretudo pelo que significam como exercício de cidadania’.

Pode, de facto, afirmar-se que, seja por causa do fenómeno dos blogues, seja pela entrada da web numa nova fase, o jornalismo vive ‘uma grande mudança’ e a urgência de se redefinir. É esta a ideia de Luís António Santos, assistente universitário e ex-jornalista deste Jornal, que convoca as palavras de um alto responsável da BBC, que afirmou, há dias, em Nova Iorque ‘a existência de qualquer organização no campo dos media depende da qualidade e da profundidade da sua relação com o público. A tecnologia está a mudar radicalmente essa relação. (…) Nós deixamos de ser os donos da informação. A nossa tarefa passou a ser a de fazer ligações com e entre diferentes audiências’.

Na relação como jornalismo, este leitor aponta quatro tipos de blogues a) aqueles que ampliam informação temática em zonas deixados em aberto pelos meios tradicionais; b) os que acompanham criticamente o funcionamento dos media; c) weblogues de jornalistas com informações sobre a sua actividade profissional; e d) weblogues de jornalistas onde estes desvendam zonas de interesses mais pessoais. A pergunta decisiva, do seu ponto de vista, reside, porém, em saber ‘como estão os media tradicionais a aproveitar o potencial dos blogues e como estão os jornalistas a reformular a sua forma de entender as fontes e de interagir com as suas audiências?’

Veremos, no próximo domingo, como respondem os jornalistas a esta preocupação, sendo que o debate está aberto a todos.

Auto-edição: uma nova ‘arma’ nas mãos dos cidadãos’

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‘‘O que é isso dos weblogues?’’, copyright Jornal de Notícias, 16/10/05.

‘O que são weblogues?, perguntarão alguns leitores. Outros lhes responderiam, se pudessem, que os weblogues são uma espécie de caderno diário de apontamentos, só que feito e disponibilizado na Internet e, portanto, acessível para consulta e leitura a partir de qualquer ponto do planeta, desde que se tenha acesso à net.

Estes cadernos diários têm algumas particularidades que fazem deles uma ferramenta em certa medida revolucionária são de acesso gratuito, não é preciso ter grandes conhecimentos técnicos para os criar, sendo relativamente fácil actualizar o respectivo conteúdo.

O fenómeno começou nos finais dos anos 90, mas foi sobretudo a partir de 2003 que adquiriu visibilidade e cresceu exponencialmente. Com os blogues a edição de um meio de informação e comunicação deixou de ser um privilégio de meia dúzia, para se tornar uma oportunidade para muitos. Por outras palavras, qualquer cidadão, qualquer grupo de pessoas pode criar um veículo para partilhar as suas notícias e perspectivas, pode ter voz e divulgar informação alternativa ou complementar daquela que os media profissionais difundem. E a verdade é que, embora não cheguem a ser uma verdadeira alternativa informativa, que dificilmente se compadece com o amadorismo, a verdade é que há blogues que se têm tornado uma referência em determinadas áreas, alargando e enriquecendo extraordinariamente a paisagem comunicativa.

Entre os muitos milhões de blogues actualmente existentes, encontra-se de tudo individuais e colectivos, intimistas e defensores de causas, temáticos e generalistas. Como acontece com os grandes media, muitos destes sítios são lixo, porque os blogues são, antes de mais, uma ferramenta e um formato – o conteúdo depende de quem os usa e dos objectivos que se tem em mente.

Para além dos blogues jornalísticos ou relacionados com o jornalismo, que são, apesar de tudo, uma minoria na blogosfera, eles vêm sendo utilizados nos mais diversos campos como instância de debate e comentário da actualidade política, religiosa ou desportiva, mas igualmente como espaço de trabalho e ferramenta de apoio no ensino e aprendizagem; como registo e sinalização do que há de novo no campo do cinema, dos livros, das tecnologias, mas também como diário de processos que se estendem por um certo período de tempo (a preparação e realização de um congresso ou a espera de um filho e as múltiplas experiências ligadas aos primeiros meses ou anos de vida do bebé); como forma de acompanhamento do que se passa numa cidade ou numa aldeia, ou ainda como tribuna de defesa da causa dos direitos humanos.’