Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Marcelo Beraba

‘O fim da eleição presidencial no domingo passado não foi suficiente para fazer baixar o tom das críticas do PT, de membros do governo federal e dos partidos (vencedores e derrotados) à imprensa. As queixas e acusações contra os meios viraram rotina desde o ano passado, quando a Folha publicou as denúncias de corrupção feitas pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson contra o governo federal e sua base aliada no Congresso.

Ao longo da semana passada, a situação ficou mais tensa com as agressões sofridas por jornalistas em frente ao Palácio da Alvorada, as críticas desferidas por membros qualificados do governo federal e pelo governador reeleito do Paraná, Roberto Requião, e os interrogatórios dos jornalistas da revista ‘Veja’ pela Polícia Federal no inquérito em que foram chamados como testemunhas, mas se sentiram interrogados como réus. Esses fatos provocaram forte reação editorial dos meios.

A minha impressão é de que esta foi a campanha em que a imprensa foi mais duramente questionada. Certamente a internet teve um peso importante porque criou, e não pára de expandir, o novo espaço de circulação e enfrentamento de idéias sobre o papel da mídia e sobre a cobertura específica desta eleição. É um debate que os meios tradicionais têm dificuldades de acolher.

Identifico três aspectos nas críticas agora direcionadas à imprensa. Primeiro, há o questionamento em relação à qualidade das coberturas, o que abrange a precisão das informações, o equilíbrio editorial, os enfoques e os vieses.

Embora uma parte das críticas esteja contaminada pelo ressentimento e outro tanto faça parte da tentativa de intimidar os meios, não tenho dúvida de que foi uma cobertura falha. Houve erros factuais graves e em vários momentos ficou patente, pelos exageros e pela insistência em picuinhas e irrelevâncias, a má vontade com Lula e o seu governo.

Mas os meios fizeram o que tinham de fazer ao divulgar ininterruptamente e com visibilidade as dezenas de denúncias de corrupção, irregularidades e tramas ‘alopradas’. Devem ser criticados, neste capítulo, por não terem ido mais fundo por conta própria, perpetuando a dependência das CPIs (e, portanto, do jogo eleitoral), da Polícia Federal e do Ministério Público.

E devem ser criticados pelo que deixaram de fazer. As administrações tucanas no Estado e na cidade de São Paulo, por exemplo, foram mal cobertas. Evidência desse desinteresse, no caso da Folha, é que a informação sobre o déficit financeiro do Estado só apareceu no finalzinho do primeiro turno e por esforço da colunista Mônica Bergamo -fora, portanto, da cobertura rotineira do jornal.

E os leitores ainda esperam um balanço da política de segurança pública no Estado nos últimos 12 anos para que possam entender como foram possíveis as seguidas explosões de ataques do PCC que paralisaram São Paulo e cidades do interior. Essas falhas podem ser estendidas para outras áreas da administração pública cobertas esporadicamente e sem profundidade.

As críticas relativas à qualidade e ao enfoque das coberturas fizeram aflorar dois outros questionamentos legítimos, mas nem sempre bem direcionados. Primeiro, o papel da imprensa numa sociedade em desenvolvimento e numa democracia em construção. Junto, a discussão sobre a democratização dos meios de comunicação, aí entendidas principalmente a política de concessão de rádios e TVs e a altíssima concentração de audiências e do bolo publicitário, que sustentam o modelo de comunicação construído a partir da década de 1960.

Em relação ao papel da imprensa, um parêntese: há um grave problema quando um intelectual como Marco Aurélio Garcia, chefe da campanha vitoriosa da reeleição e presidente em exercício do PT, assim reage aos repórteres que querem informações sobre o futuro do partido: ‘Cuidem de suas Redações que nós cuidamos do PT’. Engano: interessa à sociedade brasileira e, portanto, à imprensa o que acontece no PT e como será formado o novo ministério.

A discussão sobre o papel da imprensa e sobre a democratização dos meios está contida, mas não será assim por muito tempo. Antes restrita a setores das universidades e a líderes de movimentos sociais, a discussão explodiu, nesta eleição, na internet. A imprensa tradicional erra ao não dar espaço para o debate esclarecedor das idéias e propostas em jogo (mesmo as que considera equivocadas) e a só se manifestar quando se sente agredida. O longo silêncio que se concede faz parecerem histéricos, desproporcionais ou meramente corporativos os gritos que emite quando lhe pisam os pés.’



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‘O Pará é logo ali’, copyright Folha de S. Paulo, 05/11/06.

‘A Folha noticiou, na quarta-feira, que a Vale do Rio Doce, cansada de ‘chantagem’, cancelou a ajuda financeira de R$ 9 milhões que destinaria neste ano a índios do grupo Xicrin estabelecidos em terras próximas de Carajás, no sul do Pará. Carajás é a maior base de extração de minério de ferro da companhia. E a companhia é, desde 24 de outubro, quando comprou a canadense Inco por pelo menos US$ 13,2 bilhões, a segunda maior mineradora do mundo.

A chantagem a que a empresa se refere é a tática dos índios, insatisfeitos com o que recebem, de invadir Carajás -e isso já ocorreu diversas vezes- e paralisar a extração de minério. O conflito entre os índios e a Vale é antigo, e a Folha o acompanha com a pouca visibilidade editorial e com a irregularidade que caracteriza a cobertura da Amazônia, onde o jornal só tem um correspondente, em Manaus.

As informações sobre o contencioso entre índios e a mineradora saem de três fontes: a Vale, que tem sede no Rio e por isso geralmente é ouvida pela Sucursal na cidade, as lideranças indígenas e a Funai, que são ouvidas pelo Rio ou pela Agência Folha, por telefone. O jornal não considerou prioritário até agora enviar jornalistas para verificar in loco o que ocorre em Carajás.

Embora as reportagens tenham sempre contemplado os dois lados do conflito, vários pontos continuam obscuros. O primeiro é o caráter da ajuda. Segundo a Vale, citada pela Folha, é uma ajuda ‘voluntária’ e não representa uma indenização aos grupos indígenas pelo uso do solo. No entendimento da Funai e das lideranças Xicrin, não se trata de ajuda, mas de direito garantido por decreto presidencial de 1997 que autoriza o uso da área em troca de ‘amparo às populações indígenas’.

O outro ponto que as reportagens à distância não permitiram esclarecer é relativo à quantia destinada aos índios. Segundo as informações colhidas pela Folha na Vale, teriam sido R$ 6 milhões em 2005 e seriam R$ 9 milhões neste ano, agora suspensos. Segundo os índios, seriam R$ 4 milhões em 2006.

A ida de uma equipe permitiria observar diretamente o que está acontecendo neste conflito entre desiguais. Na guerra pela opinião pública, a Vale leva evidente vantagem pelo que representa nacionalmente, pela proximidade com os meios e pela força econômica expressa nos anúncios que se tornaram freqüentes nos jornais para se explicar.

O jornal dá evidências de que recupera a capacidade de investimento na Redação depois dos anos recentes de crise financeira. Os gastos nas eleições federais e estaduais deste ano e a presença mais freqüente nos países vizinhos -como agora, na assinatura do novo acordo entre a Petrobras e o governo da Bolívia- são indicadores desta melhora.

A Amazônia -onde o conjunto de conflitos agrários, indígenas e ambientais faz o enfrentamento entre a Vale e os Xicrin parecer um caso menor- deveria estar no topo das prioridades do jornal. É possível continuar cobrindo o Pará por telefone; mas não é possível fazê-lo bem.’