Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Memória curta em entrevista vergonhosa

Vergonhosa a entrevista do Jornal Nacional de quinta-feira passada com o presidente Lula. Após verdadeiros apertos nos candidatos Alckmin, Heloísa Helena e Cristovam (até ai tudo bem, trabalho do jornalista é fazer perguntas difíceis mesmo), Willian Bonner e Fátima Bernardes deram um colher de chá desproporcional ao presidente Lula.

As perguntas sobre corrupção estiveram direcionadas e afinadas, em sintonia com o próprio discurso de campanha de Lula e a forma como este tenta propor as discussões. Não nos esqueçamos de que o governo Lula aprovou o modelo japonês de TV digital, que era tudo que a Rede Globo queria e pedia aos céus (ou melhor, ao governo), jogando fora dinheiro, tempo e trabalho de pesquisa de várias universidades brasileiras que formularam o Sistema Brasileiro de Televisão Digital, projeto que democratizava a produção, veiculação e acesso à conteúdos.

Não nos esqueçamos também de que para grande parte dos brasileiros o Jornal Nacional é o único meio de construção da representação social e formação de elementos cognoscíveis sobre a realidade social que os cerca. Quer dizer, por exemplo, que se você nunca foi no Rio de Janeiro, não conhece ninguém que tenha ido, nunca leu nenhum livro ou viu, já no plano da ficção, nenhum filme ou novela sobre o assunto, como você sabe se o Rio de Janeiro é violento? Através do jornal. O que torna a parcialidade do Jornal Nacional ainda mais problemática tanto do ponto de vista da atividade jornalística quanto da prática democrática.

Sobre as denúncias de corrupção, o casal perguntou se Lula mantinha a afirmação de que não sabia de nada. Como Lula manteve o apoio a companheiros acusados pela Procuradoria Geral da República, se em momentos anteriores se colocava como arauto da ética. Se eleitores não poderiam sentir um problema ético no governo se a cúpula do PT era chamada e definida como quadrilha pela Procuradoria. Lula voltou a afirmar que não sabia de nada, que é impossível saber de tudo o que acontece num governo, que nem pais sabem exatamente tudo o que está acontecendo com os filhos, e que no seu governo nunca a corrupção foi tão investigada, nunca a PGR, a Polícia Federal, a Controladoria Geral da União e as Comissões Parlamentares de Inquérito investigaram tanto. E foi isso. Nada mais.

O mesmo aviso

O que o Jornal Nacional esqueceu de perguntar foi que pouco importa (do ponto de vista do processo de decisão de voto) se Lula sabia ou não sabia, se pessoalmente cometeu ou não alguma irregularidade. Isto é um sintoma dos momentos iniciais das denúncias, quando se procuravam comprovações diretas de algum ato falho ou ilícito do presidente, para que o impeachment se consolidasse enquanto opção estratégica da oposição. Neste movimento, esqueceram de trazer a discussão para o plano do governo. Ora, o governo Lula não é só o Lula. Ele é seus principais ministros, dos quais o da Casa Civil, o da Fazenda e o da Saúde (o que muitos definiriam como os mais importantes) foram denunciados; ele é seu partido e os partidos aliados, todos denunciados seja no caso do mensalão seja no das sanguessugas; ele é os projetos que aprova, dos quais o relatório final da CPMI da compra de votos comprovou que pagamentos a parlamentares eram realizados ‘coincidentemente’ no mesmo período de votação destes projetos.

Pode-se até discutir se Lula em si é corrupto, mas está comprovado que seu governo o é. Votaremos mesmo num governo corrupto? O movimento, tão alardeado na imprensa, de deslocamento do presidente Lula do cerne da crise política só funciona para os que não enxergam que, pasmem, o governo Lula é do Lula.

Que a PGR, a PF e a CGU estão investigando como nunca é perceptível. Sabe de quem é o mérito? Da PGR, da PF e da CGU! Afinal, o governo Lula continua contigenciando recursos desses órgãos para substanciar o superávit primário. De fato, esses órgãos investigaram bastante. E sabe o que descobriram? Toda a corrupção, sistêmica, infestada em todas as esferas do governo Lula. Não nos esqueçamos também de que o governo tentou barrar a instalação de todas as CPIs (com exceção das sanguessugas, que foi vista como boa oportunidade de atingir a oposição), de que chegou a articular relatórios finais paralelos e de que votou pela absolvição dos deputados envolvidos (mas o voto é secreto, alguns diriam. Sim, mas parlamentares do PT subiam à tribuna para defender os companheiros de partido envolvidos ou aqueles da base aliada). No momento de atacar as formações das CPIs, o governo ainda tinha a ‘decência’ de dizer que era para evitar a formação de palanques eleitorais, que a Justiça cuidaria de tudo.

Agora, passado algum tempo das ditas cujas que o governo tentou barrar e com a CPI das sanguessugas funcionando a pleno vapor sem palanques, diz que sempre favoreceu e buscou a investigação de tudo, inclusive das CPIs. Nossa memória não é tão curta, senhor presidente. O mesmo aviso serve para a Rede Globo, que não há muito tempo editou Fernando Collor até o Palácio do Planalto. Nossa memória não é tão curta.

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Estudante de Ciência Política da Universidade de Brasília e de Jornalismo no Centro Universitário de Brasília