Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Mera armação para derrubar Lula

A mídia que sustenta a oposição ao governo Lula deixa, em tudo o que faz, aquele inconfundível cheiro de cinismo que só ela é capaz de exalar. Assim são as sábias afirmações de que Lula não decidiu a eleição no primeiro turno porque faltou ao debate da Globo.


Durante os três dias em que, devido à lei, não houve programa eleitoral gratuito, fizeram de tudo, sem absolutamente nenhum escrúpulo. Estamparam nas primeiras páginas e na televisão as fotos ilegais, tiradas por um delegado que se rebaixou a rufião, do dinheiro apreendido com os petistas que foram pegos negociando o dossiê sobre as atividades ilícitas de Serra, como se o PT, o governo – e, evidentemente, o presidente Lula – fossem responsáveis pela conduta desses irresponsáveis. É evidente que tudo estava armado para que as fotos aparecessem exatamente quando a propaganda eleitoral fosse suspensa, e a mídia reacionária pudesse fazer impunemente a propaganda dos seus candidatos e a difamação dos adversários. Fizeram artigos e matérias contra Lula acusando-o de cobras e lagartos, quando ele não podia se defender, já que o programa eleitoral estava suspenso.


Insinuaram uma enxurrada de infâmias e, ao mesmo tempo, promoveram escandalosamente o candidato da reação e do atraso, fazendo uma campanha eleitoral tão explícita quanto ilegal. Depois de transformar seus jornais e canais de televisão em meros panfletos, para completar, editaram o próprio debate a que Lula não tinha comparecido, passando-o na televisão como se o debate não fizesse parte, precisamente, da campanha eleitoral que estava suspensa. Em suma, reincidiram, sob outra forma, na farsa criminosa – e até a Globo hoje a reconhece como tal, ainda que não se emende – do debate entre Lula e Collor, em 1989, editado, segundo contou depois um de seus fabricantes, com o seguinte critério: “destacar os melhores momentos de Collor e os piores momentos de Lula”.


Agora, depois de fazer tudo isso para impedir que Lula fosse eleito já no primeiro turno, tais damas e cavalheiros da mídia chegaram à brilhante conclusão: a culpa de Lula não ter decidido a eleição logo na primeira rodada é… adivinhem de quem? Do Lula, é claro, que não se submeteu a ser escovado num debate adrede preparado para esse fim.


Expressão caridosa


O debate era, também, o que o povo chama de uma armação – três candidatos combinados para agredir Lula (e foi a, nesse caso, insuspeita Folha de S.Paulo que publicou matéria sobre as articulações entre esses candidatos antes do debate), mais um apresentador cuja função não era muito diferente, e apenas Lula para responder não somente ao que se dizia dele diretamente, mas também ao que se dizia dele nas intervenções feitas entre os outros candidatos. E Lula que esperasse a sua vez de falar…


É preciso realmente ser muito cínico – ou muito ingênuo – para dizer que Lula seria beneficiado por ir a esse debate, todo preparado, precisamente, para prejudicá-lo – sem contar a edição dele, que sabemos perfeitamente qual seria. Em resumo, preparam um terreiro para o sujeito se estrepar e depois acham que ele tem obrigação de comparecer. Do que se conclui apenas que achavam que Lula tinha a obrigação de se estrepar…


No entanto, qual é a base, ainda que escusa, frágil, débil, em que eles se apoiaram para fazer esse bacanal às vésperas das eleições? Simplesmente o fato de o PT ainda não ter tomado providências em relação aos militantes que estiveram envolvidos com a compra do mencionado dossiê sobre as atividades ilícitas de Serra. Não é apenas a Polícia Federal que tem de investigar e apontar as responsabilidades. Os aloprados – para usar uma expressão caridosa do presidente Lula – não estavam agindo em nome do PT, nem do governo. Fizeram o que fizeram por sua conta e risco – e, portanto, que assumam agora esses riscos, em vez de repassá-los a quem nada tem a ver com isso. O PT e o governo é que não podem arcar, perante a sociedade, com uma culpa que não é deles. Para isso, entre outras coisas, é que os partidos têm estatutos – para punir quem deve ser punido.

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Psiquiatra e psicoterapeuta, São Paulo