Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Mídia colonizada esconde Banco do Sul

A grande mídia brasileira mostrou realmente a sua essência no noticiário desta segunda-feira [28/9]. Não está nem aí para a independência econômica, política e social sul-americana. Melhor: está, na medida em que esconde os fatos que consolidarão essa tendência histórica no momento em que o mundo capitalista vive crise de realização do capital, como evidenciaram as decisões tomadas na reunião do Grupo dos 20, em Pittsburgh, Pensilvânia, Estados Unidos, semana passada. Não mereceu nenhuma atenção a notícia de criação do Banco do Sul, anunciada pelos líderes sul-americanos e africanos, na Venezuela, no final de semana.

A África e a América do Sul se mexem, juntas, para se livrarem da escravidão financeira do desenvolvimento sul-americano e africano dependente de poupança externa, historicamente responsável pelo aprofundamento da dependência. E a grande mídia, nem aí. Claro, não interessa aos seus poderosos anunciantes, os banqueiros privados, que essa informação circule e gere debates. O Banco do Sul captará recursos internos e externos, para dispor de liquidez capaz de emprestar a juro baixo, graças à garantia disponível do potencial sul-americano, que neste momento desperta a atenção mundial.

Com um capital inicial de 20 bilhões de dólares, o primeiro banco sul-americano tem propósitos avançados. Reunirá, evidentemente, as poupanças sul-americanas e internacionais para que sejam emprestadas aos sul-americanos. Abre-se a possibilidade de que a dependência externa da América do Sul comece a ser revertida. Afinal, se todos os países da América do Sul decidirem depositar suas reservas, ou dá-las como garantia para o desenvolvimento da infra-estrutura continental, evidentemente haverá o segundo passo decisivo, ou seja, a criação da moeda sul-americana. Os sul-americanos e os africanos se libertariam da senhoriagem do dólar em crescente desvalorização, no compasso da bancarrota financeira.

Desinformar e desacreditar

O lastro da moeda sul-americana é poderoso. São riquezas reais, não a ficção monetária em que se transformou a moeda americana, exposta aos desgastes dos déficits fantásticos de Tio Sam.

Petróleo, energia, terra, alimentos, biodiversidade, base industrial forte, minérios, classe trabalhadora em escalada de organização sindical e política etc., capaz de mobilizar-se pela distribuição da renda, que vai aumentar o poder do mercado interno etc. – tais riquezas têm poder de atração extraordinária, quando os capitalistas, no Norte, estão sem onde investir porque onde estavam ganhando dinheiro, na especulação, as oportunidades se evaporaram.

Os empresários dos países desenvolvidos, onde as possibilidades de investimentos em infra-estrutura inexistem, vêem a América do Sul como o novo Eldorado econômico-financeiro. Mega-investidores globais, como Warren Buffett, recomendam aos aplicadores nos fundos de investimentos que não façam outra coisa senão jogar suas reservas no potencial dos emergentes, com destaque para os países sul-americanos. Os comandados de Buffett recusariam papéis e ações do Banco do Sul, cujo lastro é riqueza material incomensurável, ou acreditariam no Citybank, que está quebrado no colo de Obama, comandante do lastro fictício?

O que a grande mídia está querendo é desinformar e desacreditar os brasileiros e sul-americanos em sua própria potencialidade. Quer que a América do Sul e África continuem como potentes cavalos que não conhecem sua força, sendo, portanto, facilmente manejados pelo cabresto dos editoriais super-conservadores, como o do Globo, no domingo [27/9], configurando a verdadeira voz da dependência.

Oriente de olho no Ocidente

O maior empresário da América do Sul no momento, Eike Batista, filho de Eliezer Batista, o maior conhecedor da geopolítica estratégica-continental sul-americana, criador da Companhia Vale do Rio Doce, entende ser o continente sul-americano, especialmente o Brasil, o celeiro da nova riqueza global. Por isso, investe tudo que tem por aqui, enquanto desdenha possibilidades de promissoras oportunidades em outras partes do mundo. Como ele, outros vão pelo mesmo caminho, todos sob o olhar dos chineses, que estão apostando firme neles.

Com a emergência do Banco do Sul, um BNDES sul-americano, do qual, por exemplo, se ressente o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, para ajudar os isteites a sair do abismo econômico em que se encontram, não apenas os sul-americanos se disporão a jogar suas reservas na nova instituição financeira. Outros aplicadores estarão disponíveis para fazer o mesmo. O dólar quente candidato à desvalorização pode se transformar em infra-estrutura via empréstimos captados pelo Banco do Sul que, claro, vai pagar barato pela captação de um ativo fragilizado, isto é, o dólar. Se está sobrando, por que tem que pagar caro?

Detentores de mais de 2 trilhões de dólares – que amealharam quando a divisão internacional do trabalho permitia que os Estados Unidos puxassem a demanda global mediante déficits comerciais e fiscais em troca de superávits financeiros obtidos com a senhoriagem exercida pelo dólar, outrora poderoso – os chineses, sem a possibilidade de continuarem realizando sua produção exportadora no consumismo americano, que se evaporou na bancarrota financeira, habilitam-se, fortemente, a transferir sua poupança para a América do Sul.

Botarão a grana onde, senão no Banco do Sul, claro, instrumento financeiro da visão sul-americana? É algo para além do Estado nacional. O Oriente está de olho no novo rico do Ocidente. Quanto mais dólar chinês entrar para atacar a infra-estrutura e a base econômica como um todo, mais tenderão a reciclar capitais com o Banco do Sul. Seria a forma de valorizar seu próprio investimento na América do Sul, tendo como operador agente financeiro sul-americano. Ou dariam tiro no pé para inviabilizar relação com o novo Estado financeiro sul-americano?

Uma grandeza menor

Eike Batista, de grande visão empresarial, não deixa a peteca cair. Está de braços dados com os chineses, como acontece com outros grandes empresários sul-americanos, na Argentina, Chile, Venezuela, México, Bolívia etc. Trata-se de onda irresistível de atração de capitais. Estes pegarão o Banco do Sul como veículo a ser o pioneiro na configuração e operação de grandes aplicações financeiras no continente, voltando-se para a sua concretização econômica no território sul-americano, onde tudo está por fazer. Os aplicadores internacionais já estão de olho no Banco do Sul. Os 20 bilhões de dólares iniciais poderão alavancar empréstimos de 200 bilhões, numa primeira etapa.

Papéis sul-americanos poderão ser lançados na praça global, para captar investimentos. Se os grandes capitalistas europeus, americanos, chineses e japoneses estão acreditando na nova fronteira do capitalismo, aberta na América do Sul, dado seu potencial formado de base industrial competente mais matéria-prima abundante, que reduz custos internacionais de transportes, por que os brasileiros e sul-americanos não acreditariam nas suas próprias vantagens comparativas?

Somente a grande imprensa, subordinada ao capital externo, porta-voz dos bancos que já apostam no juro alto futuro construindo inflação por antecipação, para 2010, mantém-se com os olhos fechados para a nova novidade. Está a fazer, como diria o presidente do STF, Gilmar Mendes, em seu português castiço, o serviço que os seus patrões proclamam, ou seja, difundir a idéia negativa capaz de evitar a auto-estima sul-americana. Trabalham para minimizar motivações sul-americanas nacionalistas-socialistas. Dividiriam, permanentemente, dessa forma os sul-americanos em torno da sua própria riqueza.

Nenhum grande jornal brasileiro deu a informação em primeira página. O Bom Dia Brasil, da Globo, ignorou. A comentarista de economia, Miriam Leitão, não disse nada, sequer compareceu. Os sítios do Estado de S. Paulo, do Globo e da Folha, nesta segunda-feira [28/9], estão, pelo menos na primeira hora, sem nenhuma informação. Os noticiários econômicos internos desconhecem a novidade. A Folha de S.Paulo colocou, no caderno de economia, a criação do Banco do Sul como a última informação a ser dada aos seus leitores. O Estado de S. Paulo não deu uma linha. Idem o Globo. Até o jornal Valor Econômico, a bíblia do jornalismo econômico nacional, ficou na muda. Boicote geral.

Por quê? O distanciamento da grande imprensa de fatos que interessam aos sul-americanos comprova o óbvio: tal informação é contrária aos interessas dessa grandeza menor que é a mídia privada nacional, cuja aposta maior é contra o interesse nacional e sul-americano.

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Jornalista, Brasília, DF