Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Mídia jogou barro na parede

Não existe no país uma cobertura jornalística de qualidade. A mídia brasileira provou ser incapaz de relatar a realidade ou pelo menos um discurso próximo desta no que se refere aos últimos acontecimentos vividos em São Paulo.

A pedagogia do sensacionalismo barato ensaiada tanto pelas pequenas emissoras como pelas grandes redes durante todo o fim de semana, culminando com a palhaçada da noite de segunda-feira, só não foi risível porque neste teatro de horrores dezenas de vidas foram perdidas. Isso não é fato isolado nem mera notícia de rodapé. São famílias traumatizadas e cidadanias destruídas.

A mídia confundia o público com informações deturpadas. O Sr. William Bonner praticamente quis forçar o governador de São Paulo a convocar forças nacionais e Polícia Federal na tentativa de mostrar que seria papel da mídia apontar alternativas. Alguém pode me responder por que apresentar o Jornal Nacional do lado de fora do estúdio seria uma forma de prestar solidariedade aos paulistanos? Diante do perigo todo, o apresentador correu o risco de levar um tiro. Não entendi. Não seria melhor recomendar que evitassem o pânico, que em vez de receber o Parreira no estúdio mostrasse uma entrevista com um jurista, um presidente de uma ONG, trouxesse mais propostas etc.?

Jogar propostas à sociedade como se joga barro na parede é no mínimo precipitado e perigoso. As tais forças nacionais seriam somente 4 mil homens, enquanto a polícia de São Paulo conta com 130 mil, e a Polícia Federal em todo o país, sucateada como está, reúne 7 mil agentes. A tentativa de transformar o caos em filme de horror americano, em que aviões transportam a Guarda Nacional e agentes à prova de balas para calar o crime organizado, é uma visão ingênua e irresponsável diante do conjunto de problemas apresentados.

O pior de tudo isso é que o mau cheiro de desvio de foco, de agendamentos palanqueiros, de reeleição, de rasteira em candidatos está no ar. O que se pode notar é que, analisando a cobertura dos últimos acontecimentos, nota-se que a partir de uma sintaxe jornalística das notícias veiculadas sobre o assunto, do manejo de agenda-setting, tem gente festejando tudo isso em cima dos cadáveres de dezenas de cidadãos brasileiros e párias em conseqüência deste regime social danoso que vivemos.

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Jornalista e professora da UFPI