Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Mídia quer comandar o picadeiro

O fim de semana 8-9 de abril seria decisivo no cronograma e estratégia dos advogados de Suzane Von Richthofen, assassina confessa dos seus pais. Decisivo foi, mas em direção oposta.


A orquestração armada para que a sua cliente aparecesse nos veículos de maior audiência (matéria de capa na Veja e o Fantástico, da Rede Globo) foi seguida à risca em todos os sentidos.


A começar pela anuência dos dois veículos em sair juntos sem se importar com a evidência de ‘armação’ advocatícia. O semanário menciona na pág. 111 da edição 1951 a presença de um repórter da Rede Globo na quinta-feira anterior, quando Suzanne ‘chegou a simular um desmaio’. A Globo, por sua vez, ao saber da capa da revista na manhã de sábado, poderia ter suspendido a exibição da matéria no dia seguinte, mas não o fez. Ao contrário, na edição do Jornal Nacional do sábado (8/4), os telespectadores foram alertados para a bomba que seria exibida pelo Fantástico no domingo.


Os advogados não contavam com o acaso e a inexorabilidade de uma das Leis de Murphy: se algo pode dar errado, certamente dará erradíssimo. Ao editar a entrevista, a equipe do Fantástico descobriu trechos em que os advogados de Suzane – sem saber que estavam sendo gravados – encenavam com ela as cenas de choro e arrependimento para comover os mais empedernidos membros do júri.


Mistificação, fraude


Não foi furo, não foi investigação jornalística, foi obra do acaso. Magnificamente explorada, diga-se, pela direção do programa – que viu naquele inesperado making of uma oportunidade para demarcar-se da Veja, que assim ficou sozinha com o ônus de parceira dos advogados de Suzane.


O barulho e o oba-oba dos dias seguintes, somados à tradicional falta de apetite da nossa mídia para discutir a mídia, criaram mais um daqueles clamorosos enganos onde quem estava errado acaba com cara de anjo.


Apesar de a encenação ter sido casualmente desmascarada, fica evidente que o Fantástico havia aderido ao jogo de infantilizar aquela mulher feita, de 22 anos, capaz de planejar e participar do assassinato dos pais. Basta rever a esmerada produção: a camiseta cor-de-rosa que lhe deram para vestir, as despretensiosas pantufas, os delicados passarinhos, o penteado pré-adolescente e os demais adereços de produção.


Quem levou a pior foi o nosso mais importante semanário: apesar do registro de um desmaio simulado frente às câmeras da Globo, Veja não teve tempo ou simplesmente optou por descartar as evidências de que estava sendo arrastada para uma mistificação que no mundo dos criminalistas parece trivial, mas no universo jornalístico é vizinha da fraude.


Tempos de Copa


Apesar de algumas menções aos truques dos advogados, a matéria é permeada de ambigüidades, a começar pelo título – ‘Os mortos de Suzane’ – que serve a qualquer finalidade, inclusive a de reforçar o fato de que a assassina ‘vive reclusa e assombrada’. Tadinha…


Sem a maestria da Globo em matéria de produção, Veja conseguiu mostrar Suzane quase como uma criança; a página dupla com os periquitos é um primor de doçura. Sua prisão logo em seguida, e a revelação pelo Jornal da Record de que passou a noite acorrentada na parede de uma delegacia, foi outro golpe de sorte – desta vez a favor dela e dos seus advogados.


Está evidente que a mídia quer antecipar o espetáculo do julgamento para poder comandá-lo. Em temporada de Copa do Mundo, o Circo Richthofen vai funcionar como coadjuvante na empolgação. Sobretudo para os jovens.