Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mídia sucumbe de novo

Nos últimos tempos, dois crimes que qualificar como hediondos seria eufemismo, tomaram a imprensa. Não vale a pena recuarmos muito no tempo para buscar outros exemplos de crimes da mesma natureza porque, em lugar de um artigo, produzir-se-ia aqui uma lista extensa de barbaridades surpreendentes que ocorrem neste país com freqüência cada vez maior e mais assustadora. Os crimes aos quais me refiro são o do grupo que ateou fogo num carro com uma família dentro, em Bragança Paulista (SP), e o mais recente, no Rio, de outro grupo que arrastou por quilômetros, pendurado num carro, um garoto de 6 anos.

Este é um daqueles momentos em que a mídia tem um papel crucial na vida do país. A tendência das sociedades diante de barbaridades como essas é a de agirem com precipitação. O mundo – e não só o Brasil – atravessa uma situação surrealmente aterradora e ameaçadora, de maneira que é compreensível que a mente humana busque conforto em ‘soluções’ definitivas e rápidas, criando assim a ilusão de que é possível afastar de si, como por mágica, esse cálice de horror que vem sendo materializado por atos de violência extremada até contra crianças.

Fiel reprodutora

Mais uma vez, a mídia não se mostra a altura dos desafios que se lhe apresentam. Sucumbe ao moto próprio dos fatos em lugar de conduzi-los a bom porto em termos de sua imperiosa compreensão. Em vez de apurar o que mais importa nesses eventos macabros, termina por deixar que sua face mais visível, que é a sui generis, domine as discussões e oblitere o surgimento de propostas. É por isso que, num oceano de crimes hediondos, sua característica mais bizarra vem sendo apresentada como a que, se eliminada, pode solucionar tudo. E o pior: a solução proposta para o problema menor, não o soluciona.

Nas duas tragédias há como autor apenas um menor de idade. Todos os outros criminosos envolvidos são maiores. E o que toma conta da mídia? Pasmem: uma discussão sem sentido sobre redução da maioridade penal. Ou seja, em lugar de a mídia propor reflexões profundas sobre por que a selvageria dos crimes mais graves está aumentando tanto, propõe que o debate gire em torno de apenas um aspecto do problema que nem é o mais relevante, pois se a lei não desestimulou nenhum dos maiores de idade que cometeram os crimes, certamente não iria desestimular o menor.

Não vou entrar na polêmica sobre se o Brasil deve ou não reduzir a idade de responsabilização penal de seus jovens. Seria uma armadilha que desviaria o foco do debate que proponho, que é sobre como a mídia brasileira, pelo menos, pode se tornar elemento de conscientização da sociedade em vez de mera e fiel reprodutora de sua comoção humanamente irracional diante de tragédias da natureza das que penosamente lembrei aqui.

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Comerciante, São Paulo, SP