Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Nada de novo na cobertura

A cobertura jornalística de uma Copa do Mundo de Futebol – desta ou de qualquer outra, desde a existência da mídia de massa – faz emergir um conjunto de questões que não pode passar despercebido a um observador da mídia. E não me refiro somente à cobertura que foi oferecida a nós brasileiros, os pentacampeões mundiais.

A não ser o cidadão mais desavisado, presumo que poucos deixem de perceber que o futebol e a Copa do Mundo, em particular, consolidaram-se nos nossos dias como grandes negócios que envolvem interesses financeiros altíssimos, sobretudo, da grande mídia globalizada.

Como escreveu Alberto Dines neste Observatório, ‘é preciso não esquecer que a Copa do Mundo é o maior evento programado do calendário mundial, diga-se, para a mídia. Sem a mídia mundial não existe Copa do Mundo. Quem levou aquela legião de entusiasmados croatas ao Estádio Olímpico de Berlim não foi a TV Globo, mas a mídia croata e européia.’

Mas não são somente os interesses da mídia que estão em jogo numa Copa do Mundo. Para ela convergem os interesses de clubes-empresas de futebol, de fabricantes de equipamentos esportivos, de países querendo injetar investimentos em suas economias e promover o turismo etc. São os interesses dos grandes anunciantes globais que financiam as transmissões e que fazem circundar os campos com suas marcas reconhecidas mundialmente.

Cobertura monopolizada

A questão fundamental que se coloca é se as circunstâncias de uma cobertura de Copa do Mundo seriam significativamente diferentes das circunstâncias de outras coberturas jornalísticas que são feitas cotidianamente pela mídia privada e comercial hegemônica no mundo. Será que a cobertura monopolizada que fomos obrigados a engolir é mesmo uma novidade?

Não ocorre mais ou menos a mesma coisa em relação a outras transmissões esportivas transmitidas pela televisão? No Brasil, não é assim também nos campeonatos locais, regionais, nacionais, latino-americanos dos esportes de competição? Se um brasileiro quiser assistir aos jogos do seu time nos atuais Campeonatos Brasileiros de Futebol das séries A e B, ele não tem que pagar a uma operadora de TV por assinatura, controlada pelo mesmo grupo de mídia que faz seletivamente as transmissões na TV aberta?

E a cobertura jornalística dos eventos cotidianos, não esportivos? Seria ela presidida, sobretudo na TV, por uma lógica diferente dessa que preside a cobertura esportiva?

Em outra ocasião, escrevi neste OI (Entre o interesse público e o big business) que a associação de empresas de comunicação com mega-grupos globais de telecomunicações ou de outros setores (entretenimento, por exemplo), constitui um dos temas mais relevantes na discussão contemporânea sobre os rumos do jornalismo.

Interferência das empresas de mídia

Há diversos registros de interferência direta dos mega-grupos globais no jornalismo de suas empresas de mídia. Talvez o caso mais conhecido, até porque virou sucesso nos cinemas em 1999 no filme O Informante (The Insider), com Al Pacino e Russell Crowe, seja o jogo de interesses entre a indústria de tabaco e a rede americana de televisão CBS (Westinghouse) para evitar a divulgação de matéria na revista noticiosa 60 minutes em 1994.

À época, fiz referência a um ciclo de debates promovido no Espaço Cultural da CPFL, em Campinas (SP), sob o sugestivo título de ‘Jornalismo Sitiado: como a imprensa perde seu espaço na função de mediar o debate público na democracia‘. Seu documento básico colocava as seguintes questões:

* pode haver independência editorial se a empresa jornalística já não é uma empresa autônoma, mas um setor no interior de um conglomerado?

* quem é que hoje cumpre a função de informar o cidadão: os veículos jornalísticos, os serviços de relações públicas orientados para o consumidor, os ‘noticiários’ da TV, muitos deles orientados segundo parâmetros do entretenimento, o marketing político?

* esses serviços ou fontes preenchem os requisitos de independência crítica para serem vistos como fontes ou veículos confiáveis?

Ao que parece, a cobertura de uma Copa do Mundo exacerba problemas e questões que são os fundamentais do jornalismo praticado pela grande mídia privada e comercial que hegemoniza o setor nos nossos dias. Não há, portanto, novidade nisso.

Aqui, como em outros países do mundo, episódios como os intermináveis blá-blá-blás de Galvão Bueno e o bordão Onde está você, Fátima Bernardes? de William Bonner – este, no principal telejornal do país, transformado durante todo o mês em noticiário esportivo – são apenas os sinais mais evidentes de um problema que não é exclusivo da Copa do Mundo, mas é também da cobertura jornalística que temos todos os dias.