Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Não há salvadores da pátria

Há pouca dignidade na política brasileira. Quem acompanha o dia-a-dia através da imprensa já foi capaz de chegar a essa conclusão, independentemente de qualquer que seja a mídia ou jornal. Mas, contraditoriamente, sobram textos, análises e artigos em nossa imprensa com retóricas à la esperança é a última que morre, desejosos de repentes capazes de trazer a dignidade a um ambiente no qual tem sido historicamente tão invulgar.

Dizendo de outra forma, quando tudo caminha de forma natural para o precipício particular idealizado daqueles que analisam a seara política, uma ação magnânima seria (para eles) capaz de mudar a rota da catástrofe. Exemplos disso foram as várias publicações que antecederam a votação para a presidência da Câmara dos Deputados na linha “única alternativa”, “última chance”. (Exemplos aqui, aqui e aqui, entre vários outros.)

Mas por mais que existam vilões, não há salvadores da pátria. Os políticos com problemas judiciais não entregarão seus cargos e continuarão em postos estratégicos, o Congresso não pautará os mais urgentes interesses nacionais, a população mais fragilizada continuará pagando a conta das políticas de austeridade, as investigações continuarão sofrendo inúmeras pressões políticas por todos os lados, a apropriação do público em benefício do privado não deixará de ocorrer, os vergonhosos benefícios (em especial nas altas esferas poder judiciário, executivo e legislativo) não serão diminuídos e nem se tornarão condizentes com a realidade encontrada no restante do país, a educação não se tornará prioridade, a alienação de partidos pequenos continuará existindo, as coligações partidárias mais esdrúxulas continuarão acontecendo sem bases ideológicas e o pragmatismo e o fisiologismo continuarão sendo o norte das ações dos grandes agentes políticos.

Solução salvadora estaria na ação espetacular

Não haverá ação pontual que mudará esse cenário. O problema não está só nos atores, mas no enredo, na trama, na forma como nos constituímos politicamente, como se dá nossa representação, como nos organizamos socialmente e cobramos as ações de Estado. Estamos diante de um problema estrutural: a falta de organização e fomento para a participação sócio-política, essenciais para o fortalecimento das instituições democráticas e sua atuação reguladora e que vão além de bater panelas ou o ativismo de sofá. Não há, portanto, como esperar ações isoladas de rompimento de um processo que é institucional, suprapartidário e histórico no âmbito federal, estadual, municipal ou demais esferas públicas.

Dito de forma clara: esse cenário não mudará enquanto continuarmos esperando ações pontuais de determinados atores políticos no cenário nacional. É certo que fomos acostumados por muito tempo que a solução salvadora estaria na ação espetacular – visto que incomum – de um ou mais atores políticos, mas isso vindo ainda hoje de analistas políticos profissionais da imprensa soa um tanto quanto infantil.

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Alexandre Marini é sociólogo e professor