Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Nova carta aberta à imprensa

O artigo publicado aqui no site do OI em 9 de setembro de 2003, intitulado ‘Carta aberta à imprensa sobre o 11 de setembro’, de minha autoria e de Marcelo Gil, apresentou enfoque sobre o assunto que na época pode ter parecido uma absurda teoria da conspiração. Mas a afirmativa do segundo parágrafo – ‘Concluímos que a cúpula dos serviços de inteligência norte-americanos e a Casa Branca sabiam do planejamento dos atentados’ – agora não parece tão desconexa. Sete meses depois, veículos de comunicação em todo o mundo e no Brasil – como Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil – apresentam os títulos como os seguintes, nos cadernos internacionais: ‘FBI sabia de iminência de ataques’ (JB, 2/4/2004) e ‘Bush sabia de planos de Bin Laden nos EUA’ (Folha, 11/4/2004).

Porém, o fato mais relevante continua oculto. A provável omissão por parte da administração Bush para permitir a execução do atentado. Talvez, por esse motivo, o presidente americano nunca tenha concordado com a instauração de uma comissão que investigasse as falhas e os erros do 11 de setembro. Esta, depois de constituída contra a sua vontade, recebeu sua censura: o relatório apresentado pela comissão teve várias páginas retiradas. O que devem ter pensado a respeito as famílias das vítimas, ao saber que seu ente querido foi morto de forma brutal em conseqüência de ‘falha e erro’ de quem deveria estar trabalhando para manter a segurança nacional? Quase três mil cidadãos americanos morreram devido à profunda negligência dos principais órgãos de segurança da nação mais rica e poderosa do mundo, e ninguém da cúpula desses órgãos foi demitido.

O serviço de imigração e naturalização dos EUA autorizou a entrada de 19 reconhecidos membros da al-Qaeda. Perigosos terroristas circulando livremente dentro de território americano, perfeitamente legalizados, com seus nomes verdadeiros. Aliás, Khalid Almihdar, que teve seu visto vencido em julho de 2001, renovou-o sem a menor dificuldade, apesar de estar fichado na CIA e no FBI como um dos suspeitos do ataque ao navio US Cole, no Iêmen, em outubro de 2000. Mohamed Atta e Marwan-al Shehhi, que participaram do atentado ao WTC em 2001, tiveram seus vistos de estudante aprovados, seis meses depois do ocorrido.

A supervisora jurídica e chefe do escritório do FBI de Minneapolis, Coleen Rowley, foi eleita pela revista Time Personalidade do Ano em 2002. Por dela, o Senado americano decidiu instalar comissão parlamentar que investigaria falhas e erros do 11 de setembro. Onde está a imprensa investigativa que não se refere mais à maior heroína do episódio, que acusou diretamente a cúpula do FBI de bloquear seu trabalho investigativo? Por que a imprensa tem aceitado absurdos declarados pelo alto escalão do governo Bush, em seus depoimentos à comissão?

‘Os terroristas estavam em guerra conosco, mas nós não estávamos em guerra com eles’ (Condoleezza Rice, conselheira de Segurança da Casa Branca). Como uma pessoa que afirma isso pode ocupar um posto de tamanha responsabilidade? ‘A agência nunca conseguiu se infiltrar no plano da al-Qaeda de 2001’ (George Tenet, diretor da CIA). Na verdade a CIA estava no rastro de pelo menos dois dos 19 terroristas, Nawaf Alhazmi e Khalid Almihdhar. Desde janeiro de 2000, os dois estavam em Kuala Lumpur, numa reunião da al-Qaeda, monitorada pela CIA e pela polícia da Malásia. Não bastasse isso, pouco tempo depois, os dois fixaram residência em San Diego, Califórnia, e moraram normalmente, na Rua Mount Ada, 6.401. Seus nomes constavam da lista telefônica, tinham carteira de motorista, cartão de crédito e freqüentaram tranqüilamente aulas de pilotagem de avião.

Atenção às contradições

‘Nossos agentes estavam isolados por barreiras impostas pelo governo, e famintos por informação básica e tecnologia’ (John Ashcroft, secretário de Justiça. O mesmo Ashcroft, no dia 10 de setembro de 2001 rejeitou um pedido de verbas para o FBI de U$ 58 milhões). Aliás, o FBI, por determinação do Departamento de Justiça americano, colocou aparelhos de escuta no telefone dos terroristas e, apesar de eles falarem em árabe, os agentes alegaram falta de verbas para contratar tradutores. Então por que insistiram com a escuta? E só depois do atentado traduziram o que estava gravado.

A comissão de investigação deveria requisitar o depoimento de funcionários de segundo e terceiros escalões, objetivando conseguir declarações mais próximas à realidade dos fatos. A investigação tem que acontecer ‘de baixo para cima’, e não ao contrário. O depoimento mais importante no momento seria o do responsável pelo bloqueio e arquivamento das investigações dos agentes do FBI de Minneapolis (Minnesota) e Phoenix (Arizona), antes do 11 de setembro. Certamente, esse funcionário obedeceu ordens, e quem ordenou levará, num encadeamento, aos verdadeiros mandantes do ato irresponsável de bloquear quem poderia ter salvado a vida de quase três mil pessoas.

Outro foco importante seria interrogar quem, no serviço de imigração, concedeu os vistos de permanência aos terroristas. A grande imprensa deve ficar atenta às contradições e cobrar detalhes sobre o assunto. Só assim existirá a chance de encontrar os culpados reais pela terrível omissão. A imprensa é a mobilizadora da opinião pública. A beligerância americana só será contida quando pudermos desmascarar àquele que só pensa nos lucros da guerra, e vê na paz um péssimo negócio.

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Estudante de Jornalismo da Universidade Estácio de Sá