Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Novas tecnologias e a velha mordaça

O portal de notícias Último Segundo não tem vínculos com o governo nem está aparelhado pelo PT. Pertence a uma empresa privada, o Grupo iG, genial criação do publicitário Nizan Guanaes que enfrentou o poderio do líder do mercado, o UOL, com o conceito da internet grátis. Hoje seus principais acionistas são a operadora Oi-BrT e alguns fundos de pensão das estatais.


Em 6 de novembro de 2009, a nova direção do iG comunicou ao Instituto Projor (detentor da marca e mantenedor do Observatório da Imprensa) que a parceria seria interrompida. Depois de uma década de estreita colaboração e entendimento, este Observatório recebeu o prazo – quase um ultimato – de trinta dias para procurar outro portal onde hospedar-se. Desculpa: nova estratégia, aposta em conteúdo próprio, busca de novas audiências (ver ‘Observatório em casa nova‘).


Articulista semanal no Último Segundo por quase igual período, este observador era apresentado na retraca de opinião como ‘um dos maiores nomes do jornalismo brasileiro’. Pilhéria: foi avisado por telefone na última sexta-feira (26/2) que o seu texto não seria publicado e que o seu contrato seria interrompido dentro de 30 dias (ver ‘O azar dos sortudos‘). Alegação: o portal estava sendo reformulado.


Debate-tabu


À frente do Último Segundo já estiveram respeitáveis jornalistas como Matinas Suzuki e Leão Serva. Um dos últimos presidentes do grupo foi o jornalista Caio Túlio Costa, responsável pelo erguimento do UOL, primeiro ombudsman da imprensa brasileira, professor e autor.


O atual manda-chuva é Eduardo Oinegue, que começou como estágiário da Veja em 1983 e acabou seu redator-chefe. Desconhecem-se suas preferências políticas. Seu modo de operar celebrizou-se da noite para o dia.


Este observador teve acesso à sua pauta de tarefas: tornar o portal uma referência jornalística capaz de impor-se aos jornalões impressos. Para isso poderia contar com o formidável apoio da operadora telefônica do grupo e com a legislação que permitirá a transmissão de conteúdo televisivo por celular.


Ninguém determinou a Oinegue que politizasse o portal e o colocasse ostensivamente a favor do governo ou da base aliada. Ao contrário: para superar a coalizão da grande imprensa deveria optar pelo equilíbrio. O exercício do pluralismo era essencial, ao menos na aparência. E para conquistar o respeito do público, indispensável adotar uma postura discreta, serena, não-combatente.


Mais: como o debate sobre imprensa & mídia tornou-se fundamental na pauta jornalística, e este debate é hoje quase um tabu nos grandes veículos brasileiros, o portal deveria explorar este segmento com inteligência, sem abrir flancos nem provocar atritos inúteis.


Para breve


Como se vê, Eduardo Oinegue fez tudo ao contrário do que lhe foi recomendado: na redação o clima é de terror, o portal está longe de diferenciar-se dos demais, não consegue oferecer conteúdo exclusivo, a atualização é precária por falta de assunto, a atração de novos públicos mantém-se no plano da quimera e a promessa de resultados imediatos está longe de materializar-se.


Em matéria de credibilidade e pluralismo, o Último Segundo passou para o último lugar. Por conta de um impulso voluntarista, impensado e irresponsável o novo iG derrubou a imagem de universalidade que acompanha o projeto desde o seu nascimento. A censura imposta a um jornalista ‘da Casa’ e o embargo a um comentário sobre o comportamento presidencial na questão dos direitos humanos em Cuba criaram uma celeuma inédita, desnecessária, contraproducente.


E se o portal pretendia ser a grande plataforma para o debate sobre mídia desqualificou-se duplamente. Canhestramente desfez-se do Observatório da Imprensa, o mais conhecido veículo sobre mídia da imprensa brasileira, jogou fora um público cativo, treinado há quase 14 anos para desconfiar daquilo que lhe oferecem como verdade insofismável e agora protagoniza um episódio censório inédito no jornalismo digital. Breve inaugurará sua lista negra, inevitável.


Igualou-se.