Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Big Brother do Mundial

Como se não bastassem as crônicas e a presença do Pedro Bial, jornalista que costumeiramente não cobre futebol, mas arranjou uma boquinha na Alemanha, a Globo atacou agora com uma espécie de big brother solto nos campos, tornando públicas palavras que foram ditas na intimidade, entre companheiros da equipe técnica e jogadores da seleção do Brasil. Expôs ainda o técnico do Japão, Zico, ex-jogador brasileiro que foi anos o queridinho do Flamengo, num momento também íntimo onde desafortunadamente contou uma piada sobre japoneses a jogadores brasileiros.


Alguns telespectadores acharam graça, provavelmente os Homers Simpsons, outros contorceram-se de vergonha nas poltronas.


Os jovens surdos, utilizados como meio para ‘ler’ os lábios dos dois técnicos e de alguns jogadores, ficaram numa situação também delicada, até porque são menores, ou muito jovens, e possivelmente não foram confrontados eticamente antes de toparem a exposição para um trabalho dessa natureza.


Como num passe de mágica a Globo conseguiu abrir para os surdos um novo mercado de trabalho; não muito ético, é verdade. Os surdos, depois desse surto de imaginação global, poderão ser utilizados pela polícia, pelos governos, detetives, empresários, enfim, por todos aqueles que se consideram donos da verdade e da ordem e fazem qualquer coisa muito cara para não perder o controle das massas.


Para a Rede Globo vale tudo, e um investimento a mais no submundo do que pode ser a televisão de qualquer maneira não é novidade. Fica provado e comprovado: não é só o Jornal Nacional que trabalha focado na ignorância e na palhaçada de um jornalismo direcionado para a manutenção e proliferação de Homers Simpsons. O Fantástico também já fez seu gol de placa.


Cara do Brasil


O Big Brother Copa das colônias, quando um jornalista se desloca até um festejo de comunidades italianas ou portuguesas, espanholas ou alemãs, já está meio desgastado – faz tempo que virou uma encenação sem graça, para não dizer patética. Que problema: Araquém também não deu certo, mas era preciso aumentar o furor, a animação da torcida, e então surgiu a idéia de utilizar os surdos e suas incríveis habilidades na arte de ler os lábios.


Muita gente vai achar que não há razão para o técnico brasileiro sentir-se ofendido e não faltarão pessoas para defender o bom humor sagrado nas Copas, afinal ninguém quer a volta do Araquém. Mas até que ponto vencer todas as barreiras éticas em nome de gargalhadas sádicas é defender o humor no futebol?


Humor sobre futebol que não enfrenta os homens-business do futebol, os juízes, que nessa Copa, com raríssimas exceções, perderam completamente as estribeiras?


Humor que fere o espírito crítico e dirige a massa para a bestialização talvez não mereça ser chamado de humor. Não é uma questão que se encerra entre ser humor ou ser jornalismo. Não é jornalismo e não importa, porque humor também não é. Agora, que é a cara de um certo Brasil sem vergonha na cara, manipulado por uma mídia hipócrita, isso é. Tem tudo a ver.

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Jornalista